Acórdão nº 0345562 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 16 de Fevereiro de 2005 (caso NULL)
Data | 16 Fevereiro 2005 |
Órgão | Court of Appeal of Porto (Portugal) |
ACORDAM NA SECÇÃO CRIMINAL (2.ª) DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO I 1. No processo comum n.º .../01.6TDPRT do 2.º juízo criminal do Porto, após julgamento, perante tribunal singular, por sentença de 3 de Julho de 2003, foi decidido, no que ora releva, condenar o arguido B.........., pela prática de um crime de usurpação de funções, p. e p. pelo artigo 358.º, alínea b), do Código Penal, na pena de 8 meses de prisão, cuja execução foi suspensa, pelo período de 2 anos.
-
Inconformado, o arguido veio interpor recurso da sentença condenatória, rematando a motivação apresentada com a formulação das seguintes conclusões: «i) a sentença condenatória recorrida é corolário de um processo de formação da decisão que prescindiu materialmente do contraditório, como evidenciado pela cisão do depoimento de todas as testemunhas indicadas na fundamentação, referenciando as respostas à instância da acusação e omitindo as respostas à instância da defesa; «ii) o tribunal não explicou este singular processo de formação da convicção cujo viola todas as regras da experiência; «iii) a decisão recorrida viola o regime do artigo 127.º do CPP.
«iv) A sentença recorrida omite na fundamentação a enumeração dos factos não provados da acusação e da defesa, percebendo-se do texto da decisão que outros factos terão sido considerados pelo tribunal, embora qualificados como "sem relevância" para a decisão; «v) A deficiência da fundamentação preclude (a) a inteligência dos factos considerados e não considerados pelo Tribunal, (b) a possibilidade de reconstituição do processo de formação da decisão, e, consequentemente, (c) o próprio direito de recurso; «vi) A deficiência da fundamentação constitui nulidade da sentença, por violação do dever legal de fundamentação, consagrado no artigo 374.º, n.º 2, do CPP, interpretado com sentido e alcance conformes à Constituição; «vii) O Tribunal julgou erradamente, pelo menos, os pontos 1, 3, 5 a 7 e 12 da matéria de facto, que deveria ter declarado não provados e ou esclarecido e contextualizado; «viii) Como inconsiderou a matéria de facto articulada de 5 a 11 da contestação do arguido, orientada toda para o esclarecimento das relações de natureza pessoal e patrimonial estabelecidas entre o arguido e as testemunhas de acusação, incompatíveis com a formação de convicção de qualidade que o arguido não possuía ou com arrogo de qualidade ou identidade que nunca usurpou; «ix) Impõem alteração da matéria de facto as declarações das testemunhas (a) C.........., registado nas cassetes 3, lado A, contador 005 a 4, lado B, contador 0704, da audiência de 21 de Maio de 2003, (b) D.........., registado na cassete 1, lado A, contador 000 a lado B, contador 1650, da audiência de 27 de Maio de 2003, e (c) E.........., registado nas cassetes 1, lado B, contador 735 a 2, lado B, contador 1650, da audiência de 27 de Maio de 2003, as quais permitem surpreender quer a natureza eminentemente pessoal das relações estabelecidas entre o arguido e a testemunha C.........., quer os desenvolvimentos de natureza patrimonial vividos no quadro desse relacionamento; «x) As declarações das mesmas testemunhas, complementadas com o teor das prestadas pelo próprio arguido, registado na cassete 1, lado A, contador 005 a lado B, contador 1259, da audiência de 21 de Maio de 2003, e pela testemunha F.........., registado nas cassetes 1, lado B, contador 1260 a 2, lado A, contador 0873, da audiência de 21 de Maio de 2003, permitem esclarecer que onde o Tribunal declarou "usurpação de funções" se verificou apenas um "jogo de sedução" entre B.......... e C.........., com o arguido a ser aceite no ambiente familiar, não por ser médico, mas por ser o primeiro namorado de uma deficiente motora com 37 anos de idade; «xi) Finalmente, as declarações das testemunhas indicadas na fundamentação, permitem esclarecer que toda a medicação ministrada às vítimas foi obtida mediante receitas médicas passadas por clínicos habilitados, o que, sempre, retiraria a carga de ilicitude (mal) associada à conduta do arguido; «xii) pelo que deve ser alterada a matéria de facto e julgados inverificados os elementos típicos do crime; «Sem prescindir, «xiii) Atentos os factos provados, considerada a qualidade das testemunhas e as circunstâncias em que se movimentaram, não decorre dos autos que o arguido tenha falsificado aparência ou forjado identidade profissional ou que tenha actuado como verdadeiro profissional, por forma susceptível de induzir em erro as testemunhas; «xiv) Como não decorre que a conduta do arguido tenha possuído idoneidade para violar a integridade ou intangibilidade do sistema oficial de provimento em funções públicas ou em profissões de especial interesse público, como exigido por lei; «xv) Pelo que a sentença recorrida viola o regime do artigo 358.º, alínea b), do CP.
xvi) Impondo-se, por todas e por cada uma das conclusões enunciadas, a revogação da sentença condenatória, como é de JUSTIÇA!
3. Admitido o recurso e efectuadas as legais notificações, apresentou resposta o Ministério Público no sentido de lhe ser negado provimento.
-
Nesta instância, o Exm.º Procurador-Geral Adjunto, aderindo inteiramente àquela resposta e sem nada lhe aditar, foi de parecer de que o recurso não merece provimento.
-
Cumprido o disposto no artigo 417.º, n.º 2, do Código de Processo Penal [Daqui em diante abreviadamente designado pelas iniciais CPP], não foi apresentada resposta.
-
A relatora, em vista da amplitude do objecto do recurso, abrangendo a impugnação da decisão proferida sobre matéria de facto, determinou a devolução dos autos à 1.ª instância, a fim de serem instruídos com a transcrição integral da prova produzida em audiência, nos termos do artigo 101.º do CPP. Satisfeito, do mesmo foi dado conhecimento aos sujeitos processuais.
-
Efectuado exame preliminar, e não havendo questões a decidir em conferência, colhidos os vistos, prosseguiram os autos para audiência, que se realizou com observância do formalismo legal, como a acta documenta, mantendo-se as alegações orais no âmbito das questões postas no recurso.
II Cumpre decidir.
-
No caso, não tendo havido renúncia ao recurso em matéria de facto, este tribunal conhece de facto e de direito (artigo 428.º, n. os 1 e 2, do CPP).
São, porém, as conclusões extraídas pelos recorrentes da respectiva motivação que definem e delimitam o objecto do recurso (artigo 412.º, n.º 1, e 403.º do CPP).
De acordo com a identificação das questões que coloca à apreciação deste tribunal, a que o recorrente B.......... expressamente procedeu, na motivação, e a que as conclusões que formulou conferem conteúdo, as questões que constituem o objecto do recurso consistem em saber: - se a sentença enferma de nulidade por violação da obrigação de enumeração dos factos não provados; - se a matéria de facto relativa ao preenchimento dos elementos objectivos e subjectivo do tipo de ilícito deve ser alterada; - se o recorrente deve ser absolvido por a sentença violar o regime do artigo 358.º, alínea b), do Código Penal.
-
Vejamos, antes de...
Para continuar a ler
PEÇA SUA AVALIAÇÃO