Acórdão nº 0240911 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 14 de Janeiro de 2004 (caso NULL)

Magistrado ResponsávelTORRES VOUGA
Data da Resolução14 de Janeiro de 2004
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Acordam, em audiência, na 4ª Secção do Tribunal da Relação do Porto: Na comarca de Vila Nova de Famalicão, mediante acusação do Ministério Público, foram julgados em processo comum, perante o Tribunal Colectivo, os arguidos a seguir identificados, tendo sido condenados: a) o ABEL ....., pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punível pelo artigo 21º nº 1, com as agravantes previstas no artigo 24º als. b) e c), na pena de 13 (treze) anos de prisão; b) a MARIA DA CONCEIÇÃO ....., pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punível pelo artigo 21º nº 1, com as agravantes previstas no artigo 24º als. b) e c), na pena de 7 (sete) anos de prisão; c) o ANTÓNIO JOSÉ ...., pela prática, como reincidente, de um crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punível pelo artigo 21º nº 1, com as agravantes previstas no artigo 24º als. b) e c), na pena de 9 (nove) anos e 6 (seis) meses de prisão; d) o ALBERTO ..... pela prática, como reincidente, de um crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punível pelo artigo 21º nº 1, com as agravantes previstas no artigo 24º als. b) e c), na pena de 10 (dez) anos e 6 (seis) meses de prisão; e, e) a MARIA DA GLÓRIA ...., pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes, previsto pelo artigo 21º nº 1 e punível nos termos do artigo 25º, al. a), todas as disposições do Decreto-Lei nº 15/93, de 22 de Janeiro, na pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão, cuja execução foi declarada suspensa pelo período de 3 anos, nos termos do artigo 50º do Cód. Penal.

Esta Relação, por Acórdão proferido em 30/10/2002 (a fls. 1176-1237), negou provimento aos recursos interpostos contra tal decisão por todos os Arguídos condenados, tendo confirmado integralmente o acórdão recorrido.

Contra o referido Acórdão desta Relação interpuseram então os Arguídos condenados recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, o qual, por Acórdão proferido em 4/6/2003 (a fls. 1350-1399) e já transitado em julgado, decidiu: a) conceder provimento aos recursos das arguídas MARIA DA CONCEIÇÃO e MARIA DA GLÓRIA, revogando o acórdão recorrido para ser substituído por outro que decida em conformidade, por um lado, com a doutrina (adoptada pelo Supremo Tribunal de Justiça no Acórdão de fixação de jurisprudência de 16/1/2003, publicado in Diário da República, I Série-A, de 30/1/2003) segundo a qual, tendo havido gravação da prova produzida em audiência e «sempre que o recorrente impugna a decisão proferida sobre matéria de facto, em conformidade com o disposto nos nºs 3 e 4 do art. 412º do Código de Processo Penal, a transcrição ali referida incume ao tribunal» e, por outro, com a declaração (feita pelo Tribunal Constitucional, no seu Acórdão de 9/7/2002, publicado in Diário da República, I Série-A, de 7/10/2002), com força obrigatória geral, da inconstitucionalidade, por violação do art. 32º, nº 1, da Constituição da República Portuguesa, da norma constante do art. 412º, nº 2, do Código de Processo Penal, interpretada no sentido de que a falta de indicação, nas conclusões da motivação, de qualquer das menções contidas nas suas alíneas a), b) e c) tem como efeito a rejeição liminar do recurso do arguído, sem que ao mesmo seja facultada a oportunidade de suprir tal deficiência; b) negar provimento aos recursos dos arguídos ALBERTO ..., ANTÓNIO ... e ABEL ..., sem prejuízo do benefício que lhes possa advir do conhecimento da matéria de facto, por parte da Relação, em relação àquelas arguídas MARIA DA CONCEIÇÃO e MARIA DA GLÓRIA.

Em obediência ao assim decidido pelo Supremo Tribunal de Justiça, esta Relação ordenou a baixa do processo à 1ª instância, a fim de aí se proceder à transcrição integral das declarações produzidas em julgamento (cfr. o despacho proferido a fls. 1418).

Uma vez efectuada, na 1ª instância, a transcrição integral das declarações produzidas em audiência de julgamento (cfr. o Apenso organizado no 2º Juízo Criminal de Vila Nova de Famalicão), o processo voltou a esta Relação para os fins ordenados no citado Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça.

Antes, porém, de se conhecer do mérito dos recursos interpostos para esta Relação pelas Arguídas MARIA DA CONCEIÇÃO e MARIA DA GLÓRIA, facultou-se a ambas, na senda do cit. Acórdão do Tribunal Constitucional de 9/7/2002 (publicado in Diário da República, I Série-A, de 7/10/2002), a oportunidade de suprirem a deficiência de que enfermavam as conclusões das primitivas motivações de recurso por elas oportunamente apresentadas, consistente na omissão da especificação - por referência aos suportes técnicos das gravações das declarações produzidas em audiência de julgamento - das provas que, segundo estas recorrentes, imporiam decisão diversa da recorrida - como exige o nº 4 do art. 412º do Código de Processo Penal, com referência à al. b) do nº 3 do mesmo preceito.

No uso de tal faculdade, a Arguída MARIA DA CONCEIÇÃO apresentou uma nova motivação, que rematou com as seguintes conclusões: 1) Dos elementos de prova colocados à disposição do Tribunal "A Quo" não é legítimo concluir, por ausência total de matéria factual, que a recorrente tivesse conhecimento da actividade do marido e do co-réu Abel assim como dos restantes.

2) Que, com o seu conhecimento, a sua residência tenha sido utilizada para guardar, embalar, posar e ou vender qualquer produto estupefaciente.

3) Que alguma vez ela tenha guardado, transportado, embalado, dividido adquirido ou vendido tal produto a quem quer que fosse, por si só ou acompanhada do seu marido a qualquer um dos indivíduos ou a quem quer que seja.

4) Do depoimento e declarações dos Agentes da PJ, demais arguidos e testemunhas resulta que ninguém conhece a recorrente, não lhe encomendaram, adquiriram ou venderam estupefacientes nem esta alguma vez foi vista a transacionar tal produto.

5) O Tribunal "A Quo" confundiu experiência comum com PRESUNÇÃO, instituto este inadmissivel no âmbito da Lei Penal.

6) O Tribunal "A Quo", ao socorrer-se de ilações baseadas em presunções, não fez mais do que procurar contornar o principio do "In Dubio Pro Reo" que aqui se considera violado; 7) O tribunal "A Quo" considerou factos como provados, quando de modo claro deveria considerá-los como não provados, como seja os encontros da recorrente com o Miranda, o Fausto ou a Maria da Glória ou ainda como a sua pseudo-deslocação a Alverca; 8) O Tribunal "A Quo", tendo unicamente como base as transcrições telefónicas, deu como provado, sem cuidar de apurar a existência da transmissão, que a recorrente transacionou com um tal Hélder, Luis, Paulo, Victor, entre outros, quando das ditas conversas nada resulta.

9) O Tribunal "A Quo", ao assim agir, premiou a ineficácia da PJ e penalizou o cidadão, sendo certo que a PJ tem e teve todos os meios para fornecer provas materiais das pseudo-transações de que a recorrente vem acusada.

10) As transcrições das conversas não são por si só prova cabal se das mesmas não resultarem elementos fácticos constitutivos do crime, não sendo legítimo recorrer-se à experiência comum para colmatar tal falta.

11) O Tribunal "A Quo", ao não aplicar o princípio "In Dubio Pro Reo", violou o artigo 32º da Constituição.

12) O Tribunal "A Quo", ao valorar como fez as transcrições telefónicas, violou o disposto no nº 1 do artigo 355º do CPP.

13) O Tribunal "A Quo" fez uma apreciação errada dos factos que o levou a que, sem qualquer suporte fáctico, a considerar provados factos que não existiram nem consubstanciaram em resultados.

14) O Tribunal "A Quo", em nítida contradição, aceita por um lado a falta de actuação consertada da recorrente e absolve-a e, por outro lado, dá como provado que esta, a mando do marido Abel, transacionava produtos estupefacientes.

15) O Tribunal "A Quo", ao condenar a recorrente em 7 anos de prisão efectiva, não levou em consideração que ela: a) É primária b) Tem dois filhos menores e estudantes c) É de condição humilde e de fracos recursos d) É a única fonte de rendimentos e subsistência, sua e do seu agregado familiar; Sendo que a finalidade última da Lei será totalmente realizada, sempre e em última instância pela suspensão da pena.

16) Termos em que, e tendo como referência os suportes magneticos, devidamente transcritos, e constituídos pelas conversas telefónicas, depoimento dos Agentes da PJ e demais co-arguidos e declarações das testemunhas (art. 412º-4 do CPP), deve o douto Acordão ora recorrido ser revogado na parte aqui impugnada com a consequente absolvição da recorrente.

Também a Arguída MARIA DA GLÓRIA, pelo seu lado, fez uso da faculdade que lhe foi concedida de suprir a apontada deficiência das conclusões da sua primitiva Motivação, tendo formulado as seguintes conclusões: "A.- O Tribunal "a quo" deu como provado que se realizaram transacções de estupefacientes baseado apenas em telefonemas, ou seja, presume o Tribunal recorrido que sempre que se combinou uma negociação, a mesma se efectivou.

B.- De facto, a restante prova que fundamenta os factos atinentes à recorrente prendem-se exclusivamente com a sua identificação como interlocutora nas conversas telefónicas que lhe são imputadas.

C.- Apesar de, numa das conversas relativas as duas eventuais transacções documentadas nos autos, se ter combinado o preço, a hora e o local de entrega da mercadoria, não foi feita a verificação desse facto, e no que tange a outra conversa nada de concreto se sabe acerca da negociação.

D.- Na definição do art.º 21º do DL 15/93 fala-se em comprar e não em encomendar como no caso vertente !!! E.- A actuação da recorrente só pode caber no âmbito dos actos de execução, ou seja na tentativa, tal como é definida pelo art.º 22º/2 b) do Cód. Penal, por ausência de prova da consumação! F.- Não nos podemos esquecer que neste comércio, tal como no legítimo (ou porventura de modo até mais acentuado) surgem muitos imponderáveis: a escassez do produto, a falta de recursos, a promiscuidade e inerência de outras situações igualmente reprováveis, corno furto, roubo...

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