Acórdão nº 0610510 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 21 de Junho de 2006

Magistrado ResponsávelGUERRA BANHA
Data da Resolução21 de Junho de 2006
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Acordam, em audiência, na 1ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto.

I RELATÓRIO 1. B…….., arguido nos autos de processo comum nº …./03.5JAPRT que correm termos pelo ….º Juízo do Tribunal Judicial da comarca de Valongo, recorreu para esta Relação do acórdão proferido a fls. 211-232, que o condenou: como autor material de um crime de abuso sexual de criança, previsto e punido pelo art. 172º, nº 1, do Código Penal, na pena de 1 ano e 6 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 3 anos, com a condição de, no prazo de 6 meses, a contar do dia imediato ao do trânsito em julgado desta decisão, pagar à ofendida a quantia de € 5.000,00; a pagar à menor C……. a quantia de € 5.000,00, por danos não patrimoniais causados; nas custas criminais e civis.

Extraiu da motivação do seu recurso as conclusões seguintes: De toda a prova produzida nos autos não resultam minimamente demonstrados os factos descritos nos pontos 2.10 (o arguido sabia a idade da menor) e 2.11 (o arguido agiu ... com a intenção de, através daqueles actos descritos, satisfazer os seus desejos labidinosos, sabendo que a sua conduta era proibida e penalmente punível), pelo que os mesmos devem ser dados como não provados.

Os actos imputados ao arguido, tal como vêm provados no douto acórdão recorrido, não constituem "acto sexual de relevo".

E mesmo que constituíssem, não é possível identificar os que foram praticados antes ou depois de a ofendida ter atingido os 14 anos de idade.

Em todo o caso, a pena aplicada nunca deveria ultrapassar o limite legal e o montante indemnizatório sempre teria de ser substancialmente reduzido, por excessivo e injustificado.

Ao decidir como decidiu, o tribunal a quo violou, por erro de interpretação, o disposto nos arts. 40º, 71º e 172º do Código Penal, 483º, 562º e 496º do Código Civil, 374º, nº 2, do Código de Processo Penal, e ainda o princípio in dubio pro reo.

*2. O Ex.mo magistrado do MINISTÉRIO PÚBLICO junto do tribunal recorrido respondeu à motivação do recurso, concluindo pelo seu não provimento e pela confirmação da sentença recorrida.

* 3. Nesta Relação, o Ex.mo Procurador-Geral Adjunto emitiu o parecer que consta a fls. 291-293, em que também se pronunciou no sentido de que o recurso não merece provimento.

Este parecer foi notificado aos demais sujeitos processuais, em cumprimento do disposto no art. 417º, nº 2, do Código de Processo Penal, que nada disseram.

Os autos foram a visto dos Ex.mos Juízes adjuntos e realizou-se a audiência de julgamento.

II FUNDAMENTOS DE FACTO 5. Na sentença recorrida foram considerados provados os factos seguintes: O arguido B……. era, desde o ano 2000, amigo da assistente D…….., mãe da ofendida C……., nascida em 26/12/1987.

Pelo menos em Maio de 2001, a menor C……. andava em tratamento ortodôntico na "E……., Lda.", no Porto.

O arguido B……. também lá andava em tratamento e ofereceu-se para acompanhar e transportar a C…….. desde a sua casa, em Valongo, até à dita Clínica e no regresso - o que aconteceu em datas e em número de vezes não concretamente apurados, desde aquele mês e até Julho de 2002.

Numa daquelas datas, no interior do automóvel do arguido, este beijou na boca, por duas vezes, a menor C…… .

Noutra, também no interior do automóvel, o arguido beijou-a na boca e acariciou-a com as mãos em diversas partes do corpo.

Tais beijos e carícias repetiram-se, com periodicidade aproximadamente mensal, em idênticas circunstâncias, em número de vezes não concretamente determinado, antes de 26 de Dezembro de 2001, e, depois, pelo menos, até Julho de 2002, em diferentes locais, nomeadamente na Área de Serviço de Águas Santas, na Maia, junto às Piscinas de Ermesinde e na Vila Beatriz.

No decurso do período de cerca de um ano iniciado em Junho de 2001, o arguido tirou frequentemente fotografias à menor. Para tanto, em algumas dessas ocasiões, entregava-lhe peças de roupa justa, curta, decotada e transparente, nomeadamente vestidos justos, para que ela os vestisse, o que a mesma fazia.

O arguido fotografou-a por diversas vezes, dizendo-lhe, em algumas, que se colocasse de maneira a evidenciar as zonas do seu corpo mais femininas, nomeadamente os peitos e pernas, como mostram parte das fotografias juntas aos autos.

Tais fotografias foram tiradas em diversos locais, designadamente Áreas de Serviço e Parques, como o do Norteshoping-Matosinhos, e na residência da menor.

O arguido sabia a idade da menor.

Agiu livre, voluntária e conscientemente com a intenção de, através daqueles actos descritos, satisfazer os seus desejos libidinosos, sabendo que a sua conduta era proibida e penalmente punível.

A C…….. era meiga para a mãe.

O arguido era jovem (nasceu 23/11/1976) e já com alguma experiência de vida.

Próximo do termo da relação da C……. com o arguido, aquela tornou-se nervosa e instável, desinteressada pelos estudos e pela sua higiene.

O que levou a mãe a suspeitar que algo de errado se passava com ela e a pedir ajuda aos amigos e à explicadora para se inteirar do que se passava.

A C……. sofre, sente humilhação, vergonha e revolta por aqueles actos, que tem gravados na memória.

O arguido fez crer à C……. que estava apaixonado por ela e que o único obstáculo era ela não ter ainda 18 anos.

Aproveitou-se da confiança e da amizade com a mãe da menor.

Do CRC do arguido nada consta.

O arguido confessou parcialmente os factos apurados.

Tem o 12º ano de escolaridade, fez o curso técnico-profissional de desenho da construção civil e frequentou o 3º ano do Instituto Superior de Engenharia.

Trabalha na empresa "F…….., Lda", onde aufere o ordenado de € 1600,00/mês, ilíquido. Faz trabalhos por conta própria, auferindo com isso cerca de € 10.000,00/ano.

Embora já casado civilmente, ainda vive com os pais, professores reformados, em casa própria deles.

A C……. sentia uma "paixoneta" pelo arguido.

A sua mãe estava frequentemente ausente em serviço para fora.

*6. E foram considerados não provados os factos seguintes: que o arguido ainda é, presentemente, amigo da mãe da ofendida e que tal amizade provinha de há 6 anos; que os tratamentos ortodônticos da C……. se tenham iniciado concretamente em 3/5/2001 e essa seja a data da primeira consulta; que o arguido acompanhou a menor nas demais e precisas datas alegadas e que em 7 de Junho de 2001 tenha sido a segunda consulta; que a repetição dos actos tenha sido "sempre" e após todas as consultas; que o arguido mandava a ofendida pôr-se em "posições provocantes e eróticas"; que todas as fotografias fossem tiradas nas circunstâncias relatadas pela acusação, designadamente sempre com as roupas que ele lhe entregava, e que em todas o arguido lhe dissesse para evidenciar as partes mais femininas do seu corpo; que, mais tarde, tendo a menor completado já 14 anos de idade, o arguido praticou com ela coito oral; que a C…….. fosse obediente e dócil para a mãe e professores; que a C……. foi sujeita a um pesadelo pelo arguido, se transformou radicalmente, se tornou agressiva, se desinteressou pela própria vida e afirmou que queria morrer; que a descoberta da mãe fosse "quão grave e violenta"; que a menor não pudesse contar o que se estava a passar; que menor tivesse vivido pânico e sinta nojo; que o arguido usou "todas as manobras para iludir a menor"; que fosse "saudável o contacto da criança" com o grupo de amigos e amigas da mãe; que o arguido viva com "evidentes sinais exteriores de riqueza"; que o arguido tenha tirado a "inocência" à menor, tenha actuado "de forma violenta e violadora" e com "mórbidos" objectivos; que entre a menor e o arguido não existisse envolvimento amoroso, que ela não tivesse conhecimentos de sexualidade e não conhecesse o próprio arguido; que o arguido tivesse escolhido de forma calculista o coito oral para não deixar marcas e tal represente "violência agravada".

*7. O tribunal recorrido motivou a sua decisão sobre os factos provados e não provados nos seguintes termos: «O tribunal, limitado apenas ao objecto do processo definido pela acusação, pelos factos penalmente relevantes e alheio ao dramatismo, empolamento e atitudes exacerbadas frequentemente experienciados neste tipo repetido de casos, abstraindo da retórica e manifestos exageros do alegado no requerimento civil, baseou a sua convicção nos seguintes meios de prova: - Fls. 7, apenas quanto à data da queixa (14/4/2003), o que mostra só na parte final da relação e após longo período ter a C…… manifestado sinais que levaram a mãe a actuar; - Fls. 21: fotografias alusivas ao convívio e relacionamento de amizade anteriores, mormente entre a mãe da ofendida e um grupo de jovens bastante mais novos, que se foram conhecendo do Café "……", em Valongo, e que chegaram a fazer férias juntos, no qual a menor se integrou aos 11/12 anos, e o arguido em 2000, tendo todos estado numas férias em Sanábria - Espanha; - Fls. 22 a 28: facturação detalhada das comunicações efectuadas pelo telemóvel 962442382, usado pela C……, relativa aos meses de Julho a Setembro de 2002, este no valor de € 112,19, de que se destaca o elevado número de chamadas efectuadas por ela para o telemóvel do arguido; - Fls. 29 a 33: carta manuscrita pela C……., apenas para aferir da credibilidade do seu depoimento prestado na audiência; - Fls. 52: auto de busca realizado ao domicílio do arguido e de que resultou a apreensão das imagens de fls. 53 a 58 e das fotografias de fls. 164 a 177, relativas à C……., e das quais se destacam as que dão conta da sua aparência física em relação à idade, do seu aparente aspecto e estado de espírito do respectivo momento, mormente quando vestia as roupas, alheias e sem outro propósito que não fosse tirar as fotografias, a pedido do arguido e para posar (destacando-se a primeira de fls. 174 em que a ofendida, sem outro motivo, enverga um vestido de cerimónia da mãe, como ambas confirmaram), e, bem assim, a (primeira) de fls. 54, respeitante a um "bruxedo" (que o arguido diz que era para o "agarrar" e que a mãe da vítima diz que era promessa a um Santo), e, por último, as alusivas a...

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