Acórdão nº 0544461 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 28 de Junho de 2006 (caso NULL)

Magistrado ResponsávelANTÓNIO GAMA
Data da Resolução28 de Junho de 2006
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Acordam, em audiência, no Tribunal da Relação do Porto: Por decisão do Tribunal Judicial da Comarca da Maia foi o arguido, B………. declarado inimputável para o crime de que vinha acusado, com a sua consequente absolvição.

Inconformado com a decisão o assistente C………. interpôs o presente recurso rematando a pertinente motivação com as seguintes conclusões:1ºA decisão contida no douto Acórdão em crise de não aplicar o previsto no art. 91º, n.º 1 do Código Penal, aderindo às conclusões dos exames periciais, revela uma incorrecta interpretação do art. 163º do Código de Processo Penal e uma violação daquele preceito, bem como do constante no art. 40º, n.º 3 do Código Penal, devendo, deste modo, ser revogada.

  1. Foi a incorrecta interpretação e aplicação do disposto no art. 163º do Código de Processo Penal que originou que o Tribunal Colectivo levasse à enumeração dos factos provados questões de direito como a inimputabilidade do arguido (facto 24) e conclusões como as constantes dos factos 25 e 26 do douto Acórdão Recorrido, quanto à perigosidade do arguido e à terapêutica psiquiátrica adequada.

  2. Ora, "a fundamentação de uma sentença, na parte da enumeração dos factos escritos e não provados, apenas pode conter factos; não juízos de valor ou conceitos, que são matéria de direito" (cfr. Ac. do STJ de 6.05.1999, proc. n.º 325/99-3ª, SASTJ, n.º 31, p. 79).

  3. Razão pela qual, devem ser dados como não escritos aqueles juízos de valor constantes dos factos 24 a 26 do douto Acórdão recorrido.

  4. A decisão do Tribunal Colectivo sustentou-se nas conclusões dos peritos de que "quanto à perigosidade, esta está dependente do cumprimento das medidas terapêuticas adequadas (o arguido encontra-se sob tratamento compulsivo desde Abril de 2003)" e de que "uma terapêutica psiquiátrica adequada, como tem efectuado desde 2003 (tratamento compulsivo) poderá permitir uma melhor estabilização do quadro clínico que apresenta",6ºsem atender a outros elementos de facto provados por documentos constantes dos autos susceptíveis de valoração (art. 355º e art. 356º, n.º 1, alínea b) do Código de Processo Penal) que obrigam a uma conclusão divergente a dos peritos, não representando tal um desrespeito do disposto no art. 163º do Código de Processo Penal, sobre a valoração da prova pericial, uma vez que quanto à perigosidade do arguido de que depende a aplicação da medida de segurança prevista no art. 91º do Código Penal, o Tribunal colectivo tem o poder de livre apreciação, cfr. Ac. do STJ de 25.10.1995 in CJ, 1995, 3, p. 211.

  5. De facto, perante a declaração do arguido citado pelo próprio Tribunal Colectivo para fundamentar a sua convicção de que "Quando não tomo medicamentos, começo a variar", perante o facto provado de que o arguido já fugiu a um internamento, já se recusou a ser seguido em consulta (factos 19 e 22) e face às características da doença geradora da anomalia psíquica que motivou a declaração de inimputabilidade do arguido, existem motivos, de sobejo, para concluir de modo divergente da conclusão dos peritos.

  6. Sendo que estes não concluem que a terapêutica psiquiátrica adequada como tem efectuado desde 2003 permite uma melhor estabilização do quadro clínico do arguido, concluem sim que poderá permitir essa estabilização, o que revela um juízo técnico-científico não livre de dúvidas.

  7. Pelo que, mesmo considerando que a perigosidade do arguido e aplicação da medida de segurança está sujeita à prova pericial e por isso subtraída da livre apreciação do juiz - o que por mera hipótese de patrocínio se concebe sem se conceder - tendo resultado da perícia um juízo incerto, a decisão sobre esta questão ficou a cargo do Tribunal, de acordo com a posição adoptada pelo Supremo Tribunal de Justiça no Acórdão de 5.11.1998 in CJ STJ, 1998, 3, p. 210 e ss.

  8. Assim, a decisão de não sujeição do arguido a um internamento não assegura sequer a finalidade preventivo-especial da medida de segurança e muito menos a finalidade de prevenção geral que a mesma visa, de forma autónoma, (Carlota Pizarro de Almeida, ob cit. p. 35).

  9. Pois, "se a aplicação da medida de segurança se liga não apenas à perigosidade, mas sempre ainda à prática de um facto ilícito-típico, então isso só pode acontecer porque também ela participa da função de protecção de bens jurídicos e de consequente tutela das expectativas comunitárias", conforme conclui Figueiredo Dias, citado por Maria João Antunes, Medida de Segurança de Internamento e Facto Inimputável em Razão de Anomalia Psíquica, Coimbra Editora, p. 185.

  10. Ora, dos autos constam factos demonstrativos do fundado receio de que o arguido venha a cometer outros factos da mesma espécie: - Consta dos autos a fls. 14 que contra ao arguido já foram instaurados vários processos que datam desde 1972 a 1999, relativos a crimes como burla (2 processos), cheques sem provisão (2 processos), tentativa de extorsão, corrupção, ofensas corporais, injúrias e ameaças a elemento da PSP, ou seja, para além do presente processo pela prática do crime de extorsão, na forma tentada, há notícia da prática de um crime de natureza idêntica; - Consta ainda dos autos a fls. 31 e 32 e facto 7), que o arguido é titular de licença, proprietário e possuidor de, pelo menos, três armas, estando somente duas destas apreendidas (fls. 70 e 71) não tendo sido possível localizar a outra (cfr. fls. 76 e 77); - também consta dos autos, a fls. 41, que, em 06.12.1999, já posteriormente à data dos factos dos autos em 11.10.1999, o Arguido foi detido em flagrante delito por alegado crime de extorsão e que ao abrigo do processo instaurado (NUIPC …./99.1JDLSB da ..ª secção / VC do DIAP) foi-lhe apreendida uma pistola de calibre 6,35 m/m e - constando ainda que para comparecer no dia do julgamento dos presentes autos, teve que ser usada força física, sendo que, nas palavras da sua esposa, o arguido se recusa constantemente à justiça (cfr. certidão de mandato de detenção de fls. 561).

  11. Deste modo, pela natureza dos crimes de que há notícia que o arguido tenha praticado, bem como do crime aqui em causa, de extorsão e pelo facto de ainda estar em sua posse, pelo menos uma arma de fogo, é de concluir que o mesmo poderá vir a lesar não só património (burla) de outros, como a vida e/ou a integridade física de outras pessoas (ofensas corporais e extorsão), revelando-se, por isso, proporcional (art. 40º, n.º 3 do Código Penal, art. 18º, n.º 2 e 30º da Constituição da República Portuguesa) e sem respeito dos direitos constitucionais que assistem ao doente mental, a privação da liberdade do arguido, mediante a sujeição do mesmo ao internamento.

  12. A aplicação desta medida de segurança impõe-se não só em nome da prevenção geral, da defesa social, mas também em nome da finalidade preventivo-especial da mesma, pois, conforme já foi demonstrado, a recusa do arguido ao tratamento ambulatório compulsivo ou até mesmo a fuga a este revelam-se como uma realidade de grande probabilidade, impedindo o fim de tratamento do arguido inimputável em razão de anomalia psíquica.

  13. Em suma, a decisão de não aplicação do art. 91º do Código Penal ao caso dos autos, fundamentada pelo facto de os peritos terem considerado que a perigosidade do arguido está dependente do cumprimento das medidas terapêuticas adequadas e que a que o mesmo vem seguido desde 2003 é adequada e suficiente a permitir uma estabilização do quadro clínico que apresenta, viola o previsto no mencionado preceito legal, interpretado no sentido de que o mesmo visa não só uma finalidade preventivo-especial, mas também a prevenção geral positiva, sendo, de qualquer modo, que nenhuma das duas é assegurada pela decisão em crise.

  14. Ora, estando em causa um crime contra as pessoas, com uma moldura penal de 3 a 15 anos (art. 223º, n.º 1 e n.º 3, alínea a) e art. 204º, n.º 2 alínea a) do Código Penal), praticado na forma tentada (art. 22º e 23º do mesmo diploma legal), sendo por isso atenuado o limite máximo de 1/3, para 10 anos, e o limite mínimo a 1/5, para 7,2 meses (art. 73º, n.º 1, alíneas a) e b) do citado diploma), deve o internamento, nos termos do art. 91º, n.º 2 do Código Penal, ter uma duração mínima de 3 anos,17ºsendo que o internamento pode cessar antes de decorrido o prazo, caso a libertação seja compatível com a defesa da ordem jurídica e da paz social, por força do preceituado na parte final do n.º 2 do art. 91º do Código Penal, ficando salvaguardados os direitos do arguido inimputável.

  15. No tocante aos objectos apreendidos à ordem dos presentes autos, o Tribunal Colectivo deixou de se pronunciar sobre o destino dos mesmos, limitando-se a ordenar a notificação do arguido para provar ser detentor de autorização legal para a detenção da arma e munições apreendidas, o que configura uma omissão de pronúncia sobre uma questão que deveria apreciar (art. 374º, n.º 3, alínea c) do Código de Processo Penal), devendo, consequentemente, ser declarado nulo o Douto Acórdão Recorrido, nos termos do art. 379º, n.º 1, alínea c) do Código de Processo Penal.

  16. Para além disso, o douto Acórdão recorrido violou ainda o preceituado no art. 109º do Código Penal, uma vez que se verificavam, no caso dos autos, todos os requisitos de que dependem a declaração da perda da arma e das munições a favor do Estado.

  17. O Tribunal Colectivo concluiu pela prática pelo arguido do crime de extorsão na forma tentada, na vertente objectiva, verificando-se, por isso, aqui, o primeiro dos requisitos...

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