Acórdão nº 0545889 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 15 de Fevereiro de 2006 (caso NULL)
Magistrado Responsável | JORGE JACOB |
Data da Resolução | 15 de Fevereiro de 2006 |
Emissor | Court of Appeal of Porto (Portugal) |
Acordam em audiência no Tribunal da Relação do Porto: Por acórdão do Tribunal de Círculo de Vila Nova de Famalicão proferido nos autos de Processo Comum nº ..../99.2ZRPRT, foi a arguida e ora recorrente, B......., absolvida de um crime de associação criminosa, p. p. pelo art. 299º, nºs 1 e 3, do Código Penal e condenada pela co-autoria de um crime de auxílio à imigração ilegal, p. p. pelo art. 134º-A do DL nº 244/98, na pena de 3 anos de prisão, e pela co-autoria de um crime de lenocínio na forma continuada, p. p. pelos arts. 30º, nº 2 e 170º, nº 1, do Código Penal, na pena de 4 anos de prisão, vindo a ser-lhe imposta, em cúmulo jurídico, a pena única de 5 anos e 6 meses de prisão.
Inconformada, a arguida interpôs recurso, retirando, da respectiva motivação, as seguintes conclusões: 1. A Recorrente considera que foram erradamente julgados os factos constantes dos nºs 2 e 34 da matéria de facto provada, na parte em que neles se menciona a data de 13 de Janeiro de 2002, que deve ser alterada para 13 de Dezembro de 2002.
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A alteração propugnada impõe-se, além do mais, pela consideração das seguintes provas: - doc. de fls. 441; - doc. de fls. 1856; - doc. de fls 440; - doc. de fls. 419; - doc. de fis 1862, e ainda pela necessidade de harmonizar, mesmo do ponto de vista lógico, os factos 31 e 34 e de corrigir a incongruência existente entre ambos, resultante de implicarem, tal como constam da sentença, que em Janeiro de 2002 foram utilizados passaportes que apenas viriam a ser emitidos onze meses depois (em Dezembro de 2002).
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Quando não se considere que a data constante dos referidos factos provados resulta de simples erro material, estaremos perante um erro notório na apreciação da prova, que preenche os requisitos da al. c) do nº 2 do arto 410º.
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A Recorrente foi condenada na pena de três anos de prisão, como autora material de um crime de auxílio à imigração p. e p. pelo art. 134º-A, nº 2, do DL 244/98, de 8 de Agosto, na redacção resultante do DL 34/2003, de 25 de Fevereiro.
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Os factos provados, todavia, não preenchem a factualidade típica desse crime e não são, por isso, subsumiveis à respectiva previsão normativa.
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Em primeiro lugar, porque a alteração introduzida no DL 244/98 pelo DL 34/2003 relativa ao auxílio à permanência ilegal de estrangeiros em território nacional não respeitou a lei de autorização nº 22/2002, de 21 de Agosto, cuja alínea o) do artº 2º, não tinha o sentido nem a extensão de autorizar o Governo a incriminar esse tipo de actos.
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Daqui resulta que o nº 2 do artº 134º-A do DL 244/98, de 8 de Agosto, na redacção resultante do DL 34/2003, de 25 de Fevereiro, está ferido de inconstitucionalidade orgânica por ofensa do disposto na al. c) do nº 1 do artº 165º CRP.
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Caso se entenda que a incriminação inovadora do auxílio à permanência ilegal está coberta pela fórmula não taxativa da citada alínea o), interpretada como apenas exemplificativa da criação de novos tipos criminais, nem por isso ela deixa de ofender a reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República, uma vez que, assim interpretada, a norma da al. o) do art. 2º da lei nº 22/2002, de 21 de Agosto, não respeita a exigência de definir com rigor o sentido da autorização concedida ao Governo e será ela própria inconstitucional, por violação do comando contido no nº 2 do art. 165º CRP, lnconstitucionalidade que fica também alegada.
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Nesta perspectiva nem sequer importa averiguar se os factos praticados pela recorrente são enquadráveis nessa forma peculiar do crime de auxílio à imigração clandestina (auxilio à permanência ilegal).
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Em segundo lugar, porque não constituindo esses factos auxílio à imigração clandestina na forma de auxilio ao trânsito ilegal de estrangeiros, também não integram a hipótese restante, de auxilio à entrada ilegal em território nacional.
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uma vez que não sendo, como não são, enquadráis na violação dos arts 9º, 10º, 12º e 25º, para onde remete o nº 1 do artº 136º do DL 144/98, 12. também não preenchem qualquer forma de violação do art. 13º, invocado no mesmo art. 136º.
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Todas as cidadãs identificados nos factos provados e em relação às quais se coloca a questão da eventual comissão pela recorrente do crime de auxílio à imigração ilegal são brasileiras e ingressaram em território nacional após 13 de Dezembro de 2002; portanto, depois da aprovação e entrada em vigor do Tratado de Amizade, Cooperação e Consulta entre a República Portuguesa e a República Federativa do Brasil (Resolução da Assembleia da República nº 83/2000, de 14 de Dezembro), de cujo artigo 7º, nº 1, resulta que as mesmas cidadãs não necessitavam de qualquer visto para entrar em Portugal, estando abrangidos pela excepção da al. b) do nº 3 do art. 13º citado.
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Dai que, em relação a elas, jamais se possa colocar a hipótese do crime de auxílio à imigração ilegal, na modalidade de entrada ilegal.
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A interpretação adoptada pelo douto acórdão impugnado, que considera crime o auxílio à entrada em Portugal de cidadãs brasileiras, sem visto e com o propósito de exercerem a prostituição, implica a extensão analógica das disposições contidas nos arts. 13º, nºs 1 e 2, al. b), 134º-A, nºs 1 e 2, e 136º, nºs 1 e 2, do DL 244/98, de 8 de Agosto, na redacção resultante do DL 34/2003, de 25 de Fevereiro, sendo essa interpretação, por isso e porque ofende o nº 1 do artº 29º da CRP, inconstitucional.
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Sem prejuízo do exposto, sempre seria certo que a pena de três anos de prisão aplicada à Recorrente como autora material do crime do artº 134º-A, nº 2, do DL 244/98, fixada em três quartos do respectivo limite máximo, é excessiva, tendo em conta as circunstâncias do caso, em especial a confissão da arguida.
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Pelo que foram ofendidos os critérios definidos pelo artº 71º do Código Penal, 18. devendo fixar-se a dita pena, na hipótese agora pressuposta - mas não aceite - de condenação, em não mais de um ano de prisão.
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A Recorrente foi ainda condenada como autora material de um crime continuado de lenocínio simples, p. e p. pelos arts. 30º, nº 2, e 170º do Código Penal, na pena de quatro anos de prisão.
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Ora, o art. 170º, nº 1, do Código Penal, com a redacção da Lei nº 65/98, de 2 de Setembro, está ferido de inconstitucionalidade material, por ofensa do nº 2 do art. 18º da CRP, que fica alegada e deve, declarar-se, pelo que se não justifica a condenação da Arguida por esse tipo de crime.
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Ainda, porém que assim se não entenda, sempre seria certo que a recorrente estava acusada e pronunciada por actos de exploração da prostituição (lenocínio), nos bares P........ e Q2........, desde o início de 1995 até 4 de Dezembro de 2003.
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E foi condenada pela prática desse tipo de actos praticados durante o referido período, tendo, aliás, o Tribunal declarado perdidos a favor do Estado todos os bens adquiridos por ela desde 1995, porque provenientes do produto do crime de lenocinio.
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Nos termos da acusação/pronúncia e de acordo com a matéria de facto provada, não existe nenhum hiato na sequência temporal dos factos criminosos (ocorreram, sem nenhuma interrupção, entre 1995 e 2003) e a sua prática resulta duma única resolução criminosa.
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Ora, esses factos relativos ao lenocínio que constituem objecto do presente processo estão numa relação de continuação criminosa com os que determinaram as suas anteriores condenações nos processos nº 1000/98.4.5BBCL e nº 239/01.1TBVNF, ou preenchem com eles a execução continuada de um só crime pelo que, sob pena da violação do principio non bis in idem consagrado no nº 5 do art. 29º da CRP, a recorrente não pode ser condenada, neste processo, pelo crime de lenocínio.
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Com o sentido que fica exposto, foi, assim, violado o caso julgado anterior e, portanto, o disposto nos arts 288º, nº 1, al. e), 494º, nº 1, al. i), e 495º, CPC, aplicáveis por força do que determina o artº 4º CPP.
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Na hipótese de vir a entender-se que a condenação da Recorrente pelo crime de lenocínio apenas abrange factos posteriores a Dezembro de 2002, ficara então, e em todo o caso, sem sustentação a declaração de perda a favor do Estado dos bens por ela adquiridos antes dessa data, que teria assim, de ser revogada, sob pena de violação do disposto nos art.s 109º e 111º CP.
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Por último e figurando, sem consentir, a hipótese de condenação da recorrente pelo crime de lenocínio, sempre se dirá que a pena de quatro anos de prisão que lhe foi aplicada é excessiva.
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Em primeiro lugar, por força da própria natureza continuada dos factos praticados pela arguida, num contexto (existência duma estrutura empresarial cujo funcionamento as autoridades policiais permitiram que se mantivesse até 4 de Dezembro de 2003) que permitiu e facilitou a continuação criminosa e, portanto, diminui consideravelmente a sua culpa.
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Depois, porque a Recorrente não é responsável pela opção das mulheres pela via da prostituição, que elas praticaram livremente, sem nenhuma coacção ou sequer aliciamento da sua parte.
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Ainda porque não é despicienda a consideração de que as prostituas foram sempre tratadas com respeito pela arguida, como a douta sentença reconhece a fls. 89, quando afirma que "favorece os arguidos o tratamento menos constrangedor de que as vítimas, apesar de tudo, beneficiavam no referido estabelecimento".
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Por último, por força da confissão da arguida, do seu arrependimento e da excelente perspectiva da sua reinserção social - cfr., por exemplo, os factos 201 a 212.
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Assim sendo, não deveria nunca a recorrente ser condenada - se houvesse fundamento para tal, mas não há - em pena superior a dois anos de prisão pela prática do crime de lenocínio.
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pena essa cuja execução deverá ser suspensa, nos termos do art. 50º do CP, mesmo na hipótese - também rejeitada, pelas razões aduzidas - de vir a efectuar-se o cúmulo jurídico com a pena correspondente ao crime de auxílio à imigração ilegal, cúmulo esse de que não pode resultar pena superior a três anos de prisão.
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Ao decidir de modo diverso, sempre teria o Tribunal a quo ofendido as prescrições...
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