Acórdão nº 2725/22.0T8VRL.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 15-02-2024

Data de Julgamento15 Fevereiro 2024
Ano2024
Número Acordão2725/22.0T8VRL.G1
ÓrgãoTribunal da Relação de Guimarães

Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

I- RELATÓRIO

EMP01... – Produção, Comércio e Exportação de Produtos Regionais, Lda., com sede na Rua ..., Bairro ..., ... ..., instaurou ação declarativa de condenação, na forma de processo comum, contra AA e BB, residentes na Rua ..., ..., ... ..., pedindo que se:
a- declarasse a ineficácia da escritura de partilha outorgada entre os réus, em 25/07/2017, declarando-se que a autora tem direito à restituição dos bens na medida do seu interesse, podendo executá-los, nomeadamente, no património do 2º réu, e ainda a praticar os atos de conservação de garantia patrimonial autorizados por lei, mais devendo ser declarados ineficazes todos os atos de disposição posteriores àquela escritura de partilha;
Subsidiariamente,
b- declarasse a nulidade da escritura de partilha outorgada entre os réus, em 25/07/2017, por simulação e, em consequência, fossem os bens restituídos ao património conjugal e, bem assim, fossem cancelados todos os registos de disposição que tenham sido efetuados, ou que venham a ser efetuados sobre os bens objeto da escritura.
Para tanto alegou, em suma, que a sociedade EMP02..., Lda., foi declarada insolvente, por sentença proferida em 16/03/2016, transitada em julgado, e que, enquanto credora desta, reclamou o seu crédito no âmbito desse processo de insolvência, no valor global de € 67.774,35, tendo o mesmo sido julgado verificado e graduado como comum, por sentença proferida em 02/11/2016, transitada em julgado.
Por sentença proferida no âmbito do incidente de qualificação de insolvência, transitada em julgado, foi decidido qualificar a insolvência de EMP02..., Lda., como culposa, e afetada por essa qualificação a Ré AA, que, nessa sequência, foi condenada a indemnizar todos os credores da sociedade insolvente que tivessem reclamado os seus créditos, até ao limite dos montantes reclamados, reconhecidos e graduados, e não satisfeitos pelo produto da massa insolvente, tendo essa indemnização sido diferida para o momento em que fosse possível apurar em concreto o valor dos créditos não satisfeitos pelo produto da massa insolvente.
Acontece que, por escritura pública outorgada em 25/07/2017, os Réus, que se haviam divorciado, declararam proceder à partilha dos seus bens comuns, adjudicando bens de pequeno valor à Ré, e bens de grande valor ao Réu.
Ao outorgaram essa escritura os Réus não agiram com o propósito de partilhar o seu património comum, mas antes recorreram àquela enquanto expediente acordado entre ambos, com vista a, formalmente, subtraírem bens do mesmo património comum e, assim, prejudicarem os credores da sociedade.
O ativo da EMP02..., Lda. é manifestamente insuficiente para pagamento dos seus credores.
Os Réus contestaram, defendendo-se por exceção e por impugnação.
Suscitaram a exceção perentória de caducidade do direito da Autora de impugnar a escritura de partilha, alegando que o prazo de cinco anos de que dispunham para o efeito já se encontrava decorrido à data da propositura da presente ação.
Impugnaram parte da facticidade alegada pela Autora; e alegaram, a título de exceção, que: no âmbito do identificado processo de insolvência da EMP02..., Lda., foi aprovado e homologado, por sentença de 13/09/2016, transitada em julgado, um plano de insolvência, que previa que, após um período de carência inicial, os créditos dos credores sobre a insolvência fossem pagos; nessa sequência, os bens da massa insolvente não foram liquidados; a pessoa encarregue de promover a boa execução do plano foi BB, sócio e gerente da sociedade devedora, EMP02..., Lda., que não encetou quaisquer diligências idóneas e adequadas no sentido de que a sociedade devedora retomasse verdadeiramente a sua atividade; essa inércia impunha à Autora que, decorrido o prazo de quinze dias sobre a data de vencimento da primeira prestação prevista no plano (que a devedora se obrigou a liquidar-lhe, mas que não lhe pagou, entrando em mora), tivesse de interpelar a sociedade devedora, por escrito, para que cumprisse com a obrigação a que se vinculara nos termos do plano, interpelação essa que não fez; e não passando, por isso, o crédito que aquela se arroga titular sobre a Ré AA de um crédito futuro, hipotético e eventual.
Concluíram pedindo que se julgasse procedente a exceção perentória de caducidade do direito de impugnação do ato de partilha invocado pela Autora e, em consequência, fossem absolvidos do pedido; e, em todo o caso, se julgasse improcedente a ação e fossem absolvidos do pedido.
A Autora respondeu, concluindo pela improcedência da exceção de caducidade invocada pelos Réus.
Ordenou-se a notificação dos Réus para, “por referência ao art. 21º da contestação, concretizarem quais os artigos da p.i. ali mencionados que têm matéria que não é verdadeira, os que têm matéria que não é do conhecimento dos Réus e os que são conclusivos”, bem como a notificação da Autora para se pronunciar “sobre o invocado nos arts. 22º a 67º da contestação”.
A Autora respondeu ao convite que lhe foi endereçado, o mesmo sucedendo com os Réus.
Realizou-se audiência prévia, em que se notificou as partes de que o tribunal tencionava conhecer imediatamente de mérito da causa, na sequência do que, se lhes concedeu o prazo de dois dias, que requereram, para se pronunciarem de facto e de direito.
Em 15/09/2023, proferiu-se saneador-sentença, em que: se fixou o valor da causa em 87.029,51 euros; se proferiu despacho saneador tabular; e se julgou a ação totalmente improcedente, e se absolveu os Réus do pedido, constando esse saneador-sentença da seguinte parte dispositiva:
“Julgo a ação improcedente e, em consequência, absolvo os R.R. do pedido.
Custas a cargo da A. - art. 527º, do C.P.C., não havendo lugar ao pagamento da segunda prestação da taxa de justiça (uma vez já paga, deve ser devolvida, tal como o excesso pago, face ao valor fixado à causa) - art. 14º-A, d), do R.C.P.
Fixo o valor da causa em € 87.029,51 (art. 168º, da p.i.) - arts. 296º, n º 1, 297º, n º 1 e 3 e 306º, n º 1 e 2, do C.P.C.”.

Inconformada com o decidido, a Autora, EMP01... – Produção, Comércio e Exportação de Produtos Regionais, Lda., interpôs recurso, em que apresenta as conclusões que se seguem:

I- Vem o presente recurso interposto do despacho saneador-sentença proferido nos autos, datado de 15/09/2023, que, conhecendo imediatamente do mérito da causa, julgou a ação improcedente e, em consequência, absolveu os réus do pedido, por entender que a autora, ora recorrente, não é titular de um direito de crédito sobre a ré, ora recorrida.
II- A recorrente discorda da decisão constante do despacho saneador-sentença ora recorrido, pois, mui respeitosamente, considera que é titular de um direito de crédito sobre a ré, logo, não se encontra em falta o pressuposto substantivo (a recorrente ser credora da ré) para se apreciar a ineficácia da escritura de partilha em causa nos autos, por verificação dos pressupostos da impugnação pauliana ou, caso assim não se entenda, para se apreciar a nulidade de tal escritura, por verificação dos pressupostos da simulação.
III- Com efeito, a recorrente é credora da ré, ao contrário do entendido pela decisão recorrida, e é credora da ré pois possui uma decisão condenatória contra esta, não sendo o seu direito de crédito, salvo o devido respeito, atualmente inexistente, “meramente hipotético/eventual, futuro”.
IV- Conforme resulta dos factos provados constantes do rol elencado no despacho recorrido, o crédito que serviu de base à ação declarativa instaurada contra os recorridos assenta na sentença judicial condenatória, proferida no âmbito do processo n.º 1512/15...., que correu termos no Tribunal Judicial da Comarca de – Juízo Local Cível ... – Juiz ..., que decidiu, entre outros, qualificar a insolvência da sociedade comercial EMP02... Lda., como culposa, decidiu declarar afetada pela qualificação da insolvência a aqui recorrida, AA, e condenou-a a indemnizar todos os credores da sociedade insolvente, que tenham reclamado os seus créditos e até ao limite dos montantes reclamados, reconhecidos e graduados, e não satisfeitos pelo produto da massa insolvente (alínea e) daquela sentença). Foi proferido Acórdão por este Tribunal Superior, datado de 23/11/2017, já transitado em julgado, que manteve a sentença de qualificação da insolvência proferida naquele apenso, com a ressalva de que a condenação da alínea e), respeitante àquela condenação em indemnização aos credores da insolvente, deve ser deferida para o momento em que for possível apurar em concreto o valor dos créditos não satisfeitos pelo produto da massa insolvente.
V- Dúvidas inexistem de que a recorrente é credora daquela sociedade insolvente, pelo que, nesta medida, tendo sido a recorrida condenada a indemnizar todos os credores da sociedade insolvente, nos quais se inclui a aqui recorrente, é esta última igualmente sua credora.
VI- Resulta, portanto, que, salvo o devido respeito por melhor entendimento, a recorrente possui um direito de crédito sobre a recorrida, direito esse que pode ser imediatamente exercido pelo seu credor – a aqui recorrente – não sendo hipotético ou eventual nem estando dependente da liquidação da massa insolvente da EMP02... Lda. Tal crédito está perfeitamente determinado, não sendo, salvo opinião em contrário, futuro, hipotético e eventual, como entendeu o despacho recorrido.
VII- Na verdade, aquela sentença condenatória traduz uma obrigação certa, exigível e líquida, visto que a sua prestação encontra-se qualitativamente determinada, a obrigação encontra-se vencida e tem por objeto uma prestação cujo quantitativo está apurado.
VIII- Isto porque, quando a presente ação declarativa foi instaurada, já era possível apurar em concreto o valor dos créditos não satisfeitos pelo produto daquela massa insolvente, sendo que tal valor corresponde à totalidade dos créditos reclamados,...

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