Acórdão nº 0210386 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 26 de Junho de 2002 (caso NULL)
Magistrado Responsável | CLEMENTE LIMA |
Data da Resolução | 26 de Junho de 2002 |
Emissor | Court of Appeal of Porto (Portugal) |
Acordam, precedendo audiência, na Relação do Porto: INos autos de processo comum (singular) n.º ../.., do -.º Juízo do Tribunal Judicial da comarca de....., os arguidos, A....., L.DA, V..... e Iv...., melhor identificados a fls. 379, foram pronunciados como co-autores de um crime de abuso de confiança em relação à segurança social, previsto e punível (p. e p.) nos termos do disposto nos arts. 24.º n.ºs 1 e 5 e 27.º-B, do Regime Jurídico das Infracções Fiscais não Aduaneiras (RJIFNA), aprovado pelo Decreto-Lei (DL) n.º 20-A/90, de 15 de Janeiro [Com as alterações decorrentes do DL n.º 394/93, de 24 de Novembro, do DL n.º 140/95, de 14 de Junho e da Lei n.º 51-A/96, de 9 de Dezembro], a 1.ª arguida, ainda, com referência ao disposto nos arts. 6.º, 7.º n.º 1 e 9.º n.º 2, do RJIFNA, e foram demandados, pelo Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social do Centro (IGFSS), pela quantia de 6.242.970$00 (31.139,80 €) e juros.
Submetidos a julgamento, com documentação, através de gravação áudio, dos actos de audiência, o Tribunal recorrido veio a decidir, por - Sentença de fls. 379 a 397 e no que ao presente recurso importa, (i) absolver a arguida I.... do crime que lhe vinha imputado; (ii) condenar o arguido V....., como autor, material do crime por que vinha pronunciado, de abuso desconfiança contra a segurança social, mas p. e p. nos termos do disposto nos arts.105.º n.º 1 e 107.º n.º 1, do Regime Geral das Infracções Tributárias (RGIT), aprovado pela Lei n.º 15/2001, de 5 de Junho[Diploma que «reforça as garantias dos contribuinte e a simplificação processual, reformula a organização judiciária e estabelece um novo regime geral para as infracções tributárias», rectificado por Declaração n.º 15/2001, publicado no D.R., 1.ª série A, de 4-8-2001, pág. 4779, e que revoga o RJIFNA (art. 2.º al. b))], na pena de 120 dias de multa, à razão diária de 5€, num total de 600 €; (iii) condenar a arguida «A....., Lda», pela prática de um crime de abuso de confiança contra a segurança social, mas p. e p. nos termos do disposto nos arts. 105.º n.º 1 e 107.º n.º 1, com referência ao disposto no art. 7.º, todos do RGIT, na pena de 120 dias de multa, à razão diária de 10 €, num total de 1.200 €; (iv) absolver a arguida I..... do pedido de indemnização civil formulado pelo IGFSS; (v) condenar os arguidos «A....., Lda» e V..... a pagar ao IGFSS o montante de € 31.139,80 e juros.
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O arguido V..... interpôs recurso daquela Sentença, extraindo da correspondente motivação as seguintes conclusões: 1.ª - A sentença enferma de nulidade pois não especifica suficientemente os fundamentos de facto que justificam a conclusão de que o Recorrente (R) era gerente.
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- O R. não agiu com dolo, nem na forma genérica nem na forma específica, pelo que não pode ser punido penalmente por crimes de abuso de confiança fiscal.
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- O R não se apropriou de qualquer importância retida das remunerações para a segurança social nem retirou vantagem da não entrega dos descontos ao credor.
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- Sem a apropriação das quantias descontadas, à luz dos arts. 24.º e 27.º-b, do DL n.º 394/93, de 24-11, não há crime de abuso de confiança fiscal pois não basta que se verifique a não entrega das prestações ao credor tributário, no caso, a segurança social.
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- A entender-se, sem conceder, que estão reunidos os elementos constitutivos do crime, a execução da pena deveria ser suspensa, pelo prazo de três anos, tendo em conta as enormes dificuldades que a empresa vivia no período em causa e a conduta adoptada pelo R, com enorme estoicismo e dignidade, ao ponto de se desfazer, de bens pessoais para não parar a laboração, não provocar despedimentos ou falência.
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- O R, neste processo e em tribunal superior não podia ser civilmente condenado; por outro lado, não foram cumpridas as formalidades que a Lei Geral tributária (LGT) impõe, em matéria de reversão fiscal, no que houve quebra das suas garantias, cujo cumprimento, a manter-se a decisão «a quo», não mais pode exigir da administração tributária.
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- Estamos sem saber se o R e a sociedade foram condenados no pagamento das prestações e dos juros solidariamente, conjuntamente ou subsidiariamente (e, nesta hipótese, qual o devedor principal e qual o devedor subsidiário).
Pretende que a Sentença recorrida violou o disposto nos arts. 668.º n.º 1 al. b), do Código de Processo Civil (CPC), nos arts. 24.º e 27.º-B, do RJIFNA, 23.º e 60.0º, da LGT e 268.º n.º 4, da Constituição da República Portuguesa (CRP).
Remata a minuta, pedindo a sua absolvição e, subsidiariamente, a suspensão da execução da pena em que foi condenado e, bem assim, que se «relegue a condenação civil para eventual processo de execução fiscal, onde a responsabilidade do R será, quando muito, subsidiária».
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o recurso foi admitido, por despacho de fls. 411.
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Responderam à motivação, o demandante, IGFSS, e o Ministério Público (MP), propugnando pela confirmação do julgado.
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Nesta instância, o Ex.mo Procurador-Geral Adjunto é de parecer que o recurso não merece provimento.
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Demarcado o objecto do recurso pelo teor das conclusões que o recorrente extrai da correspondente motivação, conforme o disposto no artigo 412.º n.º 1, do Código de Processo Penal (CPP), e não vindo invocada nem, ex officio [Cfr. Acórdão, do Supremo Tribunal de Justiça (Pleno), n.º 7/95, de 19-10-95, no D. R., 1.ª série A, de 28-12--95, pp. 8211 e ss., no sentido de que «é oficioso, pelo tribunal de recurso, o conhecimento dos vícios indicados no artigo 410.º n.º 2, do Código de Processo Penal, mesmo que o recurso se encontre limitado à matéria de direito.»], se detectando, no texto da decisão revidenda, qualquer dos vícios elencados no art. 410.º n.ºs 2 e 3, daquele Código, importa, no caso, examinar as seguintes questões, tal como arroladas pelo arguido recorrente: (a) da nulidade da sentença, nos termos prevenidos no art. 668º n.º1 al.b), do CPC, por insuficiente especificação dos fundamentos de facto justificadores da condenação; (b) do erro de julgamento em matéria de facto - o dolo; (c) da falta de comprovação do elemento «apropriação» das prestações tributárias - a violação do disposto nos arts. 24.º e 27.º-B, do DL n.º 394/93, de 24-11; o regime mais favorável ao R; (d) da medida da pena - a suspensão da execução da pena de multa; (e) do pedido cível- a condenação ilegal, infundada e ambígua; o incumprimento de legislação especial do foro tributário.
Vejamos pois.
II7. Os factos, tal como formulados, pelo julgamento em 1ª instância.
7.1. O tribunal a quo julgou provado o seguinte acervo de factos: «1 - Desde 1972 que o 2.º arguido, na qualidade de sócio gerente da 1.ª arguida, empresa sediada, na Zona Industrial das....., desta cidade, que se dedica à produção de artigos e peças em couro, a vem gerindo, decidindo e praticando todos os actos de gestão e administração ordinária e extraordinária.
2 - Desde aquela data até hoje, procedeu o 2.º arguido ao pagamento de salários aos seus trabalhadores e das remunerações devidas aos gerentes.
3- Até Junho de 1995, daqueles salários e remunerações de gerência que prestavam e...
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