Acórdão nº 0414655 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 20 de Outubro de 2004 (caso NULL)

Magistrado ResponsávelMARQUES SALGUEIRO
Data da Resolução20 de Outubro de 2004
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Acordam na Relação do Porto: No Tribunal Judicial da Comarca de....., o arguido B....., com os sinais dos autos, foi submetido a julgamento, em processo comum colectivo (Proc. ../..), tendo sido condenado, em cúmulo jurídico, na pena única de 14 (catorze) anos de prisão, pena resultante das condenações parcelares seguintes que lhe foram impostas: a) 9 meses de prisão por cada um dos 2 crimes de falsas declarações, p. e p. pelo artº 359º, nº 1 e 2; b) 1 ano de prisão por 1 crime de resistência e coacção a funcionário, p. e p. pelo mo 347°; c) 4 anos de prisão por 1 crime de rapto, p. e p. pelo artº 160°, n° 1, al. b); d) 6 anos e 6 meses de prisão por cada um dos dois crimes de violação, p. e p. pelo mo 164°, n° 1; e e) 3 anos e 6 meses de prisão por 1 crime de ofensa à integridade física grave, p. e p. pelo artº 144°, al. d), todos estes preceitos do C. Penal.

Pelo mesmo acórdão, o pedido de indemnização civil procedeu parcialmente, tendo o arguido sido condenado a pagar à ofendida a quantia de e 60.000,00 (sessenta mil euros), a título de indemnização pelos danos causados.

Desta decisão interpuseram recurso o Mº Pº e o arguido.

O M. Pº encenou a sua motivação com as conclusões seguintes: 1. Pela prática de dois crimes de violação, um de rapto, dois de falsas declarações aos antecedentes criminais, um de ofensas corporais graves e um de resistência e coacção sobre funcionário, foi o arguido condenado na pena unitária de 14 anos de prisão.

  1. Ao anunciar o critério quantitativo da pena por cada crime, já valorada a respectiva pena abstracta pela reincidência, apontou o Tribunal a quo para a metade, ou meio dessa penalidade.

  2. Só que em nenhum dos crimes veio a respeitar tal critério, nem mesmo na determinação da pena concreta cumulada, tendo-se ficado perto do primeiro terço.

  3. Ou seja, seguindo o critério anunciado no acórdão recorrido, a pena final seria substancialmente maior do que aquela que, de facto, foi aplicada ao arguido - 19 anos e 6 meses de prisão.

  4. Porém, face à gravidade das circunstâncias concretas que condicionam a escolha da medida da pena, todas no sentido agravante, o ficar-se pelo meio da pena abstracta é benevolência excessiva.

  5. Como refere o acórdão recorrido, as circunstâncias que determinam a fixação da pena concreta foram: A culpa, sempre traduzida em dolo directo, é intensa, sendo aqui que o arguido demonstra toda a sua personalidade - que é especialmente perigosa; O modo de execução é revelador de crueldade e concreta desadequação às regras de conduta, demonstrando alheamento pela natureza humana e pelos sentimentos da vítima; As consequências são complexas e graves: a assistente encontra-se estigmatizada, sendo notórias as sequelas de que padece; Anotam-se ainda os sentimentos manifestados na prática dos factos, bem como a sua motivação; O arguido não assumiu a prática dos factos, antes os negou, o que não releva em termos de prognose, nem demonstra ter um projecto de integração, após o cumprimento da pena; Já tem um gravoso historial de condenações pela prática de crimes idênticos.

  6. As razões de prevenção especial são fortíssimas. Há que referir que o arguido é imputável perigoso e praticou estes actos, sem que tivessem decorrido dois meses, sobre a sua libertação em liberdade condicional, por condenação por crimes idênticos, em pena próximo dos 10 anos de prisão.

  7. Os dois crimes de violação foram muito mais complexos do que a mera cópula de ambas as vezes em que sofreu cópula vaginal, teve a vítima, então virgem, que praticar no arguido, e sujeitar-se que este praticasse em si, sexo oral, tendo de uma delas sido penetrada pelo ânus.

    No que se refere ao rapto, além do murro nas costas inicial, quando pretendia fugir, foi a vítima arrastada por cerca de 910 metros, traçada pelo pescoço, num troço urbano de caminho de ferro, de noite e à chuva, com aquelas duas violações e semi-estrangulamento pelo meio.

  8. Tudo visto, a pena final deveria ser substancialmente agravada e nunca inferior a 20 anos de prisão.

    Assim, apontando como violados os artº 71° e 72° do C Penal, pede a condenação do arguido em pena unitária não inferior a 20 anos de prisão.

    // Por sua vez, o arguido concluiu assim a sua motivação: 1. Pelo douto acórdão foi dado como assente que: - "...Cerca das 23h00 do dia 14 de Novembro de 2003, saiu (o arguido) do bar....., com o firme propósito de, ainda nessa noite, encontrar e manter com mulher, independentemente da vontade dela e da força física que tivesse de usar, actos e relações sexuais completas." Para tal, "... dirigiu-se ... junto da loja "....." .... esperou que passasse alguém ..." (Pontos 4 e 5 do acórdão).

    "Cerca das 23h10m dessa noite, a assistente .... descia aquela rua (rua onde se encontrava o arguido) ..., tendo sido notada e tendo-se apercebido do arguido, o qual na altura cobria a cabeça com um lenço preto e branco." (Ponto 6 do acórdão).

    Deu-se como provado que, ".... apercebendo-se que era seguida pelo arguido, a C..... procurou retroceder..", mas terá sido impedida pelo arguido de o fazer "... que, com um murro nas costas, a atirou contra a rede de vedação das piscinas municipais.... sempre obrigando-a a olhar para a direita, pois posicionou-se ao seu lado esquerdo de forma a não ser visto pela vítima (negrito e sublinhado nosso) ....".

    Foi dado como provado que chovia, ".... a chuva que caía ...", que estava escuro, ". . . o escuro que se fazia sentir. . . ", que ". . . o local era ermo e vedado lateralmente por muros e sebes, como é próprio dos troços urbanos das linhas de caminho de ferro ...", que a vítima se encontrava em estado de terror ".... a forma como era tratada e arrastada criaram na C..... não só tenor ..." (Ponto 12 do acórdão).

  9. Decidiu-se pela condenação do arguido como autor dos crimes de rapto, previsto no art° 160°, n° 1, al. b ), de dois crimes de violação, previstos no artº 164º, n° 1, e de um crime de ofensa à integridade física grave, previsto no artº 144°, n° 1, al. d), todos do Código Penal, baseado principalmente na identificação feita pela vítima, aqui assistente, no auto de reconhecimento e nas suas declarações, em julgamento e para memória futura, em clara contradição com o que se deu como provado maxime nos pontos 9, 10 e 12 dos factos provados, onde se refere que a vítima nunca esteve em posição de ver o agressor; que estaria a chover; a hora tardia, de noite, em que se terão passado os factos; o local onde se terão passado os factos, viaduto e caminhos de ferro, que, pela experiência comum, se sabe que não possuem as condições de luminosidade mínima e alguns mesmo nenhuma, como é o caso dos presentes autos; as condições psicológicas da vítima, num estado de ansiedade, terror, choque, pânico, tudo factos que impediriam uma identificação do agressor, pelo menos uma que seja fiável e que possa ser suporte e fundamento de uma condenação justa e conforme aos princípios que norteiam o nosso e qualquer Estado de Direito e tenha em conta o estigma social e a gravidade dos crimes que estão em causa, assegurando também a legalidade democrática dando cabal cumprimento e respeitando os direitos, liberdades e garantias.

  10. A busca domiciliária nada encontrou de vestuário que correspondesse à descrição que a vítima fez do agressor, a não ser um lenço, igual a tantos outros, sem marcas, nem sinais de uso.

  11. O exame feito pelos peritos do Instituto de Medicina Legal do Porto de pesquisa de sémen na vagina e cuecas da vítima teve resultados negativos em todas as vertentes, não obstante se ter provado no ponto 15 dos factos dados como provados que o arguido ejaculou na vagina da ofendida. A zaragatoa também deu negativa, tendo o estudo de amelogenina revelado apenas células femininas, conforme consta do relatório 5. Os resultados dos exames são cientificamente incompatíveis com a ejaculação vaginal referida no ponto 15 do acórdão recorrido, havendo aqui uma contradição de provas não sanada nem sanável, dado que a vítima afirma uma coisa, os dados dos exames outra e o tribunal dá como provada a versão da ofendida contra prova pericial, científica e não contestada nem impugnada a sua veracidade e genuinidade, sendo que a prova pericial presume-se subtraída à livre apreciação do julgador que, sempre que dela divergir, deve fundamentar a divergência, conforme se lê no artº 163° do Código de Processo Penal; o que não foi feito, tendo-se desrespeitado este normativo.

  12. Deu-se como provado, no ponto 15, que o arguido ejaculou no interior da vagina da C....., assistente, portanto valorou-se preferencialmente o depoimento testemunhal da assistente, quando se sabe que a prova testemunhal é mais falível que pode haver em termos de prova, em detrimento de provas científicas que se sabe serem mais fiáveis, ainda que não isentas de erro, ao que acrescerá a tenra idade da ofendida, desrespeitando as regras constantes do Código de Processo Penal.

  13. O princípio da livre apreciação da prova estatui que o julgador, na apreciação da prova, o fará segundo as regras da experiência e sua livre convicção, mas nunca se poderá confundir com apreciação arbitrária da prova, nem com a mera impressão gerada no espírito do julgador, sendo que a livre convicção é, na expressão do Professor Figueiredo Dias, a convicção da verdade dos factos, para além de toda a dúvida razoável.

  14. Dúvida razoável que existe nos presentes autos, que se retira do acervo fáctico dado como provado e supra referido e que impõe, à luz do artº 127° do CPP e dos princípios do in dubio pro reo e da presunção de inocência, com assento constitucional, e do princípio da descoberta da verdade material, vertido no artº 340° do C. P. Penal, a absolvição do arguido, sendo que a situação inversa é desrespeitadora destes princípios e normas jurídicas.

    Sem prescindir, 9. Caso se perfilhe tese diferente, sempre se dirá que, face aos pontos 4, 15, 19 e 20 dos factos provados, a intenção foi uma só, a de se relacionar sexualmente com a vitima, até a sua libido estar satisfeita, sendo uma só...

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