Acórdão nº 0141415 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 25 de Setembro de 2002 (caso NULL)

Data25 Setembro 2002
ÓrgãoCourt of Appeal of Porto (Portugal)

ACORDAM NA SECÇÃO CRIMINAL (4.ª) DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO I 1. No inquérito n.º .../... dos serviços do Ministério Público junto do Tribunal Judicial de ....., estando em investigação factos susceptíveis de integrar a prática de um crime de injúrias, p. e p. pelos artigos 181.º e 183.º do Código Penal, através de mensagens via "internet", o Ministério Público, com o propósito de identificar os autores de tais mensagens, solicitou aos diferentes servidores a identificação completa dos utentes dos quais terão partido tais mensagens.

  1. Em resposta a essa solicitação "Via Net.Works" informou que só forneceria essas informações mediante ordem judicial.

  2. Então, o Ministério Público requereu ao Exm.º Juiz que ordenasse a esse servidor a prestação da informação, nos termos do artigo 135.º do Código de Processo Penal.

  3. Sobre esse requerimento, recaiu o seguinte despacho: «Contrariamente ao que consta da douta promoção de fls. 66, entendemos (e não obstante decisão em contrário por nós já proferida) que é legítima a recusa por parte do servidor.

    «Atento o princípio da inviolabilidade do dever de sigilo e as cautelas constitucionais que o legislador lhe atribui, julgamos não poder, em concreto, tal princípio ser derrogado tendo por base o interesse público subjacente ao dever de colaboração na administração da justiça.

    Pelo exposto, não se ordena a prestação de informação por parte do servidor.

    5. O Ministério Público veio interpor recurso desse despacho, formulando, na motivação apresentada, as seguintes conclusões: «- O despacho da M.ª Juiz viola o artigo 97.º do CPPenal, por não estar suficientemente fundamentado.

    «- A escusa do servidor "Net Work" em fornecer informações relativas à identificação dos utilizadores é ilegítima porque os elementos solicitados não são informações relativas ao conteúdo das comunicações.

    «- As informações solicitadas não contendem com a esfera provada e íntima do utilizador.

    - A M.ª Juiz ao não considerar como ilegítima tal escusa e ao não ordenar tais informações violou o disposto no artigo 135.º do CPPenal.

    Termina pedindo que a decisão recorrida seja substituída por outra que considere ilegítima a escusa por parte da "Net Work" e ordene a prestação das informações solicitadas.

  4. Admitido o recurso e remetidos os autos a este tribunal, mediante promoção do Exm.º Procurador-Geral Adjunto foram os autos devolvidos à 1.ª instância, a fim de serem juntos determinados elementos. Satisfeito o pretendido, o Exm.º Procurador-Geral Adjunto foi de parecer que o recurso merece provimento.

  5. Efectuado exame preliminar e colhidos os vistos, cumpre decidir.

    II 1. A questão objecto de recurso, relacionada com pedido de informação sobre dados pessoais de clientes ao servidor identificado, convoca uma abordagem, ainda que sumária, da temática relativa ao sigilo das comunicações [Pelos importantes subsídios que, na matéria, nele se podem colher, passamos a seguir, de muito perto, o parecer n.º 21/2000, de 16 de Junho de 2000, do Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República (de que a ora relatora era, então, membro), publicado no Diário da República, II Série, n.º 198, de 28 de Agosto de 2000, pp. 14145 e ss].

    1.1. Nos serviços de telecomunicações podem distinguir-se, fundamentalmente, três espécies de dados ou elementos: os dados relativos à conexão à rede, ditos dados de base; os dados funcionais necessários ao estabelecimento de uma ligação ou comunicação e os dados gerados pela utilização da rede (por exemplo localização do utilizador, localização do destinatário, duração da utilização, data e hora, frequência), chamados dados de tráfego; e os dados relativos ao conteúdo da comunicação ou da mensagem, os dados de conteúdo.

    Os dados de base constituem, na perspectiva dos utilizadores, os elementos necessários ao acesso à rede, designadamente através da ligação individual e para utilização própria do respectivo serviço; interessa aqui essencialmente o número e os dados através dos quais o utilizador tem acesso ao serviço.

    Estes elementos - por exemplo, a identificação do utilizador, a morada - são fornecidos ao explorador do serviço para efeitos do estabelecimento do acordo (o contrato) de ligação à respectiva rede ou atribuídos por este àquele (o número de acesso); como dados de natureza pessoal que são, o seu titular deve sobre eles ter o direito de reserva.

    A reserva quanto aos elementos de base, pretendendo, essencialmente, prevenir a tranquilidade dos próprios...

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