Acórdão nº 01113/09 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 20 de Maio de 2010

Magistrado ResponsávelMADEIRA DOS SANTOS
Data da Resolução20 de Maio de 2010
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam no Pleno da 1.ª Secção do Supremo Tribunal Administrativo: O Sindicato Nacional dos Trabalhadores das Administrações e Juntas Portuárias veio interpor o presente recurso para uniformização de jurisprudência do acórdão do TCA-Sul, que consta de fls. 264 e ss. destes autos, dizendo-o em oposição com um anterior aresto do mesmo tribunal, proferido em 3/4/2008, no processo n.º 3.421/08.

O recorrente terminou a sua alegação de recurso, formulando as conclusões seguintes: 1 - Salvo o merecido respeito verificam-se, positivamente, os requisitos legalmente fixados para a admissão do recurso para uniformização de jurisprudência previsto no art. 152º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.

2 - À APS-Administração dos Portos de Setúbal e Sesimbra foi, legalmente, atribuída a natureza jurídica de instituto público dotado de personalidade jurídica de direito público e de autonomia administrativa, financeira e patrimonial (cfr. “estatuto orgânico” aprovado pelo Decreto Lei n.º 376/89, de 25 de Outubro).

2.1 - A A…, sucedeu, “ope legis”, automática e globalmente à APS – Administração dos Portos de Setúbal e Sesimbra e continuou a personalidade jurídica desta (art. 2º, n.º 1, do Decreto Lei n.º 338/98, de 3 de Novembro). Assim, 2.2. A A…, continua a ser um instituto público (ainda que “inominado”, “atípico” ou “sui generis”). O que, 2.3. Apesar do seu nomen juris (isto é, sociedade anónima de capitais exclusivamente públicos), não é factor de perturbação. É que, 2.4. E por um lado, o capital social da A…, está integralmente subscrito e realizado pelo Estado e os direitos do Estado como accionista são exercidos por um seu representante, designado por despacho ministerial conjunto (art. 10º, ns.º 1 e 2, do Decreto Lei n.º 338/98 de 3 de Novembro).

2.5. Por outro lado, conforme assinalam credenciados autores, a natureza jurídica de um qualquer instituto não é ditada pelo vocábulo (mas, isso sim, pela sua disciplina normativa). Sendo que, 2.6. A jurisprudência constitucional assevera que o poliformismo das estruturas organizatórias e a pluralidade de pessoas colectivas públicas são um instrumento para prosseguir as tarefas da administração pública em sentido objectivo, como função ou actividade administrativa. Ora, 2.7. A A… tem legalmente poderes de autoridade – no exercício dos quais se rege por normas de direito público (art. 1º, n.º 3, do DL 338/98, de 3 de Novembro). O que, 2.8. É o caso quando exerce poderes de autoridade disciplinar nos termos do art. 23º, nº1, do “Estatuto de Pessoal das Administrações e Juntas Portuárias (EFAP)”, aprovado pelo Decreto Lei n.º 421/99, de 21 de Outubro. Assim, 2.9. Atenta a natureza jurídica da A… (instituto público – ainda que inominado, atípico ou sui generis), o seu Conselho de Administração é órgão, para os efeitos do art. 2º, n.º 2, b), primeiro segmento, do Código de Procedimento Administrativo. E, 2.10. Por isso, a deliberação punitiva (sediada no “Estatuto Disciplinar dos Funcionários e Agentes da Administração Central, Regional e Local” com credenciação no art. 23º, n.º 1, do “Estatuto de Pessoal das Administrações Portuárias”, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 421/99, de 21 de Outubro) tinha que ser tomada por escrutínio secreto, por imposição do art. 24º, n.º 2, do Código de Procedimento Administrativo. Destarte, 2.11. E salvo o merecido respeito, o douto acórdão recorrido (quando não assentou na natureza jurídica da A… como instituto público – ainda que “inominado”, “atípico” ou “ sui generis” – e daí partiu para julgar válida e legal a deliberação punitiva do seu Conselho de Administração, não tomada por escrutínio secreto) não fez boa interpretação e aplicação do direito aos factos e, consequentemente, não fez bom julgamento. Aliás, 3. São finalidades de interesse público que estão na base da imposição legal da votação por escrutínio secreto nas situações hipotizadas no art. 24º, n.º 2, do Código de Procedimento Disciplinar – e, por isso, o segredo que os membros do órgão colegial devem guardar na votação não é um direito pessoal (renunciável), mas, isso sim, um “dever funcional”. Assim, 4. E salvo o merecido respeito, a “boa” decisão é a do “acórdão fundamento”- que, por isso, deve ser, uniformizadamente, adoptada.

A recorrida Associação … (que designaremos, doravante, por A…) contra-alegou, concluindo do modo seguinte: I - O presente recurso, interposto pelo Sindicato Nacional dos Trabalhadores das Administrações e Juntas Portuárias, em representação de uma sua associada, na sequência da não admissão por esse Venerando Supremo Tribunal de um recurso de revista, assenta na contradição entre o decidido nos Acórdãos do Tribunal Central Administrativo Sul de 30.10.2008 e de 03.04.2008, quanto à natureza jurídica da A….

II - No douto Acórdão recorrido de 30.10.2008, considerou-se que a A…, foi transformada pelo DL 338/98, de 3 de Novembro (adiante DL 338/98), em Sociedade Anónima, funcionando o seu Conselho de Administração nos termos previstos nos respectivos Estatutos e no Código das Sociedades Comerciais.

III - Por seu turno, no Acórdão fundamento de 03.04.2008, considerou-se que a A…, continuou a ser um Instituto Público, pelo que “não pode afastar-se a aplicação do disposto no artigo 2º, nº2 b) e 24º, nº2 do Código do Procedimento Administrativo”, artigos esses que consideram que os órgãos dos Institutos Públicos são órgãos da Administração Pública (artº2º, nº2, b) do CPA) e que regulam o funcionamento dos mesmos (artº24º do CPA).

IV - Ou seja, na tese do Acórdão fundamento a A…, continuaria a ser um Instituto Público e o respectivo Conselho de Administração seria um órgão da Administração Pública, funcionando nos termos do artº 24º do CPA.

V - A solução juridicamente correcta é a que foi adoptada pelo Acórdão recorrido, tendo o Acórdão fundamento decidido contra o expressamente previsto no DL 338/98.

VI - Contrariamente ao invocado pelo Sindicato e decidido no Acórdão fundamento, a A… não é, nem era à data da deliberação sub judice – 2005, um Instituto Público, tendo sido transformada pelo DL 338/98, em Sociedade Anónima e sujeita ao regime aplicável a estas sociedades.

VII - O objectivo de transformação da A… de Instituto Público em Sociedade Anónima é expressamente afirmado no preâmbulo do DL 338/98, tendo esta transformação assentado, nomeadamente, em razões de gestão, a que estão sujeitos, além do mais, os recursos humanos.

VIII - Pelo referido diploma legal foram ainda aprovados os Estatutos da A… (vº. artº25º/1 do DL 338/98), estabelecendo-se ainda que a “transformação operada” e os “Estatutos agora aprovados produzem efeitos relativamente a terceiros independentemente de registo” (v. nº2 do artº25º do DL 338/98).

IX - O DL 338/98 regulou ainda diversas matérias relativas à transformação da A… em Sociedade Anónima, designadamente o valor e titularidade do capital social (v. artº10º e segs. do DL 338/98) e a definição dos respectivos órgãos sociais (v. artº13º do DL 338/98).

X - Além disso e para que não subsistissem dúvidas, o DL 338/98, de 16 de Outubro, revogou expressamente o artº14º do DL348/86, de 16 de Outubro, em que se previa que os portos “serão geridos por institutos públicos”, e ainda o DL 376/89, de 25 de Outubro, pelo qual tinha sido criada a Administração dos Portos de Setúbal e Sesimbra, Instituto Público.

XI - A qualificação da A…, como Sociedade Anónima, não é minimamente afastada pelo facto de esta poder actuar no uso de poderes de autoridade, nos casos previstos no DL 338/98 (v. nº3 do artº1º e nº2 do artº3º do DL 338/98), pois essa possibilidade está expressamente prevista no artº14º do DL 558/99, de 17 de Dezembro (adiante DL 558/99), estabelece o Regime do Sector Empresarial do Estado.

XII - Face ao exposto, cremos que não restam dúvidas que, conforme expressamente estabelecido no artº1º do DL 338/98 e foi decidido pelo Acórdão recorrido, a A… é actualmente e era à data da Deliberação sub judice, uma Sociedade Anónima e não um Instituto Público, como invocado pelo Sindicato e decidido no Acórdão fundamento.

XIII - A tese do Sindicato e do acórdão fundamento de que “a A…, sucedeu automática e globalmente, a personalidade jurídica da A…, mantendo, portanto, a fisionomia de instituto público, viola o disposto no artº9º do Código Civil, nos termos do qual “na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador (… ) soube exprimir o seu pensamento em termos adequados”.

XIV - Com efeito, seria incompreensível que o legislador, expressa e fundamentadamente, tivesse pretendido transformar a A…, numa Sociedade Anónima e sujeitá-la às regras destas entidades, mas que a mantivesse com a “fisionomia de Instituto Público”, que tinha anteriormente.

XV - O nº1 do artº2º do DL 338/98 relativo à sucessão automática da A…, relativamente à Administração dos Portos de Setúbal e Sesimbra, Instituto Público, nunca permitiria que se concluísse que a A…, permaneceu com a “fisionomia de instituto público”, pois destina-se apenas a assegurar a sucessão imediata das entidades em causa, designadamente quanto à manutenção dos direitos e obrigações e à titularidade dos respectivos bens.

XVI - Tal norma não contende minimamente com a natureza e estrutura organizacional da A…, não permitindo que se conclua que esta se manteria como um Instituto Público.

XVII - Conforme resulta do nº2 do artº1º do DL 338/98, o funcionamento do Conselho de Administração da A… rege-se pelo previsto nos respectivos Estatutos e pelas normas aplicáveis a estas sociedades anónimas, maxime pelo Código das Sociedades Comerciais (cfr. Artº7º, nº1 do DL 558/99).

XVIII - Os estatutos da A… e o Código das Sociedades Comerciais não prevêem qualquer escrutínio secreto nas reuniões do Conselho de Administração (v. arts. 13º e 14º dos Estatutos da A…, apensos ao DL 338/98; cfr. Artº 410º do CSC).

XIX - Não está em causa o exercício de poderes de autoridade, previstos no DL 338/98 – única situação em que a actuação da A… se rege por normas de direito...

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