Acórdão nº 345/09 de Tribunal Constitucional (Port, 08 de Julho de 2009

Magistrado ResponsávelCons. V
Data da Resolução08 de Julho de 2009
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 345/09

Processo n.º 35/05

  1. Secção

Relator: Conselheiro Vítor Gomes

Acordam na 3.ª Secção do Tribunal Constitucional

I- Relatório

  1. A. e mulher B. (réus na acção, ora recorrentes), adquirentes de uma fracção autónoma de um prédio constituído em propriedade horizontal, em venda judicial efectuada num processo de execução à ordem do qual estava penhorada, recorrem para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro (LTC), do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de fls. 500 e segs. que, negando a revista de acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, manteve a sua condenação a reconhecerem o direito de propriedade de C. e mulher D. ( autores na acção, ora recorridos), que haviam celebrado com o executado escritura de compra e venda da mesma fracção anteriormente à penhora, mas que só posteriormente à venda no processo de execução vieram a registar a sua anterior aquisição por via negocial.

  2. Inicialmente, o relator proferiu decisão sumária de não conhecimento do objecto do recurso, nos termos do n.º 1 do artigo 78.º-A da LTC. Tendo sido deferida reclamação dos recorrentes, foi ordenado o prosseguimento do recurso com vista à apreciação da constitucionalidade da norma do n.º 4 do art.º 5.º do Código de Registo Predial, interpretado no sentido de que o adquirente de um imóvel em venda judicial efectuada em processo de execução não é "terceiro para efeitos de registo" relativamente a um adquirente a quem o executado o haja vendido, anteriormente ao registo a penhora, mas que não tenha registado a aquisição.

  3. Nas alegações que apresentaram, os recorrentes sustentaram as seguintes conclusões:

    “1º - É inconstitucional a norma do artigo 5º, n.º 4 do C.R. Predial quando interpretada no sentido de que o arrematante em venda executiva, como é o caso dos aqui Recorrentes, não é terceiro para efeitos de registo. Na verdade,

    1. - Quem adquire em venda executiva adquire directamente do executado que, com ou sem vontade de vender, é o sujeito donde promana o direito ao bem vendido, gerando-se, assim, uma aquisição derivada em que o executado é o transmitente.

    2. - Ao adquirente em venda executiva não pode ser oposto qualquer outro negócio translativo da propriedade, ainda que anterior, que não haja sido registado aquando da inscrição no registo do título emitido subsequentemente a essa venda judicial.

    3. - Relativamente aos bens imóveis, a venda judicial tem, quer para efeitos de determinação da prioridade da realização dos negócios, quer para efeitos da prioridade da inscrição no registo predial desses negócios, pelo menos, a mesma eficácia que a venda por escritura pública.

    4. - A não ser assim, isto é, a considerar, como o fez o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, que o adquirente em venda executiva não é terceiro par efeitos de registo, por não haver adquirido de um mesmo e comum transmitente, estar-se-á a violar o direito constitucional à propriedade privada, consagrado nos artigos 17º, 18º, 62º da Lei Fundamental;

    5. - Estar-se-á a violar, além do mais, os princípios da estabilidade, da certeza e da confiança representados pelo instituto do registo predial, o que é manifestamente inconstitucional por violação dos próprios princípios básicos do Estado de direito consagrados no artigos nos artigos 2º, 3º e 9º als. b) e d) da C.R.P.;

    6. - Estar-se-á a violar a segurança e a confiança jurídicas da comunidade em geral garantidos pelo registo predial, na medida em que este concorre decisivamente para a segurança do tráfico jurídico imobiliário, essencial à plena eficácia do princípio constitucional da liberdade de iniciativa económica reconhecido no artigo 80º, al. c) da Constituição da Republica Portuguesa.

    7. - A decisão do Acórdão do S.T.J. é, igualmente, ilegal, por desconsideração do disposto no artigo 824º do C.C. já que este, claramente, refere que o executado é o transmitente na venda executiva e de que com essa venda caducam todos os direitos reais que não tenham registo anterior à respectiva penhora.

    8. - Acresce que, se não se entender que o arrematante em hasta pública é terceiro para efeitos de registo, nos termos restritos consagrados pelo Ac. 3/99 e pelo artigo 5º, n.º 4 do C.R. Predial, então são este Acórdão e este normativo – e não já a interpretação que dele fez o Acórdão do Supremo – que se encontram feridos de inconstitucionalidade, por directa afronta dos princípios constitucionais vertidos nos artigos 17º, 18º, 62º e 80º al. c) da lei Fundamental, pelos motivos expostos nas conclusões precedentes – inconstitucionalidade que vai, igualmente, invocada. Com efeito,

    9. - Se a lei vigente, isto é, o artigo 5º, n.º 4 do C.R. Predial não considera que o adquirente em venda executiva é terceiro para efeitos de registo é, então, o próprio preceito e a acepção restrita que estão feridos de inconstitucionalidade, na medida em que a sua aplicação leva à preferência de uma aquisição anterior não registada a uma outra posterior, legítima e formal, primeiramente registada.

    10. - Tais normativos constitucionais (d’entre outros, os artigos 2º, 3º, 9º als. b) e d), 17º, 18º, 62º, 80°, al. c) e os princípios da segurança, estabilidade e confiança no tráfico jurídico, que o registo predial consubstancia e representa, quedarão igualmente lesados e feridos, com a consequente inconsideração das regras registrais, se for admitida a interpretação que o Supremo Tribunal de Justiça fez dos artigos 1251º, 1256º, e 1268º do C.C. na medida em que se reconheceria aos Recorridos o direito de juntar à sua posse a posse dos anteriores proprietários da fracção em causa, e opor essa posse, desse modo usucapiente, aos Recorrentes.

    11. - Sendo, também ilegal, na medida em que desconsidera totalmente o estabelecido no artigo 1415º do C.C., já que a fracção autónoma é um novo objecto de direitos, uma nova coisa, autónoma e independente do prédio onde foi erigido o edifício em que se integra.

    12. - De facto, se ao adquirente em venda executiva não é oponível o contrato de compra e venda anteriormente outorgado, mas posteriormente registado, também lhe não é oponível a posse dos ante-possuidores a que o primeiro adquirente acede em virtude desse contrato,

    13. - Já que a única posse que lhe poderá ser oposta é aquela que nasce ex novo, na sua mão, pois só em relação a essa se pode falar de inoperância ou desinteresse (susceptíveis de gerar usucapião) do segundo adquirente, in casu, os Recorrentes.”

    Por seu turno, os recorridos concluíram do seguinte modo:

    “1- O registo predial tem carácter meramente declarativo e publicitário, não conferindo quaisquer direitos, ou seja, o registo predial não tem carácter constitutivo.

    2- Foi o entendimento restrito da concepção de terceiros para efeitos de registo que recebeu consagração no n.º 4, do art.º 5º do CRP.

    3- Quer o Tribunal da Relação, quer o Supremo Tribunal de Justiça adoptaram um conceito restrito de terceiro e, nessa medida, concluíram que o comprador do imóvel na venda judicial, não se enquadra no conceito de terceiro para efeitos de registo, relativamente aos recorridos a quem anteriormente a executada (antes 1ª ré no processo) o havia vendido, embora eles recorridos não tivessem registado a aquisição, prevalecendo, assim, a primeira venda feita aos recorridos.

    4- Ambas as instâncias entendem que o executado não deve ser visto como o verdadeiro vendedor e que o direito de propriedade derivado de venda judicial advém para o respectivo titular por força da lei e não por acto do executado, enquanto que o direito derivado de compra e venda advém para o respectivo titular por mero efeito do contrato, não se podendo falar da ocorrência de dois direitos adquiridos do mesmo transmitente.

    5- Tendo já o executado vendido o bem aos ora recorridos quando a penhora foi feita este, aquando a venda executiva, já não lhe pertencia, e como tal não estava sujeito à execução.

    6- Se é certo que a venda em execução transfere para o adquirente os direitos do executado nos termos do art.º 824º do C.C., a verdade é que é nula a venda de coisa alheia.

    7- À execução estão sujeitos apenas os bens do devedor, nos termos do art.º 821º, do C.P.C.

    8- O Tribunal da Relação e o STJ adoptaram uma posição, relativamente ao conceito de terceiro para efeitos de registo, e relativamente ao caso em apreço coincidente com a posição maioritária da jurisprudência prévia ao Ac. uniformizador 15/97, de 20/05/97 e com a posição tradicional de Manuel de Andrade, donde se conclui que não está ferida de inconstitucionalidade a interpretação que foi feita do art.º 5º, n.º 4 do C.R.P e o próprio art.º 5º, n.º 4.

    9- Esta é a posição mais consentânea com uma efectiva jurisprudência de interesses e com a circunstância de, entre nós, o registo dos prédios não ser obrigatório (nem existir um cadastro predial geométrico actualizado), nem obrigatória a imediata comunicação pelo notário ao conservador de registo predial, de que uma escritura pública foi celebrada.

    10- Não seria legítimo que os recorridos, após terem celebrado o negócio de compra e venda da fracção em causa, mediante escritura de compra e venda, terem ocupado o prédio desde a data da compra, terem pago as contribuições, a água, a luz, enfim, terem-se comportado como verdadeiros proprietários que, de resto são, verem arredado esse seu direito por mero efeito de um registo.

    11- Os efeitos da falta de registo, cuja importância a generalidade das pessoas não assimila bem, não conhecem ou conhecem vagamente, é contrariada pela insegurança e intranquilidade do reverso da situação, pois, após se comprar, pagar e cumprir a formalidade consubstanciada em escritura celebrada no notário, essa sim ritologia bem assimilada e integrada no acervo cultural das populações, depara-se, surpreendentemente com o objecto da compra a pertencer a outrém, por efeito de um registo.

    12- Haveria, sim, violação da propriedade privada se os recorrentes, que cumpriram todas as formalidades inerentes a um negócio de compra e venda...

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