Acórdão nº 501/08.2JACBR.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 26 de Maio de 2010

Data26 Maio 2010
ÓrgãoCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

pág. 26 Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra, Secção Criminal.

No processo supra identificado foi proferida sentença que julgou parcialmente provada e procedente a acusação deduzida contra o arguido: A, divorciado, reformado, natural de … Carregal do Sal, nascido a 01-…-1933, filho de M e de Ol com última residência em Portugal na Rua ,,, Barreiro e nos Estados Unidos da América ….

Sendo decidido: - Condenar o arguido pela prática de um crime de abuso sexual de criança, previsto e punido pelo artigo 171, n° 1, do Código Penal, na pena de três (3) anos de prisão.

- Suspender a execução desta pena de prisão ao arguido pelo prazo de três anos.

A suspensão fica subordinada ao pagamento pelo arguido à vítima ZA da indemnização abaixo fixada e respectivos juros de mora, no prazo de seis (6) meses a contar da prolação desta decisão.

- Julgar parcialmente provado e procedente o pedido de indemnização civil e condenamos o demandado A a pagar uma compensação de quinze mil euros (€15.000) por danos não patrimoniais à demandante ZA, acrescida de juros de mora à taxa legal desde a notificação para contestar até real embolso.

- Absolver o demandado do pedido quanto a danos futuros.

***Inconformado interpôs recurso, o Magistrado do Mº Pº: São do seguinte teor as conclusões, formuladas na motivação do seu recurso, e que delimitam o objecto do mesmo: 1- Recorre-se do douto acórdão deste Tribunal de Círculo da Figueira da Foz, de 19-01-2010, constante dos autos de Processo Comum Colectivo n° 501/08.2JACBR, do 2° Juízo, do Tribunal Judicial de Cantanhede, 2- que condenou o arguido A, pela prática de um crime de abuso sexual de crianças, do artigo 171, n° 1, do Código Penal, na pena de 3 (três) anos de prisão, e cuja execução, ao abrigo do disposto nos artigos 50 e 51, ambos do Código Penal, se decidiu suspender pelo correspondente período de três anos, ficando, porém a suspensão subordinada ao pagamento pelo arguido à menor ofendida da indemnização aí fixada.

3- Entende-se, por um lado, que o douto acórdão proferido omitiu factos provados e/ou não provados e não se pronunciou sobre factos concretos da acusação relevantes para a boa decisão da causa, o que acarreta a nulidade da decisão, nos termos do artigo 379°, do Código de Processo Penal, nulidade essa que aqui expressamente se argúi.

4- Na verdade, consta da acusação deduzida pelo Ministério Público contra o arguido A no ponto 7°, que no dia 18 de Outubro de 2008, à noite, "...quando a menor se encontrava num dos quartos da casa a escrever uma mensagem, o arguido foi ter com a menor, agarrou-a, deitou-a em cima da cama e meteu a mão no interior das calças e cuecas, introduzindo os dedos na vagina da menor, ao mesmo tempo que a tentava beijar na boca".

5- Sucede que no douto acórdão ora em recurso deu-se como provado que "em 18 de Outubro de 2008, à noite, quando a menor se encontrava num dos quartos da casa a escrever uma mensagem, o arguido foi ter com a menor, agarrou-a, deitou-a em cima da cama e meteu a mão no interior das calças e cuecas dela, tocando com os dedos na vagina da menor".

6- Quanto ao facto concreto, constante da acusação, de o arguido ter nessa ocasião introduzido os dedos na vagina da menor, o tribunal não se pronunciou.

7- Com efeito, não deu tal facto nem como provado, nem como não provado, também não constando da fundamentação a razão por que não se considerou - supostamente - o mesmo provado, quando tal facto é mais do que relevante para a decisão da causa por da sua ocorrência depender a integração da factual idade imputada ao arguido no nº 1 do artigo 171 do Código Penal, ou no nº 2 desse mesmo artigo.

8- Ademais, na fundamentação de facto e de direito consignou-se que foram as declarações para memória futura prestadas pela menor ZA que contribuíram decisivamente para a convicção do tribunal, quando é certo que aquela sempre referiu que o arguido introduziu os dedos na sua vagina (cfr. declarações para memória futura referidas no auto de fls. 110 a 113 e respectiva gravação das suas declarações em audiência, minutos 5 a 15, 57 da segunda fase da gravação).

9- De resto, como igualmente se reconheceu no douto acórdão proferido, não é forçoso que o relatório pericial constate danos físicos, como a laceração do hímen, para se provar o abuso.

10- Deveria, pois, ter-se dado como provado que o arguido introduziu, nas circunstâncias descritas, os dedos na vagina da menor ZA e, consequentemente, condenar o arguido A pela prática de um crime de abuso sexual de crianças do artigo 171, nº 2, do Código Penal.

11- Entende-se, por outro lado, que deverá ser alterada a pena aplicada ao arguido.

12- Com efeito, mesmo que se considere que o douto acórdão proferido nos autos não padece de nulidades, nem de quaisquer vícios, e que face à matéria de facto fixada apenas se verifica a prática pelo arguido do crime do artigo 171, nº 1, do Código Penal, sempre discordaríamos frontalmente da pena de três anos de prisão aplicada ao arguido.

13- Face à moldura penal do crime de abuso sexual de crianças em apreço, a ilicitude - elevada - da conduta do arguido, à circunstância deste nunca ter assumido os factos por ele praticados ou denotado arrependimento, à culpa - elevada - revelada pela reiteração do seu comportamento, levado a cabo com dolo directo e intenso, com gravíssimo e hediondo desrespeito pela dimensão humana da menor ofendida - uma criança, na altura, com doze anos de idade que o via como se fosse seu avô -, e sobretudo às prementes necessidades de prevenção geral e especial que se fazem sentir, entendemos que deveria aplicar-se ao arguido uma pena de prisão de 5 (cinco) anos.

14- Muito embora também se entenda que no crime de abuso sexual de crianças, na tarefa de escolha da espécie da pena, a ponderação das necessidades de prevenção especial impedirá, em regra, a aplicação de pena suspensa, compreende-se que se opte pela suspensão da execução da pena de prisão, atendendo sobretudo à idade avançada do arguido, prestes a completar setenta e sete anos de idade.

15- De todo o modo, decidindo como decidiram e como se vê do que precede, violaram os M.mos Juízes recorridos, por erro de interpretação, os artigos 374 e 379 do Código de Processo Penal, 171, nº 2, 40 e 71, nºs 1 e 2, todos do Código Penal.

Deve o recurso ser provido e considerando a existência da referida omissão se declare nula a decisão objecto de recurso, nos termos do artigo 379 do Código de Processo Penal, ou, assim não se entendendo, se reforme o douto acórdão recorrido conforme o proposto, condenando-se o arguido A na pena de 5 (cinco) anos de prisão.

Responde o arguido A concluindo que, o recurso interposto deverá improceder, e confirmar-se in totum a decisão recorrida.

Nesta Instância, o Ex.mº Procurador Geral Adjunto, em parecer emitido, sustenta a procedência do recurso, entendendo que deveria ser dado cumprimento ao disposto no art. 358 do CPP, e entendendo que se verifica o vicio da contradição insanável entre a matéria de facto dada como provada e a fundamentação dos meios de prova que estiveram na base da convicção do tribunal e não omissão de pronúncia.

Foi cumprido o art. 417 nº 2 do CPP.

Foi apresentada resposta pelo arguido onde entende não se verificar o vício da contradição insanável e conclui pela improcedência do recurso e consequente manutenção da decisão.

Colhidos os vistos legais e realizada a conferência, cumpre decidir.

***Mostra-se apurada, a seguinte matéria de facto e motivação da mesma: PROVARAM-SE OS SEGUINTES FACTOS: O arguido mantinha com a avó da ZA uma relação sentimental, vivendo juntos como marido e mulher já algum tempo nos Estados Unidos; em Março de 2008 regressaram a Portugal, fixando residência na Rua …. Cantanhede.

A partir de Abril de 2008 a ZA passou a frequentar a casa da avó paterna, com mais assiduidade, pelo menos durante o dia, em virtude de o seu pai ter sido preso preventivamente.

Desde a sua fixação da residência em … que o arguido perseguia a menor, tentando "apalpar-lhe os seios", ao mesmo tempo que a tentava beijar na boca.

Em Abril de 2008, em dia que não foi possível determinar, o arguido dirigiu-se ao quarto da sua companheira, avó da menor e verificando que aí se encontrava a menor deitada a ver televisão, abeirou-se da mesma, deitou-se em cima dela, que se encontrava vestida com um pijama de homem, tendo "boxers" com uma abertura junto aos genitais, retirou o seu pénis e tentou inseri-lo na vagina da menor.

Em 18 de Outubro de 2008, à noite, quando a menor se encontrava num dos quartos da casa a escrever uma mensagem, o arguido foi ter com a menor, agarrou-a, deitou-a em cima da cama e meteu a mão no interior das calças e cuecas dela, tocando com os dedos na vagina da menor.

Ao actuar da forma descrita o arguido fê-lo livre e conscientemente, bem sabendo proibida a sua conduta.

Pretendeu praticar na ofendida, tendo pleno conhecimento da sua idade de doze (12) anos, actos sexuais abusivos, contra a autodeterminação daquela e para sua excitação e satisfação do instinto sexual, o que conseguiu.

O arguido não tinha erecção, por ter sido operado à próstata, devido a doença cancerígena.

Era um indivíduo calmo, simpático, aparentando bom carácter e apoiando familiares e amigos antes da ocorrência dos factos acima relatados.

Após a reforma continuou a trabalhar como mecânico de camiões e máquinas.

Em 2007 apresentou um rendimento ilíquido para efeitos fiscais de 10.833 dólares e em 2008 esse valor foi de 2.968 dólares.

Tem despesas domésticas de água, electricidade e gás.

Está actualmente perturbado, triste e deprimido, com a condição de arguido neste processo.

Nada consta do Certificado de Registo Criminal do arguido.

Em consequência da conduta do arguido a ZA teve pesadelos.

Dificuldade de dormir, medo de ir para a cama e de dormir sozinha.

Teve perda de apetite.

Ficou muito irritável.

Desejando faltar às actividades usuais.

Perdeu o interesse nas actividades da sala de aula.

Ficou com dificuldades de aprendizagem na escola, onde...

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