Acórdão nº 99P739 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 13 de Outubro de 1999 (caso NULL)

Data13 Outubro 1999
Órgãohttp://vlex.com/desc1/1997_01,Supreme Court of Justice (Portugal)

Juízes da Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça: I O arguido A foi condenado no Tribunal de Círculo de Santiago do Cacém em Processo Comum Colectivo como Autor de 1 crime de homicídio previsto e punido pelo artigo 131 do Código Penal na pena de 14 anos de prisão e a indemnização de 31500000 escudos. Recorreu para o Supremo Tribunal de Justiça da decisão a folha 334 e o Meritíssimo Juiz de Círculo admitiu o recurso para a Relação de Évora visto que o recurso não visa exclusivamente o reexame da matéria de direito - alínea d) do artigo 432 do Código de Processo Penal - no seu entendimento. Na Relação, por acórdão de folha 356, deu-se acolhimento ao douto parecer do Ministério Público no sentido de que era o Supremo Tribunal de Justiça o competente para conhecer do recurso visto que o recorrente não assaca ao acórdão recorrido qualquer dos vícios do n. 2 do artigo 410 do Código de Processo Penal e o recurso versa exclusivamente matéria de direito. II Neste Supremo Tribunal de Justiça o Excelentíssimo Procurador Geral Adjunto concorda com o douto acórdão da Relação. III Nas conclusões do recurso o recorrente diz: "1) Os factos fundamentais que foram considerados provados resultaram de depoimentos parciais, prestados por interessados na causa. 2) Ainda assim, dos factos provados resulta que o arguido agiu em legítima defesa exercendo um direito que lhe assistia. ......... 8) Também a indemnização arbitrada não devia ter tido lugar, por inexistência dos pressupostos de ilicitude e culpa, violando-se o disposto no artigo 483, n. 1 do Código Civil" Para fundamentação das referidas conclusões diz o requerente: "O recorrente não pode conformar-se com a sentença proferida porquanto: 1) Infelizmente para o recorrente, a versão dos factos fundamentais acolhida pelo douto Colectivo foi a apresentada por um irmão do falecido e sua companheira e apenas por estes. 2) É isto aliás que indubitavelmente resulta da fundamentação das respostas aos quesitos em que somente ..., irmão do falecido e a sua companheira ..., são requeridos como tendo assistido aos acontecimentos e mais, como tendo estado neles envolvidos. 3) Todas as demais, pessoas ou não assistiram ou só posteriormente deles tiveram conhecimento e participação. 4) Lamentavelmente a convicção do tribunal formou-se a partir de uma versão interessada, distorcida e parcial da ocorrência, com tudo o que isso implica de entorse para a verdade e injustiça inerente. 5) Ainda assim, dos factos considerados provados resulta claramente que após ter dado os tiros o arguido se viu forçado a fugir do local, o que não só o inibiu de recolher a identidade de circunstantes que pudessem ter relatado os factos com outra isenção. 6) Como também ilustra o perigo que corria, apesar de estar armado e de já ter disparado com as consequências dramáticas que se conhecem. 7) E sobretudo demonstra que os tiros foram disparados num contexto de desordem de feira, como os demais factos corroboram. 8) O primeiro tiro já disparado em direcção a peças de roupa expostas. 9) Ninguém duvidará que se tratou de um tiro de aviso e intenção defensiva que só por si ilustra a situação existente, 10) Indiciando de imediato que o arguido não queria matar ninguém mas sim defender-se. 11) Ainda que o tribunal não tenha tirado daí nenhuma ilação, crê o arguido que já não poderia deixar de valorar o que se seguiu mesmo segundo a prova feita: após este tiro o irmão do falecido (e posterior testemunha) dirigiu-se ao arguido, munido de uma bengala, com intenção de o atacar fisicamente. 12) Foi então e só então que o arguido disparou os tiros que se revelaram fatais. 13) Nesta sua simplicidade e apesar de evidente parcialidade da prova produzida é inegável que o arguido agiu em defesa da sua integridade física. ........... 17) Mas ainda que assim se entenda (que o arguido excedeu os meios necessários para a defesa) "Compreende-se que a perturbação, medo ou susto causados pela agressão impeçam a justa avaliação ou ponderação da necessidade dos meios de defesa, em termos de tornar não censurável o defendente pelo seu excesso"... 18) ... O tribunal não fez uma valoração critica da qualidade da prova que lhe foi presente... 20) Quanto à questão cível o arguido não pode deixar de considerar também que, ao exercer o seu direito de legítima defesa nos termos já referidos agiu licitamente e sem culpa... 21) ... Mas ainda que assim não se entenda, os montantes arbitrados são no mínimo exagerados... 23) ... o tribunal "a quo" não decidiu com a prudência e equidade exigíveis, embora as invocasse. IV a) Conforme o que atrás se expôs o recorrente e arguido vinha acusado da Autoria de um crime de homicídio voluntário e, à semelhança do que fez na contestação vem, em sede de recurso, alegar que os factos não se passaram da forma descrita no acórdão visto que o tribunal colectivo acolheu uma visão distorcida da realidade e não aceitou que o recorrente tenha agido para se defender (e não para matar), além de que, não se aceitando que houve legítima defesa, poderia ter havido excesso devido a perturbação, medo ou susto causados pela agressão. Ora a intenção de defesa, isto é o "animus deffendendi", é matéria de facto (cf. v. g. Acórdão da Relação de Coimbra de 10 de Outubro de 1984, B.M.J. 340, 448, citado no Código Penal Português de ..., edição de 1998, página 163) tal como o são a perturbação, medo ou susto, visto que não é necessário (nem possível no nosso ordenamento jurídico) lançar mão de qualquer norma jurídica que nos dê a definição dessas realidades (até porque não há). O recorrente assim invoca que se provaram factos diferentes dos constantes do acórdão como provados. Por outro lado o arguido, também no aspecto da indemnização, além de repisar os fundamentos que, em seu entender, podiam conduzir à conclusão de direito de que houve legítima defesa ou, pelo menos, de excesso, de modo a excluir a ilicitude do acto e consequente obrigação de indemnizar ou a manter tal ilicitude, também aqui com reflexos (cfr. artigos 31, 32 do Código Penal e 337 do Código Civil), vem também criticar a equidade com que se arbitraram indemnizações. Veja-se que, no acórdão, se atribuem montantes por danos morais nos termos do artigo 496 n. 3 do Código Civil com base na equidade, equidade esta que Cabral de Moncada atribui a função de "suavizar" a norma jurídica adaptando-a ao caso concreto quando esta, em consequência das particulares circunstâncias, na aplicação concreta pode conduzir a soluções injustas (Cabral de Moncada, "Lições de Direito Civil", volume I, página 34). E equidade que o nosso Código Civil só permite nos três casos do artigo 4 deste diploma - um deles é o artigo 496, n. 3 (alínea a) deste artigo). Pois bem. Também não é preciso laçar mão de uma norma jurídica, positiva e vigente, para que se determine o que é a equidade que segundo Menezes Cordeiro ("O Direito", ano 122, 1990 II, página 261 e seguintes) emergia do facto de que, no direito romano clássico, certas formas processuais estavam ligadas à expressão "bonum et aequm" o que significa que se atribuía ao Juiz uma certa margem para calcular o montante da condenação. E, segundo este autor, a "aequitas" teve em uma das suas acepções o significado de modo diferente de decisão relativamente à decisão de direito, isto é, modo de decisão diferente do direito. Consequentemente, a decisão sobre os montantes, pelo menos no caso dos direitos não patrimoniais lesados - artigo 496, n. 3 do Código Civil - como matéria de facto que é, pode ser discutida pelo tribunal que conhece, em recurso, da matéria de facto, como regra geral e que é a Relação - artigos 427 e 428, n. 1 do Código de Processo Penal - já que o Supremo conhece exclusivamente de Direito o que não significa que neste aspecto fique manietado pela matéria de facto que vem provada ou não provada e impedido de obrigar a que, neste aspecto, a 1. instância proceda à remodelação dos factos - artigo 432 alínea d) e 434, outro significado não tendo este último artigo. b) É assim indubitável, o nosso ver, que o recorrente discorda da matéria de facto constante do acórdão nos aspectos atrás referidos e que levou às conclusões 1), 2) e 8). Sendo assim, é competente o Tribunal da Relação, neste caso, o de Évora para conhecer do recuso quer na parte de facto quer na parte de direito nos termos das disposições citadas (cfr. Proposta de Lei 157/VII, exposição de motivo). Tais conclusões definem qual é o tribunal funcionalmente competente - artigo 10 do Código de Processo Penal - e dão estabilidade à instância na fase do recurso. O que é fundamental para determinar o tribunal competente para o recurso não é a qualidade ou espécie do vício que se invoca para recorrer mas antes a aceitação ou não da matéria de facto que vem provada. Logo que se põe em crise esta matéria tem de se recorrer para o Tribunal da Relação; com ... uma verificação de qualquer dos vícios do artigo 410, n. 2 pode este tribunal modificar a decisão de facto, nos casos que ali vêm referidos. É o Tribunal da Relação quem está preparado com os dispositivos legais adequados para uma melhor decisão relativamente aos factos (cfr. artigo 210, n. 4 da Constituição). Invocada a deficiente matéria de facto fica, nas alegações e conclusões, definido qual é o tribunal competente. Não pode o tribunal superior, neste caso a Relação, invocar a sua incompetência para o recurso com o fundamento de que o recorrente não imputa ao acórdão qualquer um dos vícios a que alude o artigo 410, n. 2 do Código de Processo Penal e a menção de que o recorrente se dirigiu ao Supremo não tem valor pois é o Juiz do processo quem decide sobre o tribunal para o qual deve o recurso ser admitido. c) Delimitado o recurso pelas conclusões à decisão de direito, a de facto ou as duas o relator, singularmente ou em conferência, não pode conhecer do fundo da questão, isto é, decidir do mérito do recurso e depois escusar-se a decidir a outra parte do recurso que estava correctamente formulada...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT