Acórdão nº 0343089 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 07 de Janeiro de 2004 (caso NULL)

Data07 Janeiro 2004
ÓrgãoCourt of Appeal of Porto (Portugal)

ACORDAM NA SECÇÃO CRIMINAL (2.ª) DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO I 1. No processo de instrução n.º .../01.OTDPRT do 2.º juízo do Tribunal de Instrução Criminal do Porto foi proferida decisão instrutória de não pronúncia dos arguidos Albertino..., Manuel... e António....

  1. Os assistentes "O Lar do Comércio" e José..., inconformados, vieram interpor recurso dessa decisão, rematando a motivação apresentada com a formulação das seguintes conclusões: «7.1. O presente recurso é interposto do douto despacho proferido nos presentes autos a fls. 224. e segts., no qual a Meritíssima Juíza a quo decidiu não pronunciar os arguidos Albertino..., Manuel... e António... pelos factos constantes da acusação e, em consequência, determinou o arquivamento dos autos.

    «7.2. Entendeu a Meritíssima Juíza a quo que não existem nos autos indícios suficientes de se terem verificado os pressupostos do crime de que vinham acusados.

    «7.3. As provas são as que constam dos autos.

    «7.4. Entendem os assistentes que, com base na correcta apreciação dessas provas, se verifica que há que concluir pela existência de indícios suficientes de os arguidos terem praticado o crime previsto no artigo 30.º da Lei n.º 2/99, com referência ao artigo 180.º do Código Penal.

    «7.5. Apesar de ambos possuírem, do ponto de vista formal, a mesma dignidade constitucional, existe um primado dos direitos de personalidade sobre o direito de informação, pelo que este último não pode ser exercido com desrespeito por aquele.

    «7.6. Para além disso, o direito de informação tem que ser exercido com verdade, com isenção e com rigor.

    «7.7. A "honra" é o sentimento que cada um tem de si e a "consideração" ou "reputação" é o sentimento que os outros têm de nós.

    «7.8. A assistente "O Lar do Comércio" é uma Instituição Particular de Solidariedade Social e, como tal, deve pautar-se pelos mais altos critérios de justiça, de moral e de solidariedade.

    «7.9. Aos mesmos valores e aos mesmos critérios estão sujeitas todas as pessoas que integram os seus órgãos sociais, incluindo as que integram a sua Direcção, e, em particular, o seu Presidente.

    «7.10. A apreciação de notícias inseridas nos jornais deve ser feita a partir do ponto de vista de um leitor mediano: quer quanto ao tipo de leitura (não analítica e apressada) quer quanto a interpretação do conteúdo (a do homem de cultura média).

    «7.11. A notícia publicada no Jornal de Notícias de 27 de Novembro de 2000 é, globalmente, ofensiva da honra e consideração devidas aos assistentes. A imagem deixada no leitor é de uma Instituição e a de um seu Presidente que praticam negócios escuros e obscuros, à margem do Direito. E que, particularmente no que a este último diz respeito, a ideia que fica é a de que vende bens da Instituição por valores muito mais baixos do que os reais, prejudicando-a assim.

    «7.12. Este sentimento de quem lê a notícia agrava-se se se atentar sobretudo nos destaques.

    «7.13. Também a notícia publicada no Jornal de Notícias no dia 28 de Outubro de 2000 é globalmente ofensiva da honra e da consideração devidas aos assistentes: o sentimento deixado no leitor é o de que "O Lar do Comércio" é uma Instituição sem rei nem lei, onde impera a anarquia e os interesses pessoais do Presidente e dos "desempregados da política", onde são praticados actos ilícitos e criminosos, onde viver significa estar em situação de risco e onde a gestão praticada é uma má gestão.

    «7.14. O mesmo sentimento do leitor não é alterado quer da leitura do texto integral quer se fique pelos destaques, os quais são, em si mesmos e só por si susceptíveis de criar no leitor um sentimento de repulsa ("má gestão e crimes no Lar do Comércio - ambiente de intriga e de terror") são apenas dois exemplos do que se deixou dito.

    «7.15. Desta sorte, existem nos autos indícios suficientes de que os arguidos praticaram os crimes de que vêm acusados, os quais resultam do texto, do contexto e das expressões usadas pelos arguidos em ambas as notícias.

    «7.16. Ao dar despacho de não pronúncia a Meritíssima Juíza a quo violou as normas constantes do artigo 30.º da Lei n.º 2/99, do artigo 180.º do Código Penal e do artigo 308.º do CPP.

    7.17. Por isso, deverá ser este despacho anulado e, em vez dele, deverá ser proferido um despacho de pronúncia de todos os arguidos.

    3. Admitido o recurso, foram apresentadas respostas, pelos arguidos Albertino... e Manuel... e pelo Ministério Público, no sentido de ser mantida a decisão instrutória de não pronúncia.

  2. A Exm.ª Juiz manteve a decisão.

  3. Nesta instância, o Exm.º Procurador-Geral Adjunto, em bem fundamentado parecer, pronunciou-se, independentemente da deficiente fundamentação de facto da decisão recorrida, pelo não provimento do recurso.

  4. Cumprido o disposto no artigo 417.º, n.º 2, do Código de Processo Penal [Daqui em diante abreviadamente designado pelas iniciais CPP], não foi apresentada resposta.

  5. Colhidos os vistos vieram os autos à conferência.

    II Cumpre decidir.

  6. Compulsados os autos, resulta que: - "O Lar do Comércio", instituição particular de solidariedade social, e José..., presidente da direcção de "O Lar do Comércio", apresentaram queixa contra Manuel..., António... e Albertino... por causa, em suma, do conteúdo de uma notícia publicada no Jornal de Notícias, de 27 de Novembro de 2000, que consideram atentatória da honra e dignidade de uma e de outro, e, por isso, consubstanciar a prática pelos denunciados Manuel..., enquanto autor da notícia, Albertino..., enquanto director do jornal, e António..., enquanto fonte da notícia, de um crime de difamação através da imprensa, p. e p. pelos artigos 30.º, n.º 1, da Lei n.º 2/99, 180.º, 183.º, n.º 1, e 187.º do Código Penal [Daqui em diante abreviadamente designado pelas iniciais CP].

    - Os queixosos constituíram-se assistentes.

    - No decorrer do inquérito, os assistentes vieram ao inquérito com uma outra notícia, publicada no mesmo jornal, na edição do dia 28 de Outubro de 2000.

    - Findo o inquérito, foram notificados nos termos do artigo 285.º, n.º 1, do CPP.

    - Na sequência os assistentes deduziram acusação particular contra os arguidos Manuel..., António... e Albertino... com fundamento nas notícias publicadas no Jornal de Notícias, dos dias 27 de Novembro e 28 de Outubro de 2000, respectivamente, com os títulos "Supremo anulou venda da Quinta do Vale Formoso - Ex-dirigente de O Lar do Comércio diz que os terrenos da Arca D´Água comercializados em 1993 por 300 mil contos valiam um milhão" e "Má gestão e crime no Lar do Comércio", que consideram atentatórias da sua honra e dignidade, imputando, por isso, aos arguidos Manuel..., por ser o autor das notícias, Albertino..., por ser o director do jornal, e António..., por ser a fonte da notícia do dia 27 de Novembro, a prática de um crime de difamação cometido através da imprensa, p. e p. pelos artigos 30.º, n.º 1, da Lei n.º 2/99, 180.º, 183.º, n.º 1, e 187.º do Código Penal [Daqui em diante abreviadamente designado pelas iniciais CP].

    - Os arguidos Albertino... e Manuel... requereram a abertura da instrução, alegando, em síntese, o primeiro, que nada na acusação se diz e no inquérito nada se prova quanto a ele ter tido conhecimento dos escritos previamente à sua publicação, ambos, que os factos noticiados são verdadeiros e que existia um interesse público legítimo na sua publicação.

    - Os arguidos juntaram cópia do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, proferido no processo n.º 2471/2000, e requereram a junção ao processo do relatório do inquérito n.º 276/97 da Inspecção Geral do Ministério do Trabalho e da Solidariedade.

    - No decurso da instrução foi junto ao processo o relatório final desse processo de inquérito.

    - Realizado o debate instrutório, foi proferido o despacho de não pronúncia impugnado.

    - Nesse despacho, o Exm.º Juiz concluiu «que não há prova indiciária suficiente para submeter a julgamento os arguidos pelo crime de difamação cometido através da imprensa».

  7. Delimitado o objecto do recurso pelas conclusões que os recorrentes extraem da sua motivação (artigo 412.º, n.º 1, do CPP), cinge-se aquele à questão de saber se resultam dos autos indícios suficientes da prática pelos arguidos do crime de difamação que lhes foi imputado na acusação.

  8. No caso, a instrução, requerida pelos arguidos, visou a comprovação judicial da decisão de deduzir acusação em ordem a submeter ou não a causa a julgamento (artigos 286.º, n.º 1, e 287.º, n.º 1, alínea a), do CPP).

    Sobre o despacho de pronúncia, dispõe o artigo 308.º, n.º 1, primeira parte, do CPP, que «se, até ao encerramento da instrução, tiverem sido recolhidos indícios suficientes de se terem verificado os pressupostos de que depende a aplicação ao arguido de uma pena ou medida de segurança, o juiz, por despacho, pronuncia o arguido pelos factos respectivos; caso contrário profere despacho de não pronúncia».

    A noção de indícios suficientes - expressão que consta, também, do n.º 1 do artigo 283.º do CPP, relativamente à acusação - é dada pela própria lei, no n.º 2 do artigo 283.º do CPP. Reputam-se suficientes os indícios sempre que deles resultar uma possibilidade...

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