Acórdão nº 0440771 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 09 de Junho de 2004 (caso NULL)
Magistrado Responsável | ANTÓNIO GAMA |
Data da Resolução | 09 de Junho de 2004 |
Emissor | Court of Appeal of Porto (Portugal) |
Acordam, em audiência, no Tribunal da Relação do Porto: Por decisão do Tribunal Judicial da Comarca de V N de Gaia o arguido foi condenado, além do mais que agora irreleva, pela prática de um crime de abuso de confiança fiscal, p. e p. pelos artºs. 107º, 105, n.º 1 e 15º, n.º 1, da Lei 15/2001 de 5.06, na pena de 200 dias de multa, à taxa diária 1,50 Euros, o que perfaz a multa global de 300 Euros, ou seja 60 145$00 (...), e na procedência do pedido de indemnização civil formulado, mais foi condenado a pagar ao Centro Regional de Segurança Social do Norte a quantia de 1 572 927$00 (7 845,73 Euros), a que acrescem os respectivos encargos legais, calculados nos termos do art. 16º do D.L. 411/91, de 17.11, à taxa legal, até efectivo e integral pagamento.
Inconformado com a condenação recorreu o arguido, rematando a pertinente motivação com as seguintes conclusões que se transcrevem: O acórdão deu como provados factos que legitimam conclusões que se extraem desses factos dados como provados e por outro lado não dá como provados outros factos que se lhes tinham que seguir logicamente.
Assim, dá-se como provada toda a factualidade que permite extrair a conclusão lógica de que o comportamento do recorrente foi a única forma de fazer face às necessidades do estabelecimento e de recuperar a crise instalada, evitando lançar no desemprego, sem as necessárias indemnizações, trabalhadores, que eram em última instância quem entregara ao recorrente as importâncias de que o mesmo foi acusado ter-se apropriado para assim cometer o crime de que vem acusado, mas a conclusão não é extraída.
Deu-se ainda como provado que os bens valiam cerca de 1/3 do valor devido à segurança social, o que teria que levar à conclusão lógica de que os montantes não existiam para que deles o recorrente fizesse a respectiva dedução e retenção, mas tal conclusão não é extraída.
Existe pois a contradição insanável prevista no art.º 410º, n.º 2 al. b) do Código Processo Penal.
O acórdão sob análise considerou não provado o facto de o recorrente, em consequência do cargo de fiel depositário, tenha sido obrigado a manter o estabelecimento a laborar, até Abril de 2001, pois só nessa data os bens penhorados foram vendidos e entregues.
Compulsada a decisão detecta-se que a mesma dá como impossível de provar que o recorrente em consequência do cargo de fiel depositário, tenha sido obrigado a manter o estabelecimento a laborar até Abril de 2001, em virtude de só nessa data os bens penhorados terem sido vendidos e entregues. E, continua o acórdão na sua explanação da motivação da decisão de facto, porque verificada a impossibilidade de assumir as obrigações inerentes ao cargo para o qual foi nomeado, sempre o arguido poderia solicitar a sua escusa - é esta a motivação escolhida.
Ora qualquer observador médio sabe que a nomeação para o cargo em processos desta natureza é imposto pelo funcionário que procede à penhora, que não explica, na maioria das vezes o que tal investidura significa, não explicando sequer a investidura no cargo pelo facto de se assinarem os papeis que o funcionário redige e depois entrega, sendo a escusa um processo votado a maioria das vezes ao fracasso ou ao silêncio, dado que só é concedida escusa caso se indique novo fiel depositário.
É facto conhecido por todos que as pessoas investidas no cargo de fiel depositário, de forma imposta pelo funcionário, nessa função permanecem até que as finanças decidam vender os bens e pôr termo a um cargo com tais responsabilidades.
Verificou-se pois erro notório na apreciação da prova, previsto no art.º 410º, n.º 2 al. c.) do Código Processo Penal.
Acresce que no caso em apreço verificou-se que o recorrente ao não entregar as contribuições à segurança social empenhando-se em manter o estabelecimento a laborar, logrou manter os postos de trabalho, com o pagamento dos respectivos salários, com mais ou menos dificuldades, mas pagando sempre, pagar aos trabalhadores com quem negociou a cessação dos contratos de trabalho as indemnizações devidas. Assegurou pois o cumprimento do direito ao trabalho e do direito de quem trabalha ver ser compensada a sua disponibilidade pelo pagamento da respectiva contrapartida que é o salário. De salientar neste capítulo que as contribuições devidas o foram apenas nos anos de 1994 a Fevereiro de 1998. Ou seja, após ter reduzido o número de postos de trabalho, o recorrente pagou as contribuições devidas, porque o estabelecimento atingiu as condições de recuperação da viabilidade económico-financeira que o recorrente perseguiu desde 1994 a inícios de 1998. E a empresa só não recuperou totalmente porque não foi possível a viabilidade plena, que é quando o valor do activo é superior ao do passivo, o que não era manifestamente o caso. Um desafio - tivesse o recorrente meios financeiros, e tudo o que lhe bastava era fazer como fizeram e fazem milhares de empresas neste país - recorrem ao processo especial de recuperação de empresa e negoceiam a redução de créditos, o perdão total de juros, etc., tudo à custa dos credores e dos trabalhadores. Porque assim não agiu o único credor sacrificado foi o sector público estatal. E mal conseguiu que esse credor, através do organismo competente que é a repartição de fianças da sede da empresa, usasse a garantia do seu crédito, que era a penhora sobre todos os bens que compunham o seu estabelecimento, e procedesse à venda para através do seu produto se fizesse pagar do seu crédito, o recorrente cessou a sua actividade.
É forçoso assim concluir-se que o agente em concreto - o recorrente - com os seus conhecimentos de gestão de empresa básicos e não colhidos em qualquer curso ou formação adequada como hoje em dia é hábito, agiu como gestor diligente, logrando obter a recuperação da empresa, com sacrifício de um único credor que foi o Estado, que era o único com garantia sobre o crédito, que era a penhora sobre os bens. Quem não agiu com a diligência devida foi esse credor, ao dilatar no tempo - sete anos - a execução da sua garantia.
Os factos praticados pelo recorrente estão pois justificados nos termos dos artºs 34º e 35º do Código Penal.
Por outro lado, o recorrente encontrava-se entre o dever legal de entregar as contribuições para a segurança social e o dever de zelar e conservar os bens de que fora investido na qualidade de fiel depositário pelo credor Estado, além do dever, esse funcional, de manter a actividade laboral, procedendo aos pagamentos a que estava obrigado. Existiam pois em conflito dois deveres legais e um funcional, sendo que o conflito era entre um dever legal e um legal e funcional.
É que além do mais enquanto depositário dos bens penhorados, era dever legal do recorrente pagar a renda ao senhorio, dado que é entendimento pacífico de que, penhorado o direito ao arrendamento e...
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