Acórdão nº 806/03.TBMGR.C1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 17 de Junho de 2010

Magistrado ResponsávelFONSECA RAMOS
Data da Resolução17 de Junho de 2010
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

S Privacidade: 1 Meio Processual: REVISTA Decisão: NEGADA A REVISTA Sumário : I) – “Concorrência desleal”, como refere a Convenção da União de Paris, é o “acto de concorrência contrário aos usos honestos em matéria industrial ou comercial”, desregulador do bom funcionamento do mercado, permitindo que terceiros se aproveitem dos investimentos e do trabalho efectuados por uma empresa.

II) – Os agentes económicos no processo de captação de clientela, em competição com os seus concorrentes, devem agir com honestidade, correcção e consideração pelos interesses e direitos, não só dos seus concorrentes, como também dos consumidores, o que mais não é que agir de boa-fé.

III) – A lealdade na concorrência implica a adopção de práticas honestas, já que a propriedade industrial deve considerar-se expressão da propriedade intelectual, por abranger elementos de cariz imaterial, que integram o estabelecimento comercial com as suas marcas, invenções, patentes, modelos, desenhos industriais, logótipos, etc.

IV) – A imitação ou a confundibilidade das marcas pressupõe, um “confronto”, de modo a que se possa concluir, ou não, sobre se os produtos que as marcas assinalam são idênticos ou afins, ou despertam, pela semelhança dos seus elementos, a possibilidade de associação a outros produtos ou marcas já existentes no mercado propiciando efectiva confusão, ou criando esse risco.

V) - A imitação de produtos ou marcas industriais deve ser apreciada casuisticamente e ter em conta uma impressão de conjunto, na perspectiva do consumidor médio, sendo de ponderar que se há produtos e marcas em que o génio criativo, desde logo se evidencia, ao ponto de comparadas, se poder imediatamente afirmar uma clara dissemelhança, outros há que pelas suas características e finalidades, difícil é exigir uma evidente inovação que afaste qualquer risco de imitação ou de confusão.

VI) – Tendo sido decretada apreensão de “cadeiras de estádio” da 3ª Ré, no contexto de procedimento cautelar requerido pela Autora que considerava imitado um seu modelo, não se provando que tivesse sido temerário o recurso a esse meio de tutela preventiva, o facto da Relação ter revogado a decisão da 1ª Instância, não permite afirmar censurabilidade seja ela substantiva – culpa in agendo – que seria punível nos termos do art. 390º, nº1, do Código de Processo Civil – ou litigância de má-fé, por não se demonstrar que a Autora, enquanto requerente cautelar, tenha agido sem a prudência normal, pelo que também não deve ser condenada a indemnizar pretensos prejuízos, a liquidar em execução de sentença, emergentes da referida apreensão.

VII) – A ofensa ilícita do bom nome, reputação, ou crédito de pessoa colectiva constitui o agente no dever de indemnizar, verificados os requisitos do art. 483º, nº1, do Código Civil – aplicáveis à responsabilidade extracontratual – e, não discriminando a lei entre pessoas colectivas de fim lucrativo (sociedades) ou não lucrativo (mormente, associações e fundações), descabido é considerar que só a violação do direito destas importa ilicitude.

Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça D...2-Desenvolvimento e Engenharia de Moldes, Lda. intentou, em 8.3.2003, pelo Tribunal Judicial da Comarca da Marinha Grande – 3ª Juízo Cível – acção declarativa de condenação com processo ordinário, contra: 1ª- S... - Sociedade Industrial Metalúrgica, Lda; 2ª- P... - Plásticos e Testes, Lda; 3ª- C... - Tecnologia de Plásticos, Lda; 4ª- E...S...-Comercialização de Equipamentos Desportivos Representações, Lda.

Pedindo a condenação das Rés a: "Abster-se, definitivamente, de utilizar, sob qualquer forma, fabricar ou comercializar o molde de cadeiras de estádio e as cadeiras de estádio fabricadas com o mesmo, que constituem uma cópia servil das cadeiras de estádio modelo “Tejo”, da Autora; "Pagar à autora uma indemnização por danos patrimoniais que, neste momento, se computam em € 25.530, devendo o montante final ser apurado mediante a análise da escrituração mercantil das 3ª e 4ª rés, e danos não patrimoniais estimados, também neste momento, em € 25.000,00, devendo o Tribunal, no seu justo e alto critério, fixar a quantia definitiva, ao abrigo do disposto no artigo 496°, nº3, do Código Civil".

Em apoio das suas pretensões alegou, em síntese, que: - A autora, no exercício da sua actividade comercial, após "elevados investimentos" e no culminar de um "árduo" e "meritório trabalho" de engenharia de moldes para o fabrico de cadeiras de estádio, criou uma determinada cadeira de estádio, que denominou de "cadeira Tejo"; - O modelo dessa cadeira foi fabricado pela autora, a partir de um molde que foi criado e desenvolvido, para a mesma, pelos seus sócios e gerentes, remontando o início do processo de criação de tal cadeira ao ano de 1991 e havendo terminado em 5-8-1995; - Acabado o projecto dessa cadeira, a autora encomendou à 1ª ré o fabrico do seu molde, em 18-10-1995; para o efeito, forneceu-lhe os desenhos de artigo e o modelo da cadeira necessários ao fabrico do referido molde, assim como as “especificações técnicas” e “as normas a cumprir”; - O fabrico do pretendido molde comportou vários acertos, tendo sido concluído em 14.6.1996 e havendo o molde sido entregue, pela 1ª Ré à Autora, no dia 21 desse mês; - A cadeira “Tejo” apresenta um original e característico design, um particular, distinto e atraente aspecto estético, comportando uma ranhura central e pontos de fixação centrais, e constitui, do ponto de vista estético, um original produto; - Na posse do aludido molde, a autora iniciou a comercialização das mencionadas cadeiras, em 4.9.1996, as quais tiveram enorme sucesso comercial, tendo passado a ser imediatamente associadas à autora, no âmbito do mercado das cadeiras para equipamento de estádios e de pavilhões desportivos, pela originalidade do seu design; - Em Junho de 2002, nas instalações da 1ª Ré, foi observado um molde, já na sua fase final de construção, rigorosamente igual ao molde que a autora lhe tinha encomendado, em 1995; mais foi confirmado que esse molde é uma cópia flagrante do molde criado e desenvolvido pela autora para o fabrico da sua cadeira Tejo; - Foi, ainda, apurado que esse molde havia sido encomendado pela 2ª Ré; - Em Outubro de 2002, foi alertada para a existência de cadeiras de estádio exactamente iguais às suas cadeiras de estádio Tejo a equipar determinadas infra-estruturas desportivas, havendo apurado que tais cadeiras haviam sido fabricadas pela 3ª Ré, que tinha na sua posse o aludido molde; - Mais sabe a autora que a 3ª Ré procurou outras empresas e empresários de equipamentos desportivos, designadamente um cliente seu, para poder vender as referidas cadeiras, as quais foram, ainda, comercializadas pela 4ª Ré.

Concluiu que o comportamento das rés consubstancia, em relação à autora, “manifesta concorrência desleal, consistindo a actuação daquelas na prática de actos de confusão, que são proibidos pelo artigo 260°, alínea a), do Código da Propriedade Industrial”.

Mais defendeu que a tal conclusão não obsta a circunstância de o modelo da cadeira “Tejo” não se encontrar patenteado, pois a verificação da concorrência desleal não depende da existência de um direito privativo de propriedade industrial.

Disse, seguidamente, a autora pretender ser ressarcida dos elevados prejuízos que as rés lhe causaram, com fundamento no mecanismo da responsabilidade civil – artigos 483°, nº 1, e 497°, nº 1, do Código Civil –, tendo para tal alegado, em suma, que: - A actuação das rés, especialmente da 3ª e 4ª rés, acaba por comportar um desvio de clientela em relação à autora, o que dificulta de forma grave o desenvolvimento da sua actividade no mercado; - Em virtude da actuação das rés, a autora deixou de vender, pelo menos, 2.993 cadeiras (aqui computando, designadamente, as que foram apreendidas no âmbito do procedimento cautelar apenso e que "obviamente se destinavam a satisfazer uma encomenda da qual a autora foi afastada"), ao preço unitário de € 9,48, assim perfazendo tal prejuízo € 25.530,00; - A tal acresce que a perda de clientela da autora, causada pelas rés, e o facto de estas terem dificultado de forma grave o desenvolvimento da sua actividade no mercado, constituem danos não patrimoniais a indemnizar, computados parcimoniosamente em € 25.000,00.

As rés contestaram.

As 1ª, 2ª e 3ª rés impugnaram parte dos factos alegados pela autora, quer dos referentes à criação e concepção do molde da cadeira "Tejo" – que defenderam não serem àquela atribuíveis –, quer os atinentes à novidade do modelo dessa cadeira – que defenderam não existir, pois o modelo de tal cadeira foi copiado de outros, pré-existentes –; quer os respeitantes às alegadas actuações desonestas das rés – que, motivadamente, defenderam não se haverem verificado. Referiram, ainda, serem diferentes ambas as cadeiras aqui em causa – a cadeira "Tejo", comercializada pela autora, e a cadeira "Elegance", comercializada pela ré C..., Lda. – diferenças essas que se verificam quer ao nível dos respectivos moldes, quer das próprias cadeiras – nos termos que melhor discriminaram. Concluíram pela improcedência do seu pedido.

Em sede de reconvenção, pediram o pagamento, pela autora: - À ré C..., de uma indemnização por danos patrimoniais que se computam em € 251.441,25 e danos não patrimoniais que se fixam em € 80.000"; -À ré C..., uma indemnização pelos prejuízos sofridos que se vier a liquidar; - À ré S..., uma indemnização pelos prejuízos sofridos no montante de € 15.000; - À ré P..., uma indemnização por prejuízos sofridos no montante de € 15.000.

Para alicerçar esses seus pedidos, alegaram as rés, em síntese, que: A ré C..., Lda. “investiu muito do seu tempo e dos meios económico-financeiros de que dispunha para poder fabricar as cadeiras de estádio “Elegance”; - A “actuação ilícita da autora” – ao, através desta acção, visar manter “desleal e ilicitamente o monopólio do mercado”, sem que tenha qualquer “título privativo de propriedade industrial que lhe conceda...

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