Acórdão nº 98P074 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 15 de Abril de 1998 (caso None)
Magistrado Responsável | LOPES ROCHA |
Data da Resolução | 15 de Abril de 1998 |
Emissor | Supremo Tribunal Administrativo (Portugal) |
Acordam na Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça: 1- No Tribunal de Círculo de Leiria respondeu A, solteiro, operador de máquinas, nascido em França em 19 de Julho de 1972 e residente em Lagarinho, Ourém, com os restantes sinais identificadores dos autos, acusado pelo Ministério Público da prática de um crime de homicídio qualificado, na forma tentada, previsto e punido pelos artigo 22, 23, 131 e 132, ns. 1 e 2, alínea c), f) e g) todos do Código Penal, de um crime de detenção de arma proibida, previsto e punido pelo artigo 260 do mesmo Código, e ainda de um crime de omissão de auxílio previsto e punido pelo artigo 219, ns. 1 e 2 do mesmo diploma. Pelo acórdão de 5 de Novembro de 1997 (folhas 345-355 dos autos), foi decidido: a) Julgar improcedente, por não provados, a acusação relativamente aos crimes de detenção de arma proibida e omissão do dever de auxílio e deles absolver o arguido. b) Julgar procedente a acusação relativamente ao crime de homicídio na forma tentada, previsto e punido pelo artigo 131 com referência aos artigos 22, 23, e 73 do Código Penal, versão de 1995, e condená-lo, pela prática deste crime, na pena de 2 anos de prisão. O acórdão, para além da condenação em custas, determinou, em harmonia com o disposto nos artigos 109, n. 1 e 110, n. 1 do Código Penal de 1995, a entrega aos respectivos donos da espingarda caçadeira e do veículo apreendido nos autos por, além de não pertencerem ao arguido, não se ter feito qualquer prova de que os seus titulares tenham concorrido, de forma consciente, para a prática do crime. 2- Não se conformou o arguido com a referida decisão e interpôs recurso para este Supremo tribunal de Justiça. Motivando-o, formulou as seguintes conclusões: 2.1. No acórdão recorrido dá-se como provado que o arguido estava receoso e temia pela sua segurança. Não se cuidou de explicitar com os factos o que se entende por tal, sendo certo que essa explicitação poderia integrar a conduta do arguido na prática do crime previsto e punido nos termos do artigo 133 do Código Penal desde que os conceitos "receoso" e temer pela sua segurança se enquadrasse na compreensível emoção violenta - ou desespero. 2.2. Logo, face ao disposto no artigo 410, n. 2 alínea a) do Código de Processo Penal, o acórdão recorrido é insuficiente para a decisão da matéria de facto provada. 2.3. Nestes termos, deverá determinar-se o reenvio dos autos, face ao disposto no artigo 426 do Código de Processo Penal. 3- Também se não conformou o Ministério Público que, na sua motivação, concluiu como segue: 3.1. O arguido planeou a morte da vítima antes de se encontrar com esta. 3.2. O "arguido" não deu azo, com a sua conduta, a que o arguido tivesse decidido levar à prática o propósito de lhe tirar a vida nas circunstâncias de lugar, tempo e modo em que o fez. 3.3. Estas foram escolhidas pelo arguido aproveitando-se do facto de elas impossibilitarem a vítima de se defender eficazmente dos disparos. 3.4. As mesmas são reveladoras de o arguido ter agido com frieza de ânimo. 3.5. E de especial censurabilidade na prática do crime. 3.6. O arguido praticou, pois, um crime tentado de homicídio qualificado, nos termos da alínea g) do n. 2 do artigo 132 do Código Penal. 3.7. Decidindo diferentemente, o tribunal "a quo" violou o mencionado normativo. 3.8. Em função desta qualificação, deve o Réu ser condenado em pena não inferior a 5 anos de prisão. 3.9. Mesmo que assim se não entenda, a pena concretamente fixada é benévola e não proporcional à medida da culpa e às exigências de prevenção geral e especial. 3.10. Com o que igualmente se mostra violado o disposto no artigo 71 do Código Penal, nomeadamente o seu n. 1 e as alíneas a) e b) do seu n. 2. 3.11. A considerar-se como não qualificada a tentativa de homicídio, deve a pena ser fixada em medida não inferior a 4 anos. 4- O Ministério Público apresentou resposta ao recurso do arguido, pronunciando-se pelo improvimento. 5- Recebidos os recursos, subiram os autos a este Supremo Tribunal e efectuou-se o exame preliminar depois da vista ao Ministério Público, que não suscitou qualquer questão impeditiva do seu conhecimento. Naquele exame verificou-se nada obstar ao conhecimento, correram os vistos e houve lugar à audiência na qual se observou o formalismo legal. Cabe agora apreciar e decidir. 6- É jurisprudência corrente, uniforme e pacífica deste Supremo Tribunal de Justiça que o âmbito do recurso penal se define pelas conclusões extraídas pelos recorrentes das respectivas motivações - sem embargo do conhecimento oficioso de vícios ou nulidades, ainda que não invocados ou arguidos (Neste sentido, e por todos, cfr. o Acórdão de 10 de Julho de 1996, publicado no Boletim do Ministério da Justiça n. 459, página 188). As questões litigiosas a apreciar e a resolver são, por conseguinte, as que se indicam: 1. O vício da alínea a) do n. 2 do artigo 410 do Código de Processo Penal, determinante do reenvio para novo julgamento (recurso do arguido). 2. O erro na qualificação jurídico-penal dos factos, pois o tribunal deveria ter optado pela tentativa de um crime de homicídio qualificado nos termos da alínea g) do n. 2 do artigo 132 do Código Penal. 3. Nesta perspectiva, a medida da pena a aplicar ao arguido deveria ser fixada em quantum não inferior a 5 anos de prisão. 4. Se assim se não entender, deverá ser fixada em medida não inferior a 4 anos de prisão, e assim se não tendo decidido, houve violação do artigo 71 do Código Penal nomeadamente o seu n. 1 e as alíneas a) e b), do seu n. 2. (As três últimas questões resultam da motivação do recurso do Ministério Público). 7- É a seguinte a matéria de facto apurada no acórdão recorrido: 7.1. Quando ocorreram os factos que a seguir se relatam, o arguido frequentava a Quinta ..., nesta cidade, onde residia a sua namorada e também B. 7.2. Em finais de Fevereiro princípios de Março de 1995, B disse pelo menos duas vezes ao arguido, quando o encontrou na referida quinta, que "lhe fazia a folha" e que o matava. 7.3. O arguido veio a ter conhecimento por outras pessoas que residiam na Quinta ..., que B dizia que o havia de matar. 7.4. Essas pessoas avisavam o arguido para ter cuidado porque o B era uma pessoa perigosa. 7.5. Na noite do dia 13 de Março de 1995, o arguido encontrava-se num café da Quinta ..., onde foi abordado pelo B que lhe disse que queria falar com ele. 7.6. Na sequência desta conversa dirigiram-se ambos para a rua onde o B pediu ao arguido para transportar a sua companheira ao local de trabalho que era uma boite em Parceiros, desta comarca. 7.7. Apesar de estar receoso e de temer pela sua segurança o arguido acedeu a fazer o transporte e dirigiram-se os três a Parceiros no veículo automóvel ligeiro de mercadorias marca ..., matrícula XH, propriedade de ... - Sociedade de Construção, Limitada, de que o pai do arguido é sócio gerente. 7.8. Nesse percurso o arguido ia ao volante e o B e a companheira no banco ao lado, viajando o B ao meio. 7.9. Cerca das 24 horas do referido dia 13, após ter deixado a companheira do ofendido no seu local de trabalho, por razões não apuradas, o arguido imobilizou o veículo junto ao n.... da Rua dos ..., Quinta do ..., Leiria. 7.10. Então, em circunstâncias não apuradas, muniu-se da espingarda caçadeira de dois canos sobrepostos, melhor descrita no auto de exame de folha 11, que aqui se tem por reproduzido, que estava no interior do veículo, e apontou-a na direcção do B que estava sentado no banco ao lado direito do condutor. 7.11. Em gesto de defesa, B levantou a mão esquerda e o arguido disparou dois tiros contra aquele, fazendo deflagrar dois cartuchos carregados com esferas-zagalotes. 7.12. Os projécteis disparados pelo arguido atingiram o ofendido na mão esquerda, tórax, face e coxa direita, provocando-lhe fractura de costelas à esquerda com perfuração do pulmão e pneumotorax, ferida na região precordiale axilar esquerda, ferida na face direita, região mentoniana e face esquerda, esfacelo da mão esquerda com amputação do segundo dedo pela raiz, feridas na face interna da coxa direita e...
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