Acórdão nº 98P565 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 30 de Setembro de 1998 (caso None)

Data30 Setembro 1998
Órgãohttp://vlex.com/desc1/1541_01,Supremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam os juízes que compõem a secção criminal do Supremo Tribunal de Justiça: No processo comum colectivo 118/94 do Tribunal de Círculo das Caldas da Rainha, por douto acórdão proferido em 10 de Fevereiro de 1998 o Tribunal Colectivo decidiu: a) absolver os Arguidos A, B e C da prática do crime de omissão de auxílio do artigo 219 do Código Penal de 1982; b) condenar o Arguido D, como autor material de um crime dos artigos 142, 143 alínea b) e 145, n. 2 do Código Penal de 1982, na pena de dois anos de prisão; c) declarar perdoado um ano de prisão nos termos do artigo 8, n. 1, alínea d) da lei 15/94, de 11 de Maio, sob a condição resolutiva do seu artigo 11; d) absolver os demandados A, B e C e E, Limitada do pedido cível contra eles deduzido; e) condenar o Arguido D no pagamento da quantia de 1200000 escudos ao assistente, a título de indemnização por danos não patrimoniais e ainda no pagamento da indemnização que se liquidar em execução de sentença referente aos danos patrimoniais sofridos pelo assistente e consistentes na perda dos rendimentos de trabalho enquanto perdurou a situação de doença e na redução de ganho resultante da incapacidade permanente de que ficou afectado. Inconformado interpôs recurso o Arguido D por declaração em acta, logo admitido para subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito suspensivo. Também interpôs recurso o assistente F que logo motivou, concluindo: 1- o recorrente, com as presentes alegações de recurso, pretende demonstrar a sua discordância em relação à parte decisória do douto acórdão recorrido em relação à absolvição dos 3 Arguidos, A, B e C; 2- o recorrente entende que houve manifesto erro notório na apreciação da prova, alínea c) do n. 2 do artigo 410 do Código de Processo Penal, com efeito; 3- a actuação dos 2 seguranças, ao não intervirem quando das duas agressões de que o recorrente foi vítima por parte do Arguido D 4- o terem pegado no recorrente ao colo e colocado, fora da discoteca, com o rosto ensanguentado, devido à agressão, e a gritar com dores, quando lhe tocavam na perna esquerda, constitui actuação, que integra a prática do crime previsto e punido no artigo 200 do Código Penal revisto; 5- os Arguidos, B e C, não podem ignorar que a colocação do alegante, ferido e cheio de dores, ao relento, fora da discoteca, numa noite de Dezembro, que poderia provocar graves sequelas na integridade física do alegante; 6- a ordem genérica do gerente da discoteca e Arguido, A, não poderia incluir os casos, como o do recorrente, em que apresentava feridas, a sangrar do rosto, a gritar com dores, queixando-se da perna esquerda; 7- o Arguido, A, ao ter ordenado aos seguranças medidas de tal natureza - colocação fora da discoteca, dos clientes intervenientes em desordens, feridos e não feridos, aceitou o resultado da sua conduta, além de que: 8- o Arguido, A, não presenciou os factos ocorridos na discoteca, mas teve conhecimento deles pela empregada, que lhe comunicou a necessidade de telefonar para chamar a ambulância por haver um ferido - o alegante; 9- o Arguido, A, não deu ordens em contrário, no sentido de acolher o assistente, dentro da discoteca, ou seja, no seu gabinete ou noutro local abrigado; além de que: 10- a condução do assistente para fora da discoteca pelos 2 seguranças e Arguidos nos presentes autos, e a exposição ao frio durante mais de uma hora, numa noite de Dezembro, agravou, de certeza, as sequelas da fractura da perna esquerda, produzida pela agressão do Arguido, D 11- a diminuição da capacidade funcional de 20 por cento sofrida pelo alegante deve atribuir-se a esse desumano tratamento e à indiferença dos 3 Arguidos pela integridade física do assistente; 12- e toda esta actuação, provocou, no alegante, o agravamento da doença, particularmente dolorosa, pois ficou afectado permanentemente do uso normal da perna esquerda, coxeando; 13- o Arguidos A, B e C, cometeram o crime de auxílio, previsto no artigo 200 do Código Penal; 14- e, devem ser considerados responsáveis, pela reparação dos danos de natureza patrimonial e não patrimonial suportados pelo assistente - alegante, em consequência da agressão das lesões por ele sofridas pela falta de solidariedade e desumanidade, por parte dos 3 Arguidos; 15- houve violação dos fins fundamentais reconhecidos, constitucionalmente - sofrimento físico, a violação da integridade física do assistente, agravada pelo comportamento e indiferença dos 2 seguranças e do Arguido A; houve violação do artigo 410 alínea c) do Código Penal e ainda dos artigos 200 do Código Penal e 72 do Código de Processo Penal. Deve o douto acórdão recorrido ser revogado, e serem os 3 Arguidos absolvidos condenados, na responsabilidade penal e civil. Oportunamente o recorrente D apresentou a motivação, concluindo: 1. o douto acórdão viola o disposto no artigo 410, n. 2 alínea a) em virtude de ter havido insuficiência para a decisão da matéria de facto provada; 2. o enquadramento jurídico-penal da actuação do Arguido quer quanto à agressão quer quanto ao resultado não se coaduna com a matéria de facto dada como provada; 3. o artigo 13 do Código Penal estabelece que só é punível o facto praticado com dolo, ou nos casos especialmente previstos na lei com negligência; 4. da estrutura do dolo com os seus elementos cognoscitivo e volitivo e do seu objecto dá conta o n. 1 do artigo 14 quando se refere: 1) à representação (do facto); 2) à intenção de o realizar; 3) ao objecto (um facto que preenche um tipo de crime); 5. a representação pode tomar a forma de "previsão", enquanto conhecimento de facto que o agente intentar cometer, ou de "conhecimento" enquanto tem por objecto circunstâncias preexistentes à perpetração do facto, e que constituam também seus elementos essenciais; 6. o elemento volitivo do dolo é a própria vontade culpável. É a intenção nos termos do n. 1 do artigo 14 do Código Penal. O agente tanto no caso do n. 1 como no n. 2 do citado artigo tem consciência do facto a realizar, o facto ilícito, em todos os seus elementos essenciais, pois que os conhece ou prevê; 7. o n. 3 do artigo 14 define o que doutrinariamente se designa por dolo eventual, figura dogmática que no caso em apreço nos interessa sublinhar; 8. no dolo eventual há um enfraquecimento tanto na consciência ou elemento cognoscitivo, como na vontade ou elemento volitivo; 9. quanto ao elemento cognoscitivo não é necessário que o agente preveja a realização do facto ilícito como consequência necessária (dolo directo) e antes bastará que a preveja como consequência possível do seu comportamento; 10. e quanto ao elemento volitivo não será preciso que o crime seja o fim subjectivo do agente ou mesmo que seja com ele conexo de modo que para realizar esse fim seja necessário realizar ou cometer o crime, bastará que se conforme com essa realização; 11. alguns autores entendem que para existir dolo eventual seria necessário exigir a previsão da consequência não apenas como possível, mas como provável; 12. no entanto, conforme refere Figueiredo Dias a dificuldade dessa proposta reside na individualização da fronteira entre possibilidade e probabilidade; 13. no caso em apreço o Arguido não previu como consequência possível do seu comportamento (deixar-se cair em peso sobre a perna esquerda do assistente) a fractura da perna; 14. pensamos, objectivamente, que aquela atitude não é causa provável para que dela derive uma fractura numa perna e que o agente não teve sequer consciência da possibilidade da realização do facto ilícito; 15. mas ainda, que entendessemos, no caso vertente, e ainda que houvesse indícios reveladores suficientes - o que em nossa opinião não aconteceu - de que o Arguido conhecia que deixar-se cair ou da queda como consta também do douto acórdão sobre a perna esquerda do assistente conduziria à sua fractura, tal não é decisivo para sustentar a imputação do crime a título de dolo eventual, porquanto esse é um traço comum a duas categorias dogmáticas: o dolo eventual e a negligência; 16. na verdade existe tanto no dolo eventual como na negligência identidade do chamado elemento intelectual; 17. a contrapartida entre dolo e culpa é indicada nas alíneas a) e b) do artigo 15, por forma negativa; 18. quanto ao elemento cognoscitivo as referidas alíneas indicam duas modalidades: ou o agente prevê a possibilidade de realização de facto ilícito, tem dela consciência, e estamos perante a denominada culpa consciente, ou o agente não previu, não teve consciência, da possibilidade da realização do facto ilícito e estamos perante a denominada culpa inconsciente; 19. o elemento diferenciado entre o dolo eventual e a negligência reside em uma precisa compreensão do elemento volitivo: é preciso sempre o querer; 20. na nossa lei há dolo eventual se o agente actuar conformando-se com aquela realização, e haverá negligência consciente se o agente actuar sem se conformar com essa realização; 21. na negligência dirige-se ao agente a censura por uma actuação reveladora de uma personalidade descuidada perante o dever-ser jurídico penal, porquanto o agente não procedeu com o cuidado a que, segundo as circunstâncias estava obrigado e era capaz; 22. não poderá proceder o entendimento do douto acórdão que considerou que o Arguido previu a fractura da perna; 23. o D não realiza de um modo sério ou actual que o seu comportamento pudesse conduzir à fractura da perna e muito menos posteriormente, à afectação do nervo ciático de que resultou a incapacidade; 24. concretamente, no que concerne à fractura o douto acórdão refere tão só o seguinte... "e assim deixou-se cair em peso com os seus joelhos em cima da perna esquerda do assistente admitindo que desse gesto resultasse fractura dos ossos da mesma e conformando-se com tal resultado..."; 25. não existe no acórdão e na matéria dada como assente...

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