Acórdão nº 459/05.0GAFLG.G1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 19 de Maio de 2010

Magistrado ResponsávelFERNANDO FRÓIS
Data da Resolução19 de Maio de 2010
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

S Privacidade: 1 Meio Processual: RECURSO PENAL Decisão: NEGADO PROVIMENTO Sumário : I - Não pode ser tida em consideração a parte da motivação de recurso para o STJ quando o recorrente se limita a dar por reproduzida a motivação de facto e de direito do recurso que interpôs para o tribunal da Relação, esquecendo que agora se trata de um outro recurso, perante um outro tribunal e no qual tem – se assim o entender – que apresentar uma nova “motivação” concreta, não podendo aqui dar por reproduzida a motivação apresentada noutro tribunal.

II - Como decorre do estatuído no art. 374.º, n.º 2, do CPP, a fundamentação (da sentença) não se satisfaz com a simples enumeração dos meios de prova produzidos na audiência de julgamento, sendo necessário o exame crítico desses meios de prova. Tal exame servirá para convencer os interessados e a comunidade em geral, da bondade da decisão, ou seja, que no caso em apreço foi feita uma correcta aplicação da justiça.

III -Não dizendo a lei em que consiste o exame crítico das provas, esse exame tem de ser aferido com critérios de razoabilidade, sendo fundamental que permita avaliar cabalmente o porquê da decisão e o processo lógico-formal que serviu de suporte ao respectivo conteúdo. Porém, “a fundamentação da sentença, na parte que respeita à indicação e exame crítico das provas, não tem de ser uma espécie de “assentada” em que o tribunal reproduza os depoimentos das testemunhas ouvidas, ainda que de forma sintética, sob pena de se violar o princípio da oralidade que rege o julgamento” (cf. Ac. STJ de 07-02-2001, Proc. 3998/00 – 3.ª). Esse exame crítico das provas corresponde, no fundo, à indicação dos motivos que determinaram que o tribunal formasse a convicção probatória num determinado sentido, aceitando um e afastando outro, porque é que certas provas são mais credíveis do que outras, servindo de substrato lógico-racional da decisão.

IV -A norma do art. 374.º, n.º 2, do CPP não tem aplicação em toda a sua extensão, quando aplicada aos tribunais de recurso. Nomeadamente não faz sentido a aplicação da parte final de tal preceito (exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal) quando referida a acórdão confirmatório proferido pelo tribunal da Relação ou quando referida a acórdão do STJ funcionando como tribunal de revista. Se a Relação, reexaminando a matéria de facto, mantém a decisão da primeira instância, é suficiente que do respectivo acórdão passe a constar esse reexame e a conclusão de que, analisada a prova respectiva, não se descortinam razões para exercer censura sobre o decidido.

V - Alega o recorrente a omissão de pronúncia “sobre todas as questões colocadas e sobre a imputada incorrecção de julgamento da matéria de facto”. Só que, para além do tribunal não ter que se pronunciar sobre cada um dos argumentos invocados pelo recorrente, a verdade é que este não concretiza minimamente quais as questões colocadas e sobre as quais o tribunal não se pronunciou, sendo certo que não pode o recorrente limitar-se a dar por reproduzida na motivação deste recurso para o STJ a motivação de facto e de direito do recurso interposto para o Tribunal da Relação. Acresce que deve ter-se bem presente que mesmo no caso de recurso da matéria de facto para a Relação – como sucedeu no caso em apreço – a Relação não faz um segundo/novo julgamento.

VI -Por outro lado, o recorrente não concretiza neste recurso quais as partes ou segmentos do acórdão recorrido que não permitem perceber porque não explicitado o processo lógico-mental que esteve subjacente e presidiu à decisão. Antes se constata de forma manifesta que, na motivação e respectivas conclusões, o recorrente discorda da decisão do tribunal (quanto à matéria de facto) contrapondo a sua valoração e apreciação da prova àquela que foi feita pelo tribunal. Ou seja, o recorrente discorda da decisão da matéria de facto. Só que isso não constitui falta de fundamentação da decisão nem falta de exame (ou reexame) crítico da prova.

VII - Na verdade, resulta claro da motivação do recorrente que este, afinal, impugna a convicção adquirida pelo tribunal a quo sobre determinados factos, em contraposição com a que sobre os mesmos ele adquiriu em julgamento, esquecendo-se do princípio da livre apreciação da prova constante do art. 127.º do CPP.

VIII - É à luz das conclusões da motivação do recurso que este terá de apreciar-se, donde resulta que o essencial e o limite de todas as questões a apreciar e a decidir no recurso, estão contidas nas conclusões, exceptuadas as questões de conhecimento oficioso. E o conhecimento oficioso pelo STJ verifica-se por duas vias: uma primeira que ocorre por necessidade de indagação da verificação de algum dos vícios da decisão recorrida, previstos no art. 410.º, n.º 2, do CPP; e outra que poderá verificar-se em virtude de nulidade de decisão, nos termos do estatuído no art. 379.º, n.º 2, do mesmo diploma legal.

IX - Por outro lado, definindo os poderes de cognição do STJ, estatui o art. 434.º do citado CPP que, sem prejuízo do disposto no art. 410.º, nºs. 2 e 3, o recurso interposto para este Tribunal visa exclusivamente o reexame da matéria de direito. Após a reforma de 1998, o STJ pode conhecer dos vícios do art. 410.º, n.º 2, do CPP, não a pedido do recorrente, isto é, como fundamento do recurso, mas por iniciativa própria, para evitar que a decisão de direito se apoie em matéria de facto claramente insuficiente, ou fundada em erro de apreciação ou assente em premissas contraditórias, detectadas por iniciativa do STJ, ou seja, se concluir que, por força da existência de qualquer daqueles vícios, não pode chegar a uma correcta solução de direito e devendo sempre o conhecimento oficioso ser encarado como excepcional, surgindo como último remédio contra tais vícios.

X - E a decisão recorrida, considerada por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, não indicia erro grosseiro na decisão da matéria de facto, erro patente, que não escapa à observação do homem de formação média. Do texto da decisão recorrida não resulta de forma evidente uma conclusão contrária àquela a que o tribunal chegou. Analisando o texto da decisão recorrida só por si, sem recurso a quaisquer outros elementos que lhe sejam estranhos ou extrínsecos, não se indicia a existência de tal erro. E não integra esse vício a mera discordância do recorrente com a matéria de facto provada.

XI- No domínio dessa discordância estaremos, porventura, a falar de erro de julgamento, mas que não pode atacar-se com a invocação dos vícios previstos no art. 410.º, n.º 2 do CPP XII - O vício da contradição insanável da fundamentação tem que resultar apenas do texto da decisão recorrida, sem recurso a quaisquer outros elementos exteriores.

XIII - Tendo o arguido agido, como agiu, com intenção de tirar a vida à vítima e tendo, na execução desse plano previamente planeado, preparado um encontro com a vítima, após o que a empurrou, derrubando-a, lançando sobre ela gasolina e pegando-lhe fogo, abandonando o local quando aquela tinha as roupas a arder, deixando-a indefesa e impossibilitada de evitar a combustão rápida das roupas que vestia e de evitar as queimaduras que daí advinham, trata-se, sem dúvida, de circunstâncias que revelam enorme crueldade e especial perversidade, pelo que tais factos devem ser subsumidos ao crime de homicídio qualificado, nos termos do art. 132.º, n.ºs 1 e 2, als. c), g) e i), do CP.

XIV - O recorrente também expressa a sua discordância em relação ao que ficou provado, designadamente a propósito da intenção de matar que o tribunal a quo deu como provada. Estando em causa a determinação da intenção do agente, não cabe no âmbito do presente recurso uma tal reapreciação, por estar em causa matéria de facto.

XV - Para além disso, o recorrente entende que a interpretação que o tribunal recorrido faz dos arts. 70.º e 71.º do CP é inconstitucional, por violação do art. 32.º, n.º 1, da CRP, entendendo que o tribunal valorou contra o arguido o facto de este não ter prestado declarações, violando o direito à não incriminação e violando os princípios da presunção da inocência e da verdade material. Contudo, o que resulta do acórdão recorrido é que este considera que o direito ao silêncio é uma verdadeira garantia constitucional do arguido e, optando o arguido por tal postura, é evidente que o tribunal deixa de ouvir da sua própria boca a versão dos factos que lhe são imputados e pelos quais está a ser julgado. E, esse mesmo silêncio, impede também que o tribunal possa obter do próprio arguido o seu percurso ou conduta posterior aos factos, incluindo a “eventual reflexão sobre a antijuricidade e a rejeição firme da conduta desviante”. Sendo assim, não se vê que o acórdão recorrido tenha valorado o silêncio do arguido, em prejuízo deste.

XVI -O acórdão recorrido (do tribunal da Relação) tinha que apreciar a pena aplicada e, caso discordasse da mesma, fixar a que entendesse adequada e proporcional, indicando os fundamentos desta e os daquela discordância. No caso de a pena aplicada não merecer censura – como não mereceu – o acórdão recorrido apreciou as razões da discordância do recorrente com a pena aplicada, decidiu-as de modo bem perceptível e fundamentado e concordou com a pena aplicada, tendo explicitado as razões desta discordância, não lhe competindo fazer mais do que isso.

XVII - Actualmente, todos estão de acordo em que é susceptível de revista a correcção do procedimento ou das operações de determinação da medida concreta da pena, o desconhecimento pelo tribunal ou a errónea aplicação dos princípios gerais de determinação, a falta de indicação de factores relevantes para aquela ou, pelo contrário, a indicação de factores que devam considerar-se irrelevantes ou inadmissíveis.

XVIII - No caso em apreço, considerando que a moldura penal correspondente ao crime em questão é de pena de prisão de 12 a 25 anos e ponderando: - que a conduta do arguido se revela muito grave, sendo de enorme gravidade as...

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