Acórdão nº 2964/05.9TBSTS.P1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 04 de Maio de 2010

Magistrado ResponsávelCARDOSO DE ALBUQUERQUE
Data da Resolução04 de Maio de 2010
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

S Privacidade: 1 Meio Processual: REVISTA Decisão: NEGADA A REVISTA Sumário : I - A Relação não pode dar por provados factos não incluídos na base instrutória e que não foram objecto de específica impugnação pela recorrente, no seu recurso de apelação (art. 712.º. n.º 1, al. a), do CPC), o que desencadeia a necessidade da revogação do indevidamente acrescentado pela Relação aos factos julgados provados, havendo, assim, que considerar como “não escrita” a factualidade em causa.

II - Por força da aplicação da proibição contida no art. 394.º, n.º 1, do CC ao acordo simulatório e ao negócio dissimulado, quando invocados pelos simuladores (n.º 2 do mesmo preceito), é vedado o recurso a testemunhas para a prova quer do pacto simulatório que do negócio real, em caso de simulação relativa, quando o negócio aparente esteja titulado por documento autêntico ou particular.

III - É de permitir o recurso a testemunhas para a prova da simulação quando não for arguida pelos simuladores, ou seja, quando for invocada por terceiros (n.º 3 do citado art.), excepção que se justifica pela dificuldade que teriam terceiros de obterem documentos probatórios da trama simulatória, justamente dada essa sua qualidade.

IV - Esta proibição não reveste carácter absoluto, vindo a jurisprudência a admitir, de há muito, a prova testemunhal quando por documentos haja um princípio de prova desse acordo.

V - No caso de falecimento de um ou de ambos os simuladores, em princípio, a simples lógica jurídica imporia que, enquanto sucessores, deveriam assumir a mesma posição dos simuladores a quem sucediam. No entanto, este regime era fonte de injustiça, enquanto a simulação tivesse sido feita para prejudicar na sucessão esses mesmos herdeiros.

VI - Por tal motivo, o n.º 2 do art. 242.º do CC veio permitir a invocação da simulação pelos herdeiros legitimários quando ainda em vida do autor da sucessão pretendam agir contra negócios por eles simuladamente feitos com o intuito de os prejudicar. Isto significa que, mesmo após a abertura da herança, têm, obviamente, os herdeiros legitimários, legitimidade para invocar a nulidade de negócios simulados que se traduzam em prejuízo da respectiva legítima, ainda que não com esse intuito.

VII - Considerando que ficou subtraido da herança do pai da autora um lote de três prédios, dos cinco cuja nua propriedade a ele pertencia, através de doação dos progenitores, com reserva de usufruto, ainda subsistente no tocante à sua avó paterna, podia a Relação, com base na prova testemunhal e com uso de presunções judiciais, nos termos do art. 351.º do CC, aferir da consistência da invocada simulação absoluta do contrato de compra e venda dos ditos três prédios, alterando o juízo firmado pela 1.ª instância.

VIII - As decisões da Relação em matéria de prova de livre apreciação são insindicáveis por via de recurso, como decorre do disposto no art. 712.º, n.º 6, do CPC.

Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: I -AA, então menor e representada por sua mãe BB, assumindo depois com a maioridade a direcção da lide e ratificando a procuração forense por esta emitida intentou, com apoio judiciário, a presente acção declarativa de condenação com processo ordinário contra a HERANÇA INDIVISA POR ÓBITO DE CC, representada por CC, viúva do falecido e outros, pedindo seja a venda celebrada por escritura pública lavrada em 3 de Setembro de 1997 a fls. 12 e ss. do livro de Notas 42-F do Cartório Notarial de Santo Tirso, decretada nula e sem efeito por simulada, com a consequente restituição dos bens nela pretensamente vendidos ao património de FF, sendo ainda declarados nulos todos os registos efectuados, com base na dita venda.

Fundamentou a sua pretensão no facto de, nem o referido FF nem CC terem pretendido efectuar qualquer negócio, tendo efectuado as declarações constantes da mencionada escritura para enganar fraudulentamente quer os seus herdeiros legitimários, entre eles a requerente, por estar de más relações com eles, quer eventuais credores.

A Ré DD contestou na dita qualidade de representante da herança ainda ilíquida e indivisa por decesso do marido, impugnando a referida factualidade. Realizou-se a audiência de julgamento tendo sido proferida sentença que julgou a acção totalmente improcedente e, em consequência, absolveu a Ré Herança Indivisa de todos os pedidos.

Interposto recurso pela A, com impugnação da matéria de facto, no tocante às respostas aos quesitos que contemplavam o “pactum simulationis” e o animus decipiendi”, quesitos 10º a 17º, a Relação do Porto, após alterar, em parte, a decisão de facto na parte concretamente impugnada e com base na prova testemunhal e com uso de presunções, julgou procedente o mesmo, revogando a sentença e condenando a R a reconhecer a nulidade por simulação absoluta da venda dos prédios a que alude a aln k) da matéria assente pelo falecido pai da A ao falecido autor da mesma e a resituição dos mesmos ao património de FF,. declarando nulos os registos efectuados.

.A R veio então recorrer de revista, concluindo do seguinte modo as suas alegações de recurso: 1.ª A Relação para sustentar a sua decisão de alteração da matéria de facto impugnada, designadamente a resposta dada aos quesitos 12, 13, 14 e 16 da b.i. não reapreciou s provas que sobre tais factos foram produzidas 2 ª Para alterar a resposta dada à referida matéria de facto, a Relação teria que analisar criticamente a prova produzida em audiência de julgamento “in casu” sobre os depoimentos que incidiram sobre esses concretos pontos de facto, sustentando e fundamentando quais os concretos meios de prova que imporiam decisão diversa da recorrida , apreciando livremente as provas e decidindo segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto.

3 – A Relação violou o disposto no art º 712º,nº1 aln a) já que a decisão de alterar a matéria de facto impugnada não se baseou em elementos probatórios produzidos no processo .

4 –Antes se baseou em ilações deduzidas de outros factos provados para infirmar a matéria de facto alterada 5 – Sendo certo que como vem sendo entendido na jurisprudência, os poderes dados à Relação sobre alteração da matéria de facto em 1ªinstância tem que se cingir a casos em que de flagrante desconformidade entre o que foi produzido em termos de prova e aquilo que foi dado como provado 6 – O Tribunal da Relação para formar a sua convicção da existência do alegado acordo de simulação e da intenção de enganar terceiros acrescentou dois factos provados, não incluídos nas base instrutória –alns oo) e pp): - O FF ao longo da sua vida contraiu...

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