Acórdão nº 0546563 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 24 de Maio de 2006
Magistrado Responsável | CUSTÓDIO SILVA |
Data da Resolução | 24 de Maio de 2006 |
Emissor | Court of Appeal of Porto (Portugal) |
Acórdão elaborado no processo n.º 6.563/05 (4ª Secção de Tribunal da Relação do Porto )**Relatório Na sentença de 8 de Agosto de 2.0045, consta do dispositivo o seguinte: "Julgo totalmente procedente por provado o pedido de indemnização civil deduzido pelos assistentes/demandantes civis e, em consequência, condeno a demandada, B……, S. A., a pagar aos demandantes (C…… e D…… ) a quantia total de € 93.850 ( noventa e três mil, oitocentos e cinquenta euros ), acrescida de juros à taxa legal, a contra da citação para a presente acção, até efectivo e integral pagamento".
A parte civil ( B….. ... ) veio interpor recurso, tendo terminado a motivação pela formulação das seguintes conclusões: "1ª - Conforme consta da acta de audiência e julgamento ( continuação ) do dia 30 de Maio de 2.005, nomeadamente na inquirição das testemunhas E….. ( depoimento registado na cassete n.º 3, lado A, voltas 0000 a 0809 ) e de D…… ( depoimento registado na cassete n.º 3, lado A, voltas 0897 a 1498 ), foi o mandatário da demandada civil impedido pelo tribunal a quo de obter esclarecimentos das supra referidas testemunhas.
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- De tal facto, a demandada civil reclamou para o tribunal a quo, para que pudessem ser obtidos os necessários esclarecimentos, dado que os depoimentos incidiam sobre a causa de pedir, o acidente, e por entender serem determinantes para o apuramento da responsabilidade civil.
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- Tendo arguido a nulidade dos depoimentos das testemunhas, mediante o indeferimento da reclamação, e protestado por estar a ser impedido de exercer o contraditório, pretensão que também foi indeferida.
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- Ora, a demandada civil não se conforma com tal decisão do tribunal a quo, arguindo, desta forma, a nulidade dos seus depoimentos e de todo o processado da audiência de julgamento.
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- Com efeito, a testemunha D….., além de testemunha arrolada pela acusação, constituiu-se assistente no processo, sendo, por isso, um sujeito processual no caso, ofendido, e, por via disso, deduziu pedido de indemnização civil contra a ora demandada civil.
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- Assim, além dos depoimentos terem incidido sobre a causa de pedir do pedido civil e se entenderem importantes para o apuramento da responsabilidade civil, por incidirem sobre o acidente dos autos, e, desde logo, não ser manifesto qualquer expediente dilatório da ora demandada, não se entende a decisão do tribunal a quo em indeferir a sua pretensão.
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- Porquanto em processo penal vigoram os princípios da investigação e da livre apreciação da prova, mesmo em relação ao pedido de indemnização civil.
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- Razão do protesto da demandada e da arguição da nulidade, por entender tratar-se, salvo melhor opinião, de omissão de diligência essencial para a descoberta da verdade e estar a ser vedado o exercício do direito ao contraditório.
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- Acresce, ainda, que, sendo D….. ofendida/demandante civil e tendo-se constituído assistente no processo, o tribunal a quo não poderia ter impedido a obtenção de declarações.
Com efeito, prescrevem os arts. 346º ( declarações do assistente ) e 347º ( declarações das partes civis ) de C. de Processo Penal que podem ser tomadas declarações ao assistente e às partes civis, mediante perguntas formuladas por qualquer juiz a solicitação dos advogados das partes civis.
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- Ora, não tendo sido possível obter qualquer declaração ou esclarecimento, designadamente de D….., o tribunal recorrido, salvo o devido respeito e melhor opinião, violou os supra citados normativos legais.
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- Assim como não foi possível a inquirição das testemunhas arroladas pela acusação.
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- Desta forma, entende a demandada, salvo melhor opinião, serem os depoimentos das testemunhas supra referidas nulos, por omissão de diligência essencial para a descoberta da verdade e por não ter sido permitido à ora demandada o exercício do direito ao contraditório.
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- Concluiu o tribunal a quo que o acidente dos autos ficou a dever-se tão-somente a uma condenação imponderada e desatenta por parte do arguido, que não colocou na sua condução a atenção e o cuidado necessários, como devia e podia.
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- E, como fundamento da asserção conclusiva, deu por provado, na fundamentação de facto, ‘que o arguido seguia a uma velocidade que não foi possível apurar', ‘distraiu-se, não se apercebendo, por conseguinte, que a vítima F…… se encontrava no asfalto, junto à berma da estrada ...' e que esta ‘não pretendia efectuar qualquer travessia de Estrada Nacional n.º 206'.
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- E, ainda, ‘o tribunal teve em conta o depoimento prestado pela mãe da menor, F….., apenas quanto ao facto de a sua filha ter ficado do lado direito da estrada, no sentido de marcha que o arguido seguia, e que se deslocou ao lado contrário para fechar um portão. O atropelamento dá-se quando esta, de costas para a faixa de rodagem, pelo que não presenciou os factos em discussão'.
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- Todavia, e ao mesmo tempo, o digníssimo tribunal a quo considera, também, como factos não provados: ‘o arguido distraiu-se e olhou para a esquerda, não se apercebendo, por conseguinte, de que a vítima F…… atravessava a faixa de rodagem, da direita para a esquerda, atento o sentido de marcha do arguido', ‘o acidente ficou a dever-se ao facto de o arguido seguir a uma velocidade excessiva para o interior de uma localidade' e que ‘ F…… aguardava a chegada da mãe que se encontrava do outro lado da estrada'.
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- Quer dizer, o digníssimo tribunal dá ao mesmo tempo como provado e como não provado que ‘o arguido distraiu-se e olhou para a esquerda' e como provado que ‘o arguido distraiu-se', sem esclarecer em algum momento com o que é que o arguido se distraiu, qual a causa da sua distracção, ou, sequer, testemunho sobre o qual incidiu tal conclusão.
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- Aliás, e contrariamente ao alegado na douta acusação, em nenhum momento do julgamento alguma testemunha afirmou ou confirmou ter reparado ou visto que o arguido se tinha distraído na sua condução, ou, sequer, apontou qualquer causa para a distracção.
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- A douta acusação apontava para que o arguido se distraíra por ter olhado para a esquerda, mas durante o julgamento e na inquirição das diversas testemunhas arroladas pela acusação, ou qualquer outra testemunha ouvida em sede de julgamento referiu ter visto o arguido a olhar para a esquerda ou para qualquer outro sítio. Nem nenhum depoimento testemunhal pode corroborar tal afirmação, nem corroborar que o arguido vinha distraído ou com menos atenção à sua condução.
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- Tal prova não foi feita em julgamento, conforme se retira dos depoimentos de G….. ( depoimento registado na cassete n.º 4, lado A, voltas 0000 a 1.330 ), de H…… ( depoimento registado na cassete n.º 4, lado A, voltas 1.354 a 2.407, e lado B da mesma cassete, voltas 0000 a 1.724 ) e de I…… ( depoimento registado na cassete n.º 5, lado A, voltas 0000 a 2.411, e lado B, voltas 0000 a 0246 ).
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- Razão pela qual, e salvo melhor opinião, se não concorda com a conclusão a que o tribunal recorrido chegou, dando como provado que ‘o arguido distraiu-se'.
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- Assim como também não apurou o tribunal a quo que o arguido tenha infringido qualquer regra de Código da Estrada, designadamente porque não conseguiu apurar a velocidade a que circulava o arguido, tendo, por isso, tal como consta da douta sentença, concluído pela absolvição do arguido da prática da contra-ordenação que lhe era imputada.
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- Atente-se que o digníssimo tribunal a quo conclui na sua douta sentença que a culpa na produção do acidente é exclusivamente imputável ao arguido, enquanto condutor do veículo que interveio no acidente.
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- Tendo, todavia, dado como provado que F…… se encontrava no asfalto, quer dizer, na faixa de rodagem, e que não pretendia efectuar qualquer travessia da estrada nacional.
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- Sendo que dá como provado que a mãe, aqui demandante civil, deixou a sua filha no lado direito da estrada, no sentido de marcha que o arguido seguia.
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- Tendo, todavia, dado como provado que a mãe, aqui demandante civil, deixou momentos antes a sua filha no lado direito da estrada, no sentido de marcha que o arguido seguia.
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- Sendo que dá como provado que a mãe, aqui demandante civil, deixou momentos antes a sua filha no lado direito da estrada, no sentido de marcha que o arguido seguia.
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- Ou seja, perpassa, para o tribunal a quo, ser perfeitamente normal, consentâneo com o padrão do homem médio, do bonus pater familiae, uma criança de 7 anos de idade, parada no asfalto, na faixa de rodagem, numa recta com muito trânsito, dado que não pretendia efectuar qualquer travessia da estrada, e encontrando-se a sua mãe a apenas uns metros do outro lado da estrada, a fechar um portão, de costas para o local onde se encontrava a sua filha.
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- A demandante civil, D……, deixa a filha, de 7 anos, ‘do lado direito da estrada', entregue a si mesma, dado que não se encontrava mais ninguém ali no local, atravessa a rua, deslocando-se ‘ao lado contrário para fechar um portão', e sem cuidar da presença ou da segurança da sua filha, por nem sequer procurar saber, pois encontrava-se de costas voltadas, da localização da menina, de vigiar os seus movimentos, tal como consta da douta sentença: ‘o atropelamento dá-se quando está de costas para a faixa de rodagem'.
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- Sem esquecer um facto muito importante, corroborado pelo depoimento da testemunha G…… ( depoimento registado na cassete n.º 4, lado A, voltas 0000 a 1.330 ), que circulava atrás do veículo do arguido, de encontrar, de ter visto após o acidente uma bola na berma da estrada e que deduz que a menina foi colhida pelo veículo do arguido, na tentativa de apanhar a bola na estrada, dado que momentos antes, quando circulava atrás do veículo do arguido tinha visto a menina parada a meio do passeio.
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- Ora, não nos parece ser este comportamento exigível a uma mãe. O que se exige de uma mãe ou de quem tem o poder-dever da tutela do poder paternal ( conforme prescreve o art. 1.878º de C. Civil ) terá de ser diligência, cuidado, garantia da segurança, vigilância de quem tem ao seu cuidado, por se tratar de alguém que é portadora de uma...
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