Acórdão nº 6134/05.8TBSTS.P1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 22 de Junho de 2010
Magistrado Responsável | FONSECA RAMOS |
Data da Resolução | 22 de Junho de 2010 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
S Privacidade: 1 Meio Processual: REVISTA Decisão: CONCEDIDA A REVISTA Sumário : I) A mora do devedor cessa se; houver acordo das partes; purgação da mora; se for transformada em incumprimento definitivo – art. 808º, nº1, do Código Civil – havendo perda de interesse do credor, ou se a prestação não for realizada num prazo suplementar razoável que for fixado pelo credor – interpelação admonitória.
II) Inexistindo mora, em caso de prazo não peremptório e não existindo incumprimento definitivo nos termos preditos, não há, em regra, justificação legal para resolução do contrato.
III) Deve considerar-se, em homenagem ao princípio do pontual cumprimento dos contratos – art. 406º, nº1, do Código Civil – e à confiança que os contraentes depositam no cumprimento das prestações recíprocas, que constitui fundamento para a resolução do contrato a violação grave do princípio da boa-fé, que abrange os deveres acessórios de conduta, sobretudo nos casos em que o comportamento do devedor evidencie uma clara e inequívoca vontade de não cumprir.
IV) Esta clara vontade de não cumprir pode não ser expressa, admite-se que possa resultar de um declaração negocial tácita, de comportamentos concludentes apreensíveis pela actuação da parte inadimplente, em função dos deveres coenvolvidos na sua prestação, sendo de atender ao grau e intensidade dos actos por si perpetrados na inexecução do contrato, desde que objectivamente revelem inquestionável censura, não sendo justo que o credor – por mais tolerante que tenha sido na expectativa do cumprimento – esteja atido à vontade lassa do devedor.
V) No caso dos autos tem-se por inquestionável que a actuação dos RR., promitentes-vendedores, revela definitiva vontade de não cumprir; desde logo, pelo facto de terem recebido desde há mais de sete anos o preço total do prometido contrato de compra e venda; a incumbência de marcarem a escritura pública o que não fizerem desde 1998; o facto de terem assumido o compromisso de prometerem vender o imóvel livre de ónus e encargos e, entretanto, terem deixado que o prédio fosse alvo de hipoteca judicial a favor de terceiro, acentuando o risco do direito do promitente-comprador.
VI) Tal comportamento lesivo do princípio da boa fé e do pontual cumprimento contratual é incompatível com a intenção de cumprir o contrato que, por isso, se deve considerar definitivamente não cumprido, assistindo aos promitentes-compradores direito de retenção, nos termos dos arts. 755º, nº1, f) e 442º, nº2, do Código Civil, pelo crédito do dobro do sinal prestado.
Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça AA instaurou, em 9.12.2005, na comarca de Santo Tirso – 1ª Juízo Cível – acção declarativa de condenação com processo ordinário, contra: BB e mulher, CC.
Pedindo que se declare resolvido o contrato-promessa celebrado entre o Autor e os RR., condenando-se estes a pagarem àquele € 89 783,62, declarando-se, por outro lado, que o Autor tem direito de retenção sobre o prédio prometido vender, até integral pagamento daquela quantia.
Fundamentando a respectiva pretensão, alegou, relevantemente: Celebrou, em 06.07.98, um contrato-promessa de compra e venda com os RR., reportado a um prédio rústico, com a referência no registo predial 547/170200, tendo, no mesmo, sido estabelecido o preço de € 44 891,81, que pagou integralmente aos RR.
Os RR. obrigaram-se a vender o prédio livre de ónus e de encargos; Na data da celebração do contrato-promessa, recebeu dos RR. a posse do prédio e, desde então, vem gozando e fruindo todas as utilidades do prédio e suportando os respectivos encargos, limpando o mato nele existente e procedendo ao corte de árvores, o que faz à vista de toda a gente, sem oposição de quem quer que seja, ininterruptamente e na convicção de exercer direito próprio de propriedade; Nos termos do contrato-promessa, os RR. estavam obrigados a marcar a escritura, o que não fizeram em virtude de, então, os RR. não terem o prédio registado, garantindo os RR. que o fariam em poucos meses; Apesar da insistência do Autor, até ao momento, nunca o fizeram, alegando sempre dificuldades em fazer o registo; O Autor, há dias, tomou conhecimento que sobre o prédio pendia uma hipoteca judicial para garantir verba até € 14 485,19 e que o prédio já estava registado, a favor dos RR., desde o ano de 2000; Interpelados, os RR. nem marcam a escritura, nem desoneram o prédio, estando o A. impedido de o disponibilizar, nomeadamente para o alienar ou nele construir; Mais recentemente, o Autor tomou conhecimento de que sobre o prédio pende uma penhora no valor de € 20 661,55; Face à inércia dos RR., o Autor deixou de ter interesse na manutenção do negócio e tem direito a ver resolvido o contrato-promessa, recebendo o dobro do que já pagou, bem como tem o inerente direito de retenção do prédio.
Contestaram os RR. para concluírem que a acção deve ser julgada improcedente, por não provada, aditando: A não fixação, no contrato-promessa, da data da celebração da escritura deveu-se ao facto de a partilha em que o prédio iria ser adjudicado aos RR. não estar realizada, nem se prever quando o seria; Não são verdadeiras algumas alegações do Autor.
Não houve réplica.
Foi proferido despacho saneador tabelar, com subsequente enunciação da matéria de facto tida por assente e organização da pertinente base instrutória (B.I.), de que, com êxito, reclamou o Autor.
*** A final, foi proferida (em 03.12.08) sentença que, julgando improcedente a acção, absolveu os RR. do pedido.
*** Inconformado, o Autor recorreu para o Tribunal da Relação do Porto, que, por Acórdão de 16.12.2009 – fls. 426 a 438 – negou provimento ao recurso [posto que com fundamentação que afirmou em nada ser coincidente com a decisão recorrida].
*** De novo inconformado, recorreu o Autor para este Supremo Tribunal de Justiça e, alegando, formulou as seguintes conclusões: 1) - Apesar de no contrato...
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