Acórdão nº 0544312 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 22 de Março de 2006

Magistrado ResponsávelANTÓNIO GAMA
Data da Resolução22 de Março de 2006
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Acordam, em audiência, no Tribunal da Relação do Porto: O Tribunal Judicial da Comarca de Matosinhos condenou a arguida B….., pela prática, em co-autoria, do crime de falsificação de documento p. e p. pelos artºs. 255º e 256º, nº1, als. a) e c), e nº.3, do Código Penal, na pena de 400 dias de multa à taxa diária de 5 Euros, e o arguido C…., pela prática, em co-autoria, do crime de falsificação de documento p. e p. pelos artºs. 255º e 256º, nº1, als. a) e c), e nº.3, do CP, na pena de 7 (sete) meses de prisão, que suspendeu na sua execução pelo período de 2 anos, sob a condição de entregar, 30 dias após trânsito em julgado, o montante de 2000 Euros à "Obra do Padre Grilo".

Inconformado com a condenação o arguido C…… interpôs o presente recurso rematando a pertinente motivação com as seguintes conclusões: O recorrente pretende a subida de "todos" os recursos interlocutórios que se encontram retidos em função do respectivo regime de subida, dado manter interesse na sua apreciação.

  1. A competência em matéria penal relativo ao arguido que foi Magistrado do Ministério Público constitui uma garantia funcional, que o acompanha enquanto o mesmo detiver essa qualidade e estiver na titularidade dos seus direitos e deveres de função.

  2. O critério de determinação dessa competência (foro especial) deve ser aferido em função dessa condição de magistrado e não em virtude do momento em que ocorreram os factos em causa.

  3. Ou seja, se os fundamentos do regime sobre a competência material penal relativamente a Magistrados se radicam na qualidade funcional, sendo essa competência estabelecida para defesa e prestigio da função, o critério de competência não deriva nem é determinado pela prática dos factos que esteja em causa, nomeadamente das circunstâncias de tempo, mas apenas da qualidade que o seu autor detenha no momento em que se iniciem ou prossigam actos processuais próprios determinados pela ocorrência de tais factos o critério de determinação da competência não é, assim, como em geral, o da ocorrência dos factos, mas aquele que deriva da natureza de referência que é a condição funcional (a qualidade de magistrado) no momento processualmente relevante.

  4. Por isso se um Magistrado deixa de exercer funções, ou passar a situação que lhe suspenda a qualidade e seja incompatível com o exercício de funções (como, v.g. a aposentação como medida disciplinar, pendente de recurso ( ... ) - acórdão de fixação de Jurisprudência n.º 2/2002 de 19/2/2003 no D.R. I Série A - de 23 de Abril de 2003 - cessa a competência em matéria penal determinada pela qualidade do arguido, retomando-se a aplicação dos critérios materiais gerais de determinação da competência, mesmo relativamente a factos praticados quando ou enquanto magistrado.

  5. Assim, se em 21.09.2001, foi deduzida a acusação contra o arguido, acusação essa deduzida na P.G.R., Relação do Porto, dado o arguido ser Magistrado do Ministério Público, e contudo, à data da formulação da acusação tinha já o Conselho Superior do Ministério Público, aplicado ao arguido a pena de demissão, decisão confirmada pelo Plenário do Conselho, respectivamente em 15 de Junho de 2000 e 13 de Dezembro de 2000, ora no momento em que foi proferida a acusação e a realização de determinados actos jurisdicionais (v. g. Declarações para memória futura e o levantamento do segredo bancário) o arguido encontrava-se definitivamente demitido da Magistratura.

  6. E em consequência, deste modo a partir de 15 de Junho de 2000 não foram respeitadas no processo as disposições relativas à competência.

  7. E sendo assim houve clara violação das regras de competência do tribunal constituindo uma nulidade insanável - art.º 119º al. e) do CPP, pretendendo a lei, com a natureza das consequências, garantir a integridade do respeito pelo principio do juiz legal ou natural (o tribunal pré- constituído por lei), impedindo a manipulação da competência.

  8. Face a este regime, verifica-se que no processo e até ser deduzida a acusação - 21.9.2001 - foram afectadas as regras relativas à competência do tribunal no que respeita a actos jurisdicionais v.g., decisão sobre o requerimento para o levantamento do sigilo bancário, declarações para memória futura - e ao próprio acto de recebimento da acusação.

    E, nesta parte tais actos serão nulos por falta de competência - art.º 119º al. e) do CPP.

    Está suficientemente indiciado nos autos que a apreensão do veículo apreendido se encontrava numa garagem e que a busca não foi ordenada ou autorizada pelo juiz nos termos do art.º 177º n.1 do CPP.

    Como se sabe a disciplina das revistas e buscas estão sujeitas, em princípio, a prévio despacho da autoridade judiciária, que as autorize ou ordena.

    A especificidade do caso dos autos, uma garagem, apesar de ser um espaço fisicamente descontínuo em relação à zona de habitação e de a ele terem acesso não só o próprio arguido, como os demais condóminos ou eventuais arrendatários, comodatários, etc.., tal espaço deve ser equiparado a uma dependência fechada de casa habitada, sujeito, como tal, à inviolabilidade a este inerente.

    Na sua perspectiva, o legislador processual penal terá querido assegurar às dependências fechadas a mesma protecção dispensando à habitação, no regime das buscas, e uma garagem fechada, mesmo que colectiva, configura uma dependência desse tipo, assim devendo ser considerado para os efeitos do n.º1 do art.º 177º.

    Como se pode ler, no Ac., do S.T.J. - Secção criminal, de 7.6.2000, no Proc., n.º 191/2000, as garagens são espaços afectados de modo privado àqueles legítimos utentes e não a quaisquer outras pessoas.

  9. Normalmente esses espaços, inclusivamente a garagem do prédio, tem portas destinadas à segurança e salvaguarda do uso por aqueles utentes, de modo a permitir o acesso a estes e a vedá-lo a quem não tiver acesso lícito. É este o bem jurídico que se pretende salvaguardar com os art.º p. ex.,176º, 190º, 204º al. a) e f) todos do CP.

    Deve entender-se assim, que a melhor interpretação concedida pelo art.º 177º., n.º 1 do CPP., é no sentido de a busca em casa habitada ou numa dependência fechada só pode ser ordenada ou autorizada pelo juiz, sob pena de nulidade, de modo a se considerar como dependência fechada, para os efeitos deste artigo, a garagem colectiva do prédio constituído em propriedade horizontal, de modo que a interpretação contrária era violadora da constituição, nomeadamente no art.º 34º.

    Tais provas, obtidas sem a observância deste mecanismo ou são abusivas ou restringem os direitos, liberdades e garantias de forma inadmissível e, portanto, também são possibilidades.

    E, socorrendo-se o juiz de prova proibida nos termos dos artsº., 118º n.º3 e 126 do CPP, estamos perante uma nulidade insanável e de conhecimento oficioso até à decisão final.

    Exigem os artigos 379º n.º1 al. a) e 374º nº2, ambos do Código de Processo Penal que a sentença faça menção aos factos não provados, sob pena de nulidade.

    Não cumprindo esse requisito, tal deficiência técnica impede, além do mais, que o Tribunal superior (no caso o Tribunal da Relação) leve a avante a tarefa preambular e inultrapassável de todo o julgamento de direito que a lei lhe compete: a indagação oficiosa dos vícios da matéria de facto, tal como se lhe impõe expressamente os arts 410º nº2 e 434º, do mesmo diploma adjectivo, nomeadamente, a necessária constatação de ter sido ou não esgotado o objecto do processo traçado pela acusação e pela defesa, circunstância que, a ter resposta negativa, implica a atribuição àquele do vício de insuficiência, previsto no citado art.º 410º., nº2 do mesmo código.

    Tal conclusão é inevitável, sobretudo se foram ou não objecto de indagação pelo tribunal a quo, apesar de claramente abrangidos pelo objecto do processo (aqui no tocante ás condições pessoais do arguido e sua situação sócio - económica e profissional, tal como postulado pelo art.º 71.º, n. 2 , al. d) do CP).

    A sentença é pois nula por violação do art.º 374.n. 2 do C.P.P., dado que da sentença, falta, a enumeração dos factos "não provados" tornando nula a sentença, pois tal omissão, inutiliza outras tarefas processuais ultrapassáveis, como é o caso da indagação dos vícios da matéria de facto a que alude o art.º 410º, nº2 do CPP., mormente o da insuficiência.

    O Mº. Juiz integrou no elenco da matéria dada como provada e no seu rol das convicções os depoimentos para memória futura nos termos do art.º 271º, do CPP e constantes das cartas rogatórias de fls. 1004,1015 e 1020 dos autos.

    Contudo tais depoimentos para memória futura não podem ser levados em conta para alicerçar a convicção do Mº. Juiz, dado que tal prova antecipadamente produzida no âmbito do inquérito não foi sujeita ao princípio do contraditório (art.º 271º nº2 e 3 do Cód. Proc. Penal e art.º 32 nº5 do C.R.P.) e por outro lado, tal prova não pode ser atendida, dado que não se procedeu à sua leitura na audiência discussão e julgamento (art.º 355º., e 356º., do CPP.), acarretando assim a nulidade da sentença agora objecto de recurso, pelas razões a seguir aduzidas.

    O procedimento da produção de declarações para memória futura configura-se como uma antecipação da audiência, nomeadamente pela garantia da direcção de um juiz e do contraditório. A finalidade é conseguida pela posterior utilização na audiência de prova produzida antecipadamente. Assim, o dia, a hora e o local da prestação do depoimento para memória futura, tenha que ser comunicado ao M.P., ao arguido, ao defensor e aos advogados do assistente e das partes civis, para que possam estar presentes se o desejarem (nº2 do art.º 271º., do C.P.P.) podendo as pessoas referidas no nº1 do citado art.º 271º solicitar ao juiz a formulação de perguntas adicionais.

    Ora acontece, que o arguido não foi notificado do dia, hora e o local da prestação de tais depoimentos.

    Ora, neste preciso aspecto, foi claramente violado o princípio do contraditório consagrado no art.º 32º do C.R.P.

    É que num processo de estrutura acusatória integrado pelo princípio da investigação, como é o...

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