Acórdão nº 508/07.7GCVIS.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 14 de Julho de 2010

Magistrado ResponsávelALBERTO MIRA
Data da Resolução14 de Julho de 2010
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)
  1. Relatório: 1.

No 2.º juízo Criminal do Tribunal Judicial de Viseu, foi submetido a julgamento, em processo comum, com intervenção de tribunal singular, o arguido D...

, casado, residente no Lugar …, Viseu, acusado da prática, em autoria material e concurso efectivo, de um crime de ofensa à integridade física simples, p. e p. no artigo 143.º, n.º 1, do Código penal, e de um crime de ameaça, p. e p. no artigo 153.º, n.ºs 1 e 2, do mesmo diploma legal.

*2.

L… deduziu pedido de indemnização civil contra o arguido, pedindo a condenação deste a pagar-lhe a quantia de € 1,250,00 (mil duzentos e cinquenta euros), a título de danos patrimoniais e não patrimoniais que invoca ter sofrido, decorrentes das condutas ilícitas factualmente descritas na acusação pública, acrescida de juros de mora, à taxa legal, contados desde a notificação ao demandado do referido pedido até efectivo pagamento.

* Também os Hospitais da Universidade de Coimbra, EPE, deduziram pedido de indemnização civil contra o arguido, solicitando a condenação deste no pagamento à demandante da quantia de € 3.851,17 (três mil oitocentos e cinquenta e um euros e dezassete cêntimos), correspondente à assistência médica prestada a L…, acrescida de juros de mora, à taxa legal, calculados a partir da notificação do pedido, ao demandado, até efectivo e integral pagamento.

*3.

Por sentença de 1 de Fevereiro de 2010, o tribunal proferiu decisão do seguinte teor: A) Condenou o arguido D..., como autor material de um crime de ameaça, p. e p. pelo artigo 153.º, n.ºs 1 e 2, do Código Penal, na pena de 3 (três) meses de prisão; B) Condenou o mesmo arguido, como autor material de um crime de ofensa à integridade física simples, p. e p. pelo artigo 143.º, n.º 1, do Código Penal, na pena de 5 (cinco) meses de prisão; C) Efectuado o cumulo jurídico das penas parcelares referidas em A) e B), condenou o arguido na pena única 6 (seis) meses de prisão que, nos termos do disposto no artigo 43.º, n.º 1, do Código Penal, substituiu por idêntico número de dias de multa, à razão diária de € 8,00 (oito euros); D) Julgou totalmente procedente o pedido de indemnização civil formulado e, em consequência, condenou o arguido/demandado D... a pagar ao demandante L… a quantia global de € 1.250,00 (mil duzentos e cinquenta euros), a título de danos patrimoniais e não patrimoniais, acrescida de juros de mora, à taxa legal, devidos desde a data da sentença e até integral pagamento; E) Julgou ainda totalmente procedente o pedido de reembolso deduzido pelos Hospitais da Universidade de Coimbra, EPE e, consequentemente, condenou o arguido a pagar àqueles a quantia de € 3.851,17 (três mil oitocentos e cinquenta e um euros e dezassete cêntimos), acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a notificação do pedido até efectivo e integral pagamento;*4.

Inconformado, o arguido/demandado interpôs recurso da sentença, rematando a respectiva motivação com as seguintes (transcritas) conclusões: 1.ª – Nunca o M.º Juiz a quo poderia ter condenado o arguido, ora recorrente, pela prática de crime de ofensa à integridade física, de ameaças, tão-somente com base no depoimento do ofendido/queixoso e da sua companheira (que nada viu), que trataram-se de depoimentos condicionados, e de ambos terem interesse no desfecho da causa.

  1. – Apesar de no nosso sistema penal vigorar o princípio ínsito no artigo 127.º do C.P.P., que a prova é apreciada segundo as regras de experiência e a livre convicção da entidade competente, entendemos, todavia, que tal regra não se confunde com a apreciação arbitrária, discricionária ou caprichosa de prova, de todo em todo imutável.

  2. – Julgamos que a apreciação que fez de prova produzida em audiência de julgamento o foi manifestamente de forma arbitrária e discricionária, em violação do disposto no artigo 121.º do C.P.P..

  3. – E, em caso de condenação, sabendo que os danos causados no arguido o foram por causa da conduta do arguido Daniel, e do seu filho Daniel, e não se apurando em tribunal a medida em que cada uma dessas condutas contribuiu para a extensão daqueles danos, deve entender-se que ambas contribuíram em igual medida e, por conseguinte, também cada uma deve ser responsável por metade dos prejuízos causados e, em consequência, o arguido D...ser tão-somente condenado a pagar metade dos danos peticionados pelos hospitais e pelo demandante.

  4. – Pela prova produzida em audiência de julgamento, atentos os depoimentos do arguido D…, de M..., das demais testemunhas, jamais o arguido devia ser condenado pelos crimes de que vem acusado, pelo menos; 6.ª – A prova produzida é quanto a nós susceptível de criar no espírito do julgador um estado de espírito de dúvida razoável, conducente à absolvição do arguido com base no princípio in dubio pro reo.

  5. – A condenação do arguido D...assenta, por conseguinte, única e simplesmente nas declarações do queixoso, que apresenta uma justificação desconexa e descontinuada de nulidade e das regras de experiência como para as lesões deste. Apresenta um depoimento falsíssimo que não vence o descrédito formal que o seu estatuto de ofendido, não vinculado à verdade, implica.

  6. – Não se verificam ainda os elementos objectivos e subjectivos dos tipos legais de crime de que vem acusado.

  7. – Deve, por isso, o arguido ser absolvido dos crimes de que vem acusado, com o que se fará Violaram-se assim os artigos 127.º, 340.º, n.º 2, 375.º, do C. P. Penal, artigo 47.º e 71.º, do CP.

Pelas razões atrás expostas deve dar-se provimento ao presente recurso, com o que se fará justiça!*5.

Apenas o Magistrado do Ministério Público respondeu ao recurso, que finalizou conclusivamente nos seguintes termos: 1. Tendo o arguido impugnado a sentença recorrida quanto à matéria de facto mas não obedecendo a sua motivação aos requisitos previstos no artigo 412.º, n.ºs 3 e 4, do Código de Processo Penal, deve o recurso, nessa parte, ser rejeitado.

  1. Uma leitura atenta da motivação de recurso apresentada pelo arguido, em particular das conclusões que delimitam o objecto/âmbito do recurso, não pode deixar de nos levar a concluir que não vem invocado qualquer um dos vícios previstos no artigo 410.º, n.º 2, do Código de Processo Penal.

  2. Salvo melhor opinião, a douta sentença recorrida não padece de qualquer um desses vícios, nem os mesmos ressumam do texto da decisão recorrida.

4 – O Tribunal ad quo fez correcta aplicação do princípio da livre apreciação da prova, não merecendo a decisão alcançada qualquer reparo quanto à apreciação da prova.

5 – Não existe, in casu, lugar à aplicação do princípio in dubio pro reo, sendo certo que, face à factualidade dada como provada, estão preenchidos todos os elementos típicos dos crimes de ofensa à integridade física e ameaça que vinham imputados ao arguido.

Termos em que, e nos demais que (…) se suprirão, não se deverá dar provimento ao recurso interposto pelo arguido, mantendo-se integralmente a decisão recorrida, por tal corresponder in casu a um acto conforme à justiça.

*6.

Neste Tribunal da Relação, o Ex.mo Procurador-Geral Adjunto, louvando-se na resposta ao recurso apresentada pelo M.º P.º no tribunal de 1.ª instância, elaborou parecer, a fls. 464/465, com o conteúdo infra transcrito (na parte que temos como relevante): «Com efeito, também, em nossa opinião, o recurso deve ser rejeitado, na parte em que impugna a matéria de facto, em virtude do recorrente não ter dado cabal cumprimento ao estatuído no art. 412.º, n.ºs 3 e 4 do CPP..

Quanto à impugnação da matéria de direito, os argumentos do recorrente são tão frágeis e imprecisos que nos dispensamos de dizer algo mais, para além do que consta da resposta, para a qual tomamos a liberdade de remeter.

Termos em que, sem necessidade de outros considerandos, somos de opinião que o presente recurso interposto não merece provimento».

* 7.

Cumprido o n.º 2 do artigo 417.º, do Código de Processo Penal, quer o arguido quer os demandantes não exerceram o seu direito de resposta.

* 8.

Colhidos os vistos legais, foi o processo à conferência, cumprindo agora apreciar e decidir.

* II. Fundamentação: 1. Poderes cognitivos do tribunal ad quem e delimitação do objecto do recurso: Conforme Jurisprudência constante e pacífica, são as conclusões extraídas pelos recorrentes das respectivas motivações que delimitam o âmbito dos recursos, sem prejuízo das questões cujo conhecimento é oficioso, indicadas no art. 410.º, n.º 2, do Código de Processo Penal.

Tendo em conta as conclusões formuladas pelo recorrente, resumem-se ao seguinte quadro as questões submetidas à apreciação deste Tribunal: A) Alterabilidade da matéria de facto provada; B) Violação do princípio in dubio pro reo; C) Se se verificou violação do preceitos legal contido no artigo 127.º, do CPP; D) Se o arguido deve ser absolvido dos crimes que lhe estão imputados, por a matéria de facto dada como provada na sentença recorrida não preencher os tipos objectivos e subjectivos dos crimes de ofensa à integridade física e ameaça; E) Se, a manter-se a condenação do arguido na vertente estritamente penal, a condenação relativa aos pedidos de indemnização civil deve reduzir-se para metade.

*2.

Na sentença, foram dados como provados os seguintes factos (transcrição): 1. No dia 7 de Julho de 2007, cerca das 22 horas, na localidade de …, em Viseu, o arguido após uma troca de palavras com o L..., surpreendeu o mesmo pelas costas e desferiu-lhe um murro na face; 2. Após, o arguido proferiu ameaças dirigidas ao L... dizendo-lhe que o havia de matar e que lhe passava o carro por cima, o que fez e além do mais ao mesmo tempo que com o jipe avançava e recuava na direcção do ofendido; 3. De seguida, o arguido foi buscar uma retroescavadora e dirigiu-se com a mesma em direcção ao L... e ao carro deste, no interior do qual se encontrava a companheira deste; O arguido parou a máquina junto do veículo, desceu da mesma e julgando que o ofendido se encontrava no seu interior, disse à companheira deste: “Você está aqui, o seu marido teve sorte, se...

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