Acórdão nº 565/1999.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 19 de Outubro de 2010

Magistrado ResponsávelALVES VELHO
Data da Resolução19 de Outubro de 2010
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

S Privacidade: 1 Meio Processual: REVISTA Decisão: NEGADAS AS REVISTAS Área Temática: DIREITO CIVIL - RELAÇÕES JURÍDICAS Doutrina: - A. VARELA, “Das Obrigações em Geral”, I, 9ª ed., 925; R. ALARCÃO, “Obrigações – Lições, 1983”, 283. - AMÂNCIO FERREIRA, “Manual dos Recursos ...”, 138. - FREITAS DO AMARAL, “Direito Administrativo”, II, 1988, pg. 82. - JORGE MIRANDA – RUI MEDEIROS, “Constituição Portuguesa, Anotada, I, 210 e 268. - M. TEIXEIRA DE SOUSA, “Estudos ...”, 395 e ss.. - P. DE LIMA e A. VARELA, “C. Civil, Anotado”, I, 4ª ed. 104.

Legislação Nacional: CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 70.º, 335.º, 483.º, 487.º, N.º 2, 494.º, 496.º, 563.º, 799.º, N.º1. CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 66.º, 158.º, 193.º, N.º 1 ALÍNEA A), N.º3, 660.º, N.º 2-1ª PARTE, 664.º, 668.º, N.º1 ALÍNEAS D) E E), 676.º, 715.º, 721.º, 722.º, 731.º, N.º2, 754.º, N.º2-2º SEGMENTO, 755.º, N.º1. CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA (CRP): - ARTIGOS 1.º, 8.º, 18.º, 20.º, N.º4, 22.º, 25.º, N.º1, 66.º, N.º1, 129.º, N.º6, 203.º, 205.º, N.º1, 212º, N.º 3, 266.º. ETAF/84 [DL. N.º 129/84, DE 27/4]): - ARTIGOS 3.º, 4.º E 51.º. LEI N. 11/87, DE 7/4 (LEI DE BASES DO AMBIENTE). LOFTJ (LEI 3/99, DE 13/1): - ARTIGO 18.º. Legislação Estrangeira: CEDH: - ARTIGO 6.º DUDH: - ARTIGO 24.º DEDH: - ARTIGO 8.º Jurisprudência Nacional: ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA: - DE 28/4/77 (BMJ 266º-168); - DE 10/2/005; - DE 28/11/2002 (PROC. 03B1925); - DE 13/9/2007 (PROC. N.º 07B2198); - DE 02/7/2009 (PROC. N.º 09B0511); - DE 08/4/2010 (PROC. N.º 1715/03TBEPS.G1.S1). Sumário : I - A tutela da integridade pessoal (física e moral) está umbilicalmente ligada à consagração constitucional absoluta da dignidade da pessoa humana, especialmente revelada no art. 25º pela declaração da sua inviolabilidade, sendo o sono e o repouso essenciais à vida, não só na vertente da saúde, mas também da própria existência física.

II - Embora o direito à integridade pessoal não seja, em absoluto, um “direito imune a quaisquer limitações”, não pode, sem mais ou em abstracto, afirmar-se que os direitos ao sono e ao repouso que o integram estejam, como que por natureza, excluídos do respectivo núcleo essencial.

III - Hão-de ser a espécie e grau de ofensa, na ponderação, em concreto, do princípio da proporcionalidade, a ditar se o direito, originariamente absoluto e inviolável, pode suportar alguma limitação ou compressão em ordem à compatibilização ou harmonização, em co-exercício com outros direitos constitucionalmente reconhecidos.

IV - Tratar-se-á de averiguar se há dois direitos que se encontram em conflito ou colisão impondo uma harmonização ou concordância que, em termos práticos e em concreto conduzam a uma conciliação de exercibilidade em que saia respeitado o núcleo essencial de cada um desses direitos conflituantes.

V - Confrontando-se, de um lado, o direito ao repouso, de personalidade, absoluto, inviolável e inscrito no quadro dos direitos, liberdades e garantias, e, do outro, valores comunitários constitucionalmente protegidos (art. 266º CRP), designadamente a realização do interesse público na urgente realização de uma obra, invocado pelo Governo em despacho de Secretário de Estado, no prosseguimento do qual se violaram direitos fundamentais dos Autores, este último sai postergado pelo direito, também fundamental, que consagra a responsabilidade civil por actos violadores de direitos, liberdades e garantias levados a efeito pela Administração e seus agentes (art. 22º CRP).

VI - A Administração Pública, na prestação de serviços sociais e culturais, na satisfação de necessidades colectivas, tem necessidade de agredir a esfera jurídica dos particulares, ofendendo ou sacrificando os seus direitos e interesses, mas, no desenvolvimento dessas actividades, tem de agir com sujeição à Constituição e à lei, respeitando os direitos subjectivos e os interesses legítimos dos particulares. VII - Os particulares não estão sujeitos ao dever de, em qualquer caso, em nome do interesse público, absorver ou suportar exclusivamente lesões dos seus direitos ou suportar sacrifícios que em nome do bem comum ou da sociedade, cabendo a esta, nos casos em que aqueles sacrifícios possam ser e tenham de ser impostos, compensá-los dos prejuízos causados - princípio da indemnização por expropriação (art. 22º-2).

VIII - O confronto e ponderação de interesses postula um dever de solidariedade, que o n.º 2 do art. 339º C. Civil revela, porventura como princípio geral, facultando a reparação dos danos por quem tirou proveito do acto ou contribuiu para o estado de necessidade, impondo que haja lugar a reparação de lesões de direitos de particulares sacrificados em consequência de conflitos de interesses se o lesado não teve intervenção como causador da situação de conflito.

Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: 1. - AA, BB, CC, DD, EE, FF e GG instauraram acção declarativa para efectivação de responsabilidade civil contra “Metropolitano de Lisboa, E.P.”, e “Metrexpo, Agrupamento Complementar de Empresas”, pedindo que as Rés fossem condenadas a pagar-lhes, a cada um, a quantia de 10 000 000$00.

Alegaram, em síntese, que, a partir do início de 1995, decorreram obras junto às suas residências, no âmbito do plano de expansão da rede do Metropolitano de Lisboa, realizadas pela 2.ª R., por efeito do contrato celebrado com a 1.ª R.. Tais obras realizaram-se 24 horas por dia e provocaram, designadamente, ruído que impediu a sua vida normal, privando-os do sono, descanso e tranquilidade, o que implicou um dano, que constitui as RR. na obrigação de indemnizar.

Contestou a R. “Metrexpo”, por impugnação, alegando fundamentalmente que foram tomadas medidas para a diminuição dos ruídos, devendo-se a intensidade dos trabalhos desenvolvidos desde meados de Dezembro de 1996 ao acidente/aluimento ocorrido em 11 de Dezembro de 1996, para além de que a obra era de interesse público, e concluindo pela improcedência da acção.

Contestou também a R. “Metropolitano de Lisboa”, por excepção, alegando a ineptidão da petição inicial, por ininteligibilidade da causa de pedir, e por impugnação, alegando a natureza de obra pública, com a necessidade de laborar continuamente, para estar pronta na abertura da “Expo 98”, sendo a sua actuação determinada pelos objectivos traçados pelo Governo e pelo interesse nacional da obra. Concluiu pela sua absolvição da instância ou, então, pela sua absolvição do pedido.

No despacho saneador julgou-se improcedente a arguição de ineptidão, decisão contra a qual reagiu a R. “Metropolitano de Lisboa”, mediante recurso de agravo.

Julgada a causa, foi proferida sentença, que condenou as Rés, solidariamente, a pagarem as quantias de: - 15.000,00€ ao A. AA; - 17.500,00€ ao A. BB; - 20.000,00€ ao A. CC; - 16.000,00€ ao A. DD; - 15.000,00€ ao A. EE; - 15.000,00€ à A. FF; e, - 20.000,00€ aos herdeiros do A. GG.

Apelaram ambas as Rés.

A Relação julgou apta a causa de pedir, negando provimento ao recurso de agravo, e improcedentes as apelações, confirmando a sentença.

Pedem agora revista as Rés.

A Recorrente “Metropolitano de Lisboa” insiste na pretensão de ser absolvida da instância, com fundamento na ineptidão da petição inicial que vem invocando. Subsidiariamente, argúi a nulidade do acórdão recorrido, por excesso de pronúncia ou por falta de fundamentação, e ainda a incompetência absoluta dos Tribunais Civis para a apreciação do presente litígio. Caso assim não se entenda, defende a revogação do acórdão recorrido, proferindo-se decisão em que seja absolvida do pedido, por faltarem os pressupostos da responsabilidade que os AA. lhes imputam, ou, mais uma vez subsidiariamente, que os montantes indemnizatórios atribuídos aos AA. sejam reduzidos para um montante máximo, em caso algum superior dez mil euros, por cada A..

Para tanto, verteu nas “conclusões”, que se transcrevem: “ 1. Questões prévias.

  1. A Sentença recorrida, ao fundamentar a condenação das Rés no pagamento de uma indemnização numa hipotética responsabilidade do Estado, é nula, por excesso de pronúncia, ao abrigo do artigo 668.º, n.º 1, alínea d), segunda parte, nulidade essa que desde já se deixa arguida, para todos os efeitos legais.

    B.A norma decorrente do artigo 664.º do CPC, quando interpretado no sentido de permitir que o Tribunal condene um réu numa determinada acção com base na responsabilidade de uma entidade que nem sequer é parte nessa mesma acção, ainda que ressalvando a possibilidade do exercício do direito de regresso do réu sobre essa entidade, é materialmente inconstitucional, por violação do princípio do due process of law (ou princípio do processo equitativo), consagrado no artigo 20.º, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa – inconstitucionalidade essa que desde já se invoca para todos os efeitos legais.

  2. Tal norma, decorrente de tal interpretação do artigo 664.º do CPC, revela-se ainda violadora da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, também por violação do princípio do due process of law, expressamente consagrado no artigo 6.º da Convenção, gerando a inaplicabilidade do mesmo e, bem assim, uma violação de incisos com acolhimento constitucional, nomeadamente nos termos do artigo 8.º da Constituição da República Portuguesa.

  3. Tendo o Tribunal da Relação de Lisboa, acompanhando a posição do Tribunal de Primeira Instância, concluído dessa forma (rectius, ser o Estado o único possível responsável pelos danos produzidos na esfera jurídica dos AA.), deveria ter absolvido as Rés do pedido. Era o máximo que o princípio iura novit curia lhe permitia fazer.

  4. Caso se entenda que o Tribunal poderia (rectius, tinha poderes para) apreciar a eventual responsabilidade do Estado pelos alegados danos produzidos nas esferas jurídicas dos AA., e, com base nessa responsabilidade, condenar as Rés no pagamento de uma indemnização aos AA. – hipótese que só mesmo a cautela de patrocínio impõe que se equacione –, ainda assim, o Acórdão recorrido é nulo, já não por excesso de pronúncia, mas por...

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