Acórdão nº 48/09.0TAVGS.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 14 de Julho de 2010

Data14 Julho 2010
ÓrgãoCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)
  1. Relatório: 1.

No âmbito dos presentes autos, registados sob o n.º 48/09.0TAVGS, que correm termos na Comarca do Baixo Vouga (Vagos – Juízo de Média Instância Criminal), através de despacho judicial proferido em 12 de Março de 2010, foi rejeitada a acusação deduzida pelo Ministério Público contra o arguido J..., por ter sido considerada manifestamente infundada, à luz do disposto no artigo 311.º, n.º 2, alínea a) e n.º 3, alínea d), do Código de Processo Penal.

*2.

Inconformado, o Ministério Público interpôs recurso, extraindo da respectiva motivação as seguintes (transcritas) conclusões: 1.ª – O Ministério Público deduziu acusação contra o arguido J..., imputando-lhe a prática do crime de desobediência, previsto e punido pelo artigo 348.º, n.º 1, alínea b), do Código Penal.

  1. – Por douto despacho de fls. 78 a 83, a Mma. Juiz a quo rejeitou a acusação público deduzida pelo Ministério Público por manifestamente infundada.

  2. – Decorre dos elementos carreados para os presentes autos que, na sentença proferida nos autos de Processo Especial Abreviado n.º 86/07.7GAOBR, foi cominada com o crime de desobediência a falta da entrega da carta de condução pelo arguido, no prazo de dez dias após o trânsito, trânsito esse que ocorreu.

  3. – Com o trânsito em julgado da sentença dos autos de Processo Especial Abreviado n.º 86/07.7GAOBR, consolidaram-se na ordem jurídica todos os efeitos penais dali decorrentes, nos termos do artigo 467.º, n.º 1, do Código de Processo Penal.

  4. – Não devia o Tribunal considerar não ser legítima nem emanar de autoridade competente aquela cominação com a prática de um crime de desobediência, nos termos do art. 348.º, n.º 1, alínea b), do Código Penal, pela falta de entrega da carta de condução no prazo de dez dias após o trânsito.

  5. – Não será de efectuar uma interpretação minimalista do artigo 348.º, n.º 1, aliena b), do Código Penal, pois, caso contrário, estar-se-ia a esvaziar a norma nos casos em que a advertência é feita, como o foi na sentença condenatória proferida no Processo Especial Abreviado n.º 86/07.7GAOBR, a fim de garantir o cumprimento da pena acessória por parte do arguido e, nessa medida, proteger a autonomia intencional do Estado de Direito.

  6. – O crime de desobediência consumou-se com a omissão do acto determinado, consubstanciada, in casu, com a falta de entrega da carta de condução pelo arguido no prazo de dez dias após o trânsito.

  7. – Se se entender que não é legítimo cominar a falta de entrega da carta de condução com a prática do crime de desobediência e se o arguido recusasse a entrega da carta perante a autoridade policial, nos termos do artigo 500.º, n.º 3, do Código de Processo Penal, não haveria quaisquer consequências para o incumprimento.

  8. – Com efeito, se o Tribunal não puder, desde logo, no acórdão condenatório, cominar com a prática de crime a falta de entrega da carta de condução, também a autoridade policial, num segundo momento que viesse a ocorrer e na sequência do artigo 500.º, n.º 3, do Código de Processo Penal, não poderia cominar com tal crime a eventual e reiterada falta de entrega daquele documento por parte do arguido perante as autoridades policiais.

  9. – A conduta do arguido de não entrega voluntária da carta e não se logrando proceder à apreensão daquele documento nos termos do artigo 500.º, n.º 3, do Código de Processo Penal, cominaria na ausência de quaisquer consequências para a recusa do arguido em cumprir a pena acessória a que está obrigado.

  10. – A eventual recusa de o arguido cumprir com a pena acessória, traduzida na falta da entrega da carta de condução, parece-nos ser merecedora de suficiente dignidade a valorar em termos penais, pois, a assim não ser, equivaleria a admitir-se a possibilidade de deixar à consideração do arguido a decisão de cumprir ou não com tal pena acessória, ou de cumpri-la apenas quando entendesse.

  11. – A cominação com o crime de desobediência obsta à pretensão do arguido que pretenda subtrair-se ao cumprimento da pena acessória em que foi condenado por acórdão e reforça a confiança da comunidade na validade da norma penal violada.

  12. – Termos em que deve ser concedido provimento ao presente recurso, revogando-se o douto despacho recorrido, por violar o disposto nos artigos 348.º, n.º 1, alínea b), do Código Penal, e 311.º, n.ºs 1, 2, alínea a), e 3, alínea b), do Código de Processo Penal, e ordenando-se a sua substituição por outro a determinar o recebimento da acusação e a designação de data para a audiência.

Pelo que, dando provimento ao recurso interposto, revogando o despacho recorrido e ordenando a sua substituição por outro a determinar o recebimento da acusação pública proferida e designação de data para a audiência, Vossas Excelências farão, como sempre, a costumada justiça!*3. O arguido não respondeu ao recurso.

*4.

Nesta Relação, o Exm.º Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer nos termos infra transcritos: «(…).

Eis a nossa posição.

O que, em suma, defende o M. P.º é que os factos acusados integram o aludido crime.

Porém, desde que a questão foi posta neste Tribunal de recurso, temos seguido a interpretação que é vertida na sentença impugnada, de acordo com a qual a nossa lei penal, ao regular a execução de uma pena complementar ou acessória de proibição de conduzir, não prevê nem sanciona como crime de desobediência a não entrega, pelo condenado, no prazo de 10 dias que lhe é concedido para tal, do título respectivo.

(…).

O preceito que regula a execução da proibição de conduzir em casos como o dos autos não sanciona com o crime de desobediência a falta de entrega da carta de condução: estabelecendo-se no art. 500.º do CPP, aliás em consonância com o estatuído no art. 69.º do CP, que, no prazo de dez dias a contar do trânsito em julgado da sentença, o condenado procede à entrega na secretaria do tribunal ou em qualquer posto policial, que a remete àquela, a licença de condução, se a mesma não se encontrar já apreendida no processo (n.º 2 do preceito), no seu n.º 3 o que se determina é que se o condenado na proibição de conduzir veículos motorizados não proceder de acordo...

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