Acórdão nº 128/05.0JDLSB-A.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 29 de Abril de 2010

Magistrado ResponsávelSOUTO MOURA
Data da Resolução29 de Abril de 2010
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

S Privacidade: 1 Meio Processual: RECURSO UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA Decisão: REJEITADO O RECURSO Área Temática: DIREITO PENAL - OPOSIÇÃO DE JULGADOS Doutrina: - SIMAS SANTOS e LEAL HENRIQUES, in “Recursos em Processo Penal”, pag. 183 e nota 189.

Legislação Nacional: CÓDIGO DE PROCESSO PENAL (CPP) : - ARTIGOS 187.º, N.ºS 1 E 4, 189.º, N.º 2, 437.º, E 441.º, N.º1.

Jurisprudência Nacional: ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL JUSTIÇA: - DE 23/04/1986, IN B.M.J. 356-272; - DE 11/10/2001, Pº 2236/01, DA 5ª SECÇÃO.

Sumário : I - O art. 437.º do CPP reclama, para fundamento do recurso extraordinário de revisão, a existência de dois acórdãos tirados sob a mesma legislação, que assentem em soluções opostas quanto à mesma questão de direito. Perfilada uma questão de direito, importa que se enunciem “soluções” para ela, que se venham a revelar opostas.

II - Se os dois acórdãos têm que assentar em soluções opostas, essa oposição deve além disso ser expressa e não tácita. Isto é, tem que haver uma tomada de posição explícita divergente quanto à mesma questão de direito. Não basta que a oposição se deduza de posições meramente implícitas, que estão para além da decisão final, ou que em cada um dos acórdãos esta tenha, só por pressuposto, teses diferentes.

III - Mas importa ainda que se esteja perante a mesma questão de direito. E isso só ocorrerá quando se recorra às mesmas normas, reclamadas para aplicar a uma certa situação fáctica, e elas forem interpretadas de modo diferente. Interessa, pois, antes de mais, que a situação fáctica se apresente com contornos equivalentes, naquilo que interessa ao desencadeamento da aplicação das mesmas normas.

IV - No recurso em foco não se trata de apreciar a bondade da decisão proferida no acórdão recorrido. Trata-se de verificar se aí se tomou uma posição, sobre uma questão de direito, em contradição com a posição que, sobre a mesma questão de direito, se tomou no acórdão fundamento.

V - Analisando o caso em apreço, desde logo são diferentes os factos, quanto aos meios de prova envolvidos, já que está em causa a localização de telefone celular e o registo de dados de tráfico no acórdão recorrido, e escutas telefónicas no acórdão fundamento. O grau de intromissão na privacidade da pessoa alvo destas medidas é muito diverso, bem como diferente é o contributo que as medidas aqui contrapostas podem dar, como prova indiciária.

VI - O n.º 2 do art. 189.º do CPP estende o regime das escutas do art. 187.º, n.ºs 1 e 4, à recolha de dados sobre a localização celular, e ao registo de realização de conversações, mas, para além de prever estas últimas em qualquer fase do processo, o preceito limita-se à questão da necessidade de ocorrer autorização judicial para que aqueles meios de prova possam ter lugar. Assim sendo, estando em causa a questão de saber qual a validade da prova que forneça “conhecimentos fortuitos” em ambos os casos, entende-se que não se deve enveredar por um regime igual, e que, pelo contrário, as situações não são equiparáveis.

VII - A posição que se defende vai no sentido de que o uso de conhecimentos obtidos através de localização celular, ou o registo de realização de conversações, não tem que estar sujeito às mesmas restrições que o uso de “conhecimentos fortuitos” obtidos através das escutas, o que inviabiliza, no caso, o preenchimento do requisito da oposição de julgados.

VIII - Acresce que, ambos os acórdãos têm a mesma posição quanto à questão de direito de saber, se pode ser usado como prova de um crime não mencionado no n.º 1 do art. 187.º do CPP, o resultado de interferências nas telecomunicações (ou dados que se supusessem equiparáveis, por força do art. 189.º, n.º 2, do CPP), que foram autorizadas sob a invocação de outro crime, esse sim contemplado no citado n.º 1 do art. 187.º.

IX - Em ambos os arestos em confronto, e perante esta questão, a posição que aflora é uma posição intermédia, segundo a qual os meios de prova são utilizáveis, para além do mais, desde que digam respeito ao crime para que foram autorizados, quando digam respeito a outro crime igualmente de catálogo, ou desde que digam respeito a crime que tenha uma conexão intrínseca, não meramente processual, com o crime para que foram autorizados.

X - É que a chave da posição comum aos dois acórdãos, quanto à questão de direito em foco, está na distinção entre “conhecimentos fortuitos” e “conhecimentos de investigação”, a que ambas as decisões se reportam. Distinção trabalhada pela doutrina e jurisprudência, e que ambos os acórdãos tiveram em conta, certo que, em nome dessa distinção, deve considerar-se vedada a utilização dos “conhecimentos fortuitos”, e autorizada a dos “conhecimentos da investigação”, sempre no condicionalismo em apreço.

Decisão Texto Integral: A – RECURSO AA interpôs recurso extraordinário para fixação de jurisprudência, ao abrigo dos nºs 1 e 2 do artº 437º do C.P.P., e concluiu a sua motivação como se segue: “1 – [O acórdão recorrido] decidiu que mesmo que o arguido não venha a ser condenado por um crime de catálogo, previsto no nº 1 do artigo 187º de CPP, podem, ainda assim, as intercepções telefónicas serem usadas como prova.

2 – Esta decisão está em oposição com uma outra proferida pelo Tribunal da Relação de Lisboa no processo 551/02.2 PWLSB.L1 da 5ª secção em 10.03.2009.

3 – No acórdão agora fundamento, perfilhou-se o entendimento precisamente contrário.

4 – Nestes dois doutos arestos decidiu-se a mesma questão fundamental de direito, sobre uma questão análoga de facto, sempre no âmbito da mesma legislação e assentando em soluções manifestamente opostas.

5 – Saber se a condenação por crime fora do catálogo do nº 1 do artigo 187º, é possível com o recurso a intercepções telefónicas inicialmente autorizadas para um crime aí previsto.

6 – Entendemos que deve ser fixada jurisprudência com o sentido do acórdão fundamento deste recurso, no sentido de que as intercepções telefónicas autorizadas tendo em vista um crime enquadrável no nº 1 do artº 187º do CPP, não podem ser usadas como prova se oarguido vier a ser condenado por crime fora daquele catálogo.” Acrescenta que se violaram os artºs 126º e 187º do CPP e que o recurso deve merecer provimento fixando-se jurisprudência no sentido propugnado.

Foi junta certidão do acórdão recorrido, com nota de trânsito em julgado, a 21/10/2009 (fls. 1), e, na sequência de promoção do Mº Pº nesse sentido, certidão do acórdão fundamento, com a nota de trânsito em julgado a 30/3/2009 (fls. 107).

O MºPº neste S.T.J. teve vista nos autos, ao abrigo do nº 1 do artº 440º do C.P.P., e pronunciou-se em sentido negativo quanto ao preenchimento dos pressupostos da prossecução do presente recurso, por, nas decisões postas em confronto, não haver oposição de julgados.

Referiu que, no Pº 551/02.2 PWLSB.L1 (do 1º Juízo Criminal da Comarca de Loures), fora autorizada a intercepção e gravação de escutas, por se investigar um crime de corrupção e só este, havendo depois lugar a uma acusação pelo crime de burla simples. Que essa acusação não fora recebida por se não poderem valorar tais intercepções, e interposto recurso da decisão, o Tribunal da Relação de Lisboa, no acórdão aqui fundamento, negou provimento a esse recurso, com a explicação de que não podiam ser aproveitados “conhecimentos marginais” ao objecto para que fora autorizada a intercepção. E que, se assim não fosse entendido, sempre se poderiam usar escutas para prova de qualquer crime, bastando que à partida se invocasse um crime de catálogo para sua autorização, crime esse que se abandonaria a seguir. Prosseguiu então dizendo: “(…) Bem diferente é a situação sobre que se debruçou o acórdão recorrido.

Como se refere a fls. 15, no momento em que foi ordenado pelo M° Juiz de Instrução, a junção aos autos da facturação detalhada relativa a telefones utilizados pelo arguido, estava sob investigação não só o crime de violação de segredo de justiça, que, atenta a moldura penal, não admitia tal meio de prova, mas crimes de corrupção, p. e p. nos artigos 372° e 374° do C. Penal, ambos puníveis com penas de prisão superiores a 3 anos.

Nestes termos, como logo a seguir se acrescenta, tais ordens judiciais respeitavam, na íntegra, o regime legal aplicável, atento o disposto no artigo 187° n° 1, a) do C. P. Penal - fls. 15.

Feito esse enquadramento, aborda-se, então a questão de saber se "aqueles meios de prova podem ser valorados, em sede de julgamento, mesmo quando o digno Ministério Público arquivou os autos no que toca aos aludidos crimes de corrupção".

E a conclusão que se extrai é a de que não se vislumbra qualquer proibição na valoração dos meios de prova em causa, tendo-se indeferido, consequentemente, a requerida proibição da valoração dos mesmos - cf. fls. 17-18.

Como aí se desenvolve: ..."não estando em causa conhecimentos fortuitos, porquanto não se trata de informações colhidas por escutas ou outros meios sujeitos ao mesmo regime, que extravasam o objecto de uma determinada investigação concreta, julga-se estar assim perante conhecimentos de investigação que podem e devem ser valorados em sede de julgamento.

Com efeito, como já se disse, a ordem judicial dada não enferma, pois, de qualquer vício formal ou material, sendo certo que estavam sob investigação crimes de violação de segredo de justiça conexos com eventuais crimes de corrupção...

No momento em que foram ordenadas a junção dos elementos em causa, ... encontravam-se preenchidos todos os requisitos materiais previstos no artigo 187° do C. P. Penal, tendo tal dispositivo legal sido formalmente respeitado. Não existiu assim qualquer violação da lei aplicável, ou seja, uma ingerência abusiva na esfera da reserva privada" (Sublinhei).

Assim sendo, a invocada oposição de julgados mostra-se, pois...

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