Acórdão nº 209/09 de Tribunal Constitucional (Port, 30 de Abril de 2009

Magistrado ResponsávelCons. Carlos Fernandes Cadilha
Data da Resolução30 de Abril de 2009
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 209/2009

Processo n.º 310/2009

Plenário

Relator: Conselheiro Carlos Fernandes Cadilha

Acordam, em Plenário, no Tribunal Constitucional

I- Relatório

  1. A CDU/Madeira, por comunicação datada de 13 de Abril de 2009, requereu à Comissão Nacional de Eleições (CNE) a reposição da propaganda que havia sido colocada em espaço público e que se inseria na pré-campanha para as eleições europeias, e que fora retirada, sem qualquer comunicação prévia, pela Câmara Municipal de São Vicente.

    Notificada para se pronunciar sobre o pedido, a Câmara Municipal de São Vicente informou que a remoção da estrutura de suporte à propaganda politica utilizada pela CDU foi determinada por razões urgentes de segurança pública e circulação viária, com fundamento em violação do disposto nos nºs 2, 11 e 12 do artigo 39° do Regulamento Geral de Estradas e Caminhos Municipais, aprovado pela Lei n.º 2110, de 19 de Agosto de 1961, conjugados com o disposto na alínea d) do n.º 1 do artigo 4° e n.º 1 do artigo 6° da Lei n.º 97/88, de 17 de Agosto, alegando ainda que a mensagem de propaganda política não era direccionada especificamente ao próximo acto eleitoral e fora colocada fora do período de campanha eleitoral, tratando-se, como tal, de matéria que se encontra excluída do âmbito de competências da CNE.

    A CDU Madeira contestou as razões de segurança pública e circulação viária que foram invocadas e alegou que a instalação da propaganda não interfere com a sinalização do tráfego automóvel, nem prejudica a visibilidade, e não constitui qualquer perigo ou obstáculo para a circulação.

    Na sequência, a Comissão Nacional de Eleições determinou a reposição da propaganda política, através da deliberação de 21 de Abril de 2009, do seguinte teor:

    Encontra-se cometida à Comissão Nacional de Eleições a competência específica para assegurar a igualdade de oportunidades de acção e propaganda das candidaturas (alínea d), do artigo 5º da Lei nº 71/78, de 27 de Dezembro);

    Como referiu o Tribunal Constitucional, no Acórdão nº 605/89, o controlo da CNE é exercido «não apenas quanto ao acto eleitoral em si mas de forma abrangente de modo a incidir também sobre a regularidade e a validade dos actos praticados no decurso do processo eleitoral».

    Tendo presente que a lei considera como "despesas de campanha eleitoral as efectuadas pelas candidaturas, com intuito ou benefício eleitoral, dentro dos seis meses imediatamente anteriores à data do acto eleitoral respectivo”, estabelecendo, assim, um período que delimita a elegibilidade das despesas com as acções de propaganda dirigidas a um acto eleitoral (artigo 19º da Lei nº 19/2003, de 20 de Junho).

    Considerando que o âmbito temporal fixado nesta lei para a realização das despesas em proveito de uma campanha eleitoral é um período em que já se preparam e promovem candidaturas e que, de entre os objectivos que a lei do financiamento pretende atingir, se regista, no que interessa à presente matéria, o de assegurar uma igualdade entre as candidaturas, formalizadas ou não, quanto à acção de promoção e propaganda eleitoral. Tendo presente que o período de seis meses anterior à data do acto eleitoral é perfeitamente determinável no que respeita aos actos eleitorais que se realizam no final do mandato dos titulares dos diversos órgãos, contabilizando-se o mesmo por referência ao último dia em que é possível legalmente realizar-se a eleição.

    Considerando que a CNE deve garantir que a propaganda realizada pelas forças políticas dirigida a um determinado acto eleitoral, durante o referido período de 6 meses, seja protegida pelo princípio da igualdade em todas as suas vertentes.

    Considerando, ainda, que muito recentemente o Tribunal Constitucional veio consagrar no Acórdão nº 312/2008 que "É a especial preocupação em assegurar que estes actos (eleições e referendos), de crucial importância para um regime democrático, sejam realizados com a maior isenção, de modo a garantir a autenticidade dos seus resultados, que justifica a existência e a intervenção da CNE, enquanto entidade administrativa independente".

    Considerando, ainda, que o Tribunal Constitucional, no caso analisado naquele acórdão, concluiu que as acções desenvolvidas em período fora do calendário de qualquer processo eleitoral ou referendário, com mensagens não direccionadas para um determinado acto eleitoral, não estavam incluídas na área de competência da CNE.

    Tendo presente que, nos casos em apreço relatados na nota que acompanha o processo, estamos perante acções de propaganda inseridas num determinado processo eleitoral – o da eleição do Parlamento Europeu.

    Considerando que este processo eleitoral se encontra já em curso, tendo sido fixado, por Decreto do Presidente da República, o dia 7 de Junho para a realização da eleição e que, por se tratar no caso concreto de uma acção de propaganda desenvolvida em período eleitoral está a mesma também protegida pelas normas eleitorais.

    Considerando que a CNE deve acautelar a normal actividade da propaganda eleitoral e garantir que a administração, em particular, os órgãos das autarquias locais, não proíbam, pela prática administrativa, o exercício do direito de expressão através da realização de propaganda. Tendo presente que no exercício das suas competências a CNE tem sobre os órgãos e agentes da Administração os poderes necessários ao cumprimento das suas funções (artigo 7º da Lei nº 71/78).

    Considerando, ainda, que conforme se conclui naquela nota informativa: - Os órgãos autárquicos não têm competência para regulamentar o exercício da liberdade de propaganda, cabendo-lhes apenas a emissão de normas de mera execução da lei e que só a Assembleia da República pode proceder à sua regulação, considerando-se que qualquer introdução no ordenamento jurídico de uma disciplina inovadora nesta matéria opera uma intervenção ilegítima na liberdade de propaganda.

    - A norma do Regulamento Municipal de S. Vicente que exige comunicação prévia para a afixação ou inscrição de propaganda introduz uma restrição à liberdade de propaganda, contrariando o que está estipulado na Lei nº 97/88.

    - A propaganda política é livre, não podendo o seu exercício, na medida em que decorre da liberdade de expressão, ser condicionado por parte de qualquer entidade pública ou privada e pode ser desenvolvida livremente fora ou dentro dos períodos eleitorais, com ressalva das proibições e limitações expressamente previstas na lei.

    - O cartaz da CDU, em causa no presente processo, se insere num determinado processo eleitoral – o da eleição do Parlamento Europeu – e, por isso, especialmente protegido pelas normas eleitorais.

    Só poderá ser colocado impedimento à realização de propaganda política, através da invocação de qualquer alínea do nº 1 do artigo 4º da Lei nº 97/88, quando, no âmbito de um caso em concreto, tal for determinado por tribunal competente ou os interessados, depois de ouvidos e com eles fixados os prazos e condições de remoção, o não façam naqueles prazos e condições, sem prejuízo do direito de recurso que a estes assista.

    - No caso concreto, resulta que o referido cartaz da CDU não impede a visibilidade do sinal de trânsito, pois está colocado atrás do sinal e posicionado numa direcção diferente daquela a que o sinal de trânsito se dirige.

    Assim, no uso dos poderes conferidos pelo artigo 7º da Lei nº 71/78, de 27 de Dezembro, notifique-se o Senhor Presidente da Câmara Municipal de S. Vicente para, no prazo de 48 horas, repor a propaganda da CDU removida, sob pena de, não o fazendo, cometer o crime de desobediência previsto e punido pelo artigo 348º do Código Penal.

    A Câmara Municipal de São Vicente interpôs recurso desta deliberação para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto no artigo 102º-B da Lei do Tribunal Constitucional, formulando a final as seguintes conclusões:

    I -Em causa está uma mensagem de crítica da CDU à situação económica do Pais, referindo-se à situação de crise, desemprego e injustiça, como forma de propaganda politica não direccionada inequivocamente ao acto eleitoral para o Parlamento Europeu;

    1. A colocação do referido cartaz ocorreu no dia 8 de Abril, pelo que o exercício da actividade de propaganda política situa-se temporalmente fora do período de campanha eleitoral, o qual apenas tem início a 25 de Maio;

    2. A colocação dos meios de propaganda em concreto é ilegal por violação do disposto nos n°s 2, 11 e 12 do artigo 39.º do Regulamento Geral de Estradas e Caminhos Municipais, aprovado pela Lei n.° 2110, de 19 de Agosto de 1961, bem como a alínea d) do n° 1 do artigo 4.º da Lei n.° 97/88, de 17 de Agosto.

    3. Ao contrário do entendimento propugnado pela Comissão Nacional de Eleições, acção de propaganda em causa não esta abrangida pelo seu âmbito de competências, dado que, de acordo com o disposto na alínea d) do n°1 do artigo 5º da Lei nº 71/78, de 27 de Dezembro, a este órgão compete apenas assegurar a igualdade de oportunidades de acção e propaganda das candidaturas durante as campanhas eleitorais.

    4. Dado o carácter excepcional do regime vigente para este período não pode o mesmo ser objecto de aplicação analógica à propaganda politica exercida fora deste contexto, concluindo-se face ao princípio de legalidade de actuação, que a Comissão Nacional de Eleições não detém qualquer competência nesta matéria.

    5. Nem a Lei que criou a Comissão Nacional de Eleições nem a Lei nº 97/88, de 17 de Agosto, habilitam este órgão ao exercido de poderes de controlo ou de polícia administrativa fora dos períodos de campanha eleitoral.

    Nestes termos, consubstanciando nos dispositivos legais em vigor deve a deliberação da Comissão Nacional de Eleições ser declarada nula, seguindo-se os ulteriores termos,

    Cumpre apreciar e decidir

    II – Fundamentação

  2. Resulta dos elementos dos autos o seguinte:

    1. Em data não determinada de Abril de 2009, a CDU Madeira instalou, num entroncamento da vila de São Vicente, um cartaz de propaganda política com os seguintes dizeres: «Crise – Desemprego – Injustiça. Para grandes...

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