Acórdão nº 2033/19.4T8LRA.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 28 de Setembro de 2022

Magistrado ResponsávelFONTE RAMOS
Data da Resolução28 de Setembro de 2022
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra: I. AA[1] instaurou a presente ação declarativa comum contra BB e mulher CC (1ºs Réus), DD (2º Réu) e EE (3ª Ré), pedindo que seja declarado nulo o negócio de compra e venda celebrado entre o pai da Autora e os Réus, porque simulados (A); sejam cancelados todos os registos, nomeadamente de aquisição a favor de DD e mulher e os Réus (B); caso assim não se entenda, sejam declarados ineficazes os atos de transmissão praticados sobre a fração (C).

Alegou, nomeadamente: nas circunstâncias descritas nos art.ºs 6º a 8º e 12º e seguintes da petição inicial (p. i.)[2] e por a considerar “sua”, recusou entregar a chave da fração autónoma descrita nos autos ao 1º Réu; os contratos de compra e venda de bem imóvel aludidos nos art.ºs 27º, 46º, 58º e 59º da p. i. foram simulados; tais negócios visaram unicamente salvaguardar o imóvel, propriedade de seu pai, dos seus credores, bem sabendo os réus que aquele não estava a vender, nem os réus a comprar, motivo pelo qual o seu pai sempre residiu em tal imóvel até à data da sua morte.

Contestaram os 1ºs Réus e a 3ª Ré, alegando, os primeiros, designadamente, que não conhecem pessoalmente os demais Réus, mas que o negócio em causa em que intervieram na qualidade de “compradores” foi formalizado em conformidade com a Lei, tendo pago o respetivo preço; concluíram pela improcedência da ação. A 3ª Ré invocou a caducidade do pretenso direito da A. e disse que se encontra separada de facto do seu ex-marido (2º Réu) há cerca de 20 anos e desconhece por completo os factos vertidos na p. i.; pugnou pela procedência da exceção e consequente absolvição do pedido ou, caso assim não se entenda, por decisão conforme factualidade a apurar em audiência de julgamento.

A A. replicou concluindo pela improcedência da matéria de exceção e como na p. i..

Foi proferido despacho saneador que julgou improcedente a exceção suscitada, identificou o objeto do litígio e enunciou os temas da prova.

Realizada a audiência de julgamento, o Mm.º Juiz do Tribunal a quo julgou a ação totalmente procedente, pelo que declarou nulos por simulação os negócios de compra e venda descritos em 6 e 11 dos factos provados e determinou o cancelamento dos respetivos registos de aquisição a favor dos Réus.

Inconformados, os 1ºs Réus apelaram formulando as seguintes conclusões: 1ª - Os concretos meios probatórios, nomeadamente a prova testemunhal produzida em audiência, o depoimento de parte prestado pelo réu DD e os documentos juntos aos autos impunham decisão diversa da recorrida.

2ª - O Tribunal deu como provado que “7. O pai da Autora continuou a residir no imóvel e a proceder a todos os pagamentos a ele referentes, nomeadamente água, luz, gás, contribuição autárquica, condomínio, prestação do empréstimo contraído, etc.”.

3ª - E, deu como não provado que “2.1. Durante mais de 17 anos, até ao óbito do pai da Autora, foi este quem habitou, pagou água, luz, gás, telecomunicações, IMI´s, condomínios e todas as despesas inerentes à fração ..., sita na Rua ..., ...”.

4ª - Consta ainda da sentença que “os factos provados e descritos em 1 a 3, 6, 11 e 12 resultam dos documentos juntos e da sua não impugnação.

Os restantes factos provados e não provados (o descrito em 2.2) resultaram da conjugação da análise crítica de tais documentos com os depoimentos das testemunhas e depoimento de parte”.

5ª - A prova documental junta aos autos foi a seguinte: assento de óbito, habilitação de herdeiros, caderneta predial, certidão do registo Predial, sentença do Tribunal Judicial ..., escritura de compra e venda e mútuo com hipoteca de 19.9.1997, minuta de procuração, escritura de compra e venda outorgada a 21.10.2002 e escrito particular de empréstimo a ela associada.

6ª - A testemunha FF não se pronunciou, nem foi questionada, quanto à matéria dos art.ºs 47º, 48º e 63º da terceira (!) versão da p. i., os quais serviram para dar como provado o ponto 7. e simultaneamente como não provado o ponto 2.2.

7ª - A testemunha GG referiu desconhecer qualquer empréstimo, afirmando que estava tudo pago, não tendo dito que era o falecido HH quem procedia ao pagamento do condomínio ou das prestações do empréstimo contraído.

8ª - Quanto às demais testemunhas, “II (irmã do primeiro réu) nada sabia de relevante. JJ (irmão e cunhado dos réus) também nada sabia dos contratos em concreto, mas relatou que o seu cunhado o interpelou sobre as vantagens do negócio, atento o preço e a localização do imóvel. Mais referiu que nunca entrou no apartamento dos autos”.

9ª - Pelo que, naquilo que concerne ao alegado nos art.ºs 47º e 48º da 3ª (!) versão da p. i., resulta claro que nenhuma das testemunhas inquiridas referiu ser o falecido HH quem procedia “a todos os pagamentos a ele referentes, sem qualquer alteração”, “nomeadamente água, luz, gás, contribuição autárquica, condomínio, prestação do empréstimo contraído, etc.”.

10ª - É dito na sentença que “Relevante para a matéria de facto provada foi o depoimento de parte do réu DD que confessou os factos alegados pela autora e nos quais participou diretamente, tal como consta da assentada, e que são os factos provados descritos em 4 a 10 dos factos provados.” 11ª - Significa isto que a factualidade descrita em 7. foi dada como provada através do depoimento de parte prestado pelo réu DD.

12ª - O dado como provado em 7. e simultaneamente como não provado em 2.1. está vertido nos art.ºs 47º, 48º e 63º daquele articulado, com o seguinte teor: “47º / Após a celebração da referida escritura [cf. art. 46º, 19/09/1997], o pai da Autora continuou a residir no imóvel e a proceder a todos os pagamentos a ele referentes, sem qualquer alteração; / 48º / Nomeadamente água, luz, gás, contribuição autárquica, condomínio, prestação do empréstimo contraído, etc. / 63º / Durante mais de 30 anos, em continuidade e até ao óbito do pai da Autora foi este quem habitou, pagou água, luz, gás, telecomunicações, IMI`s, condomínios e todas as despesas inerentes à fração ..., sita na Rua ..., ... d.to, ....” 13ª - Da ata relativa à audiência de julgamento realizada a 09.11.2021, consta: “De seguida, o Mmo. Juiz proferiu despacho, conforme consta gravado no módulo H@bilus Media Studio, no qual sumaria e fundamentadamente admitiu o requerido depoimento de parte do réu DD, limitado aos artigos 27º, 31º a 44º e 49º a 55º.”.

14ª - Ficou gravado naquele módulo o seguinte (0:17” a 1:09”): “Foi admitido um rol de testemunhas no qual consta o Sr. DD. Ele entretanto é parte e só agora é que reparei que na petição corrigida [a antedita 3ª versão da p. i., da qual foi indicado à matéria dos art.ºs 27º a 55º] foi pedido o depoimento de parte do Sr. DD. / Portanto, isso não está apreciado, eu vou apreciar agora, significa que o depoimento apenas pode ter por objeto factos pessoais de que o depoente possa confessar, pelo que admito o depoimento, mas limitado aos artigos 27º, 31º a 44º, 49º a 55º. Os restantes não admitem confissão ou são apenas provados por documento, o que significa que vamos começar o julgamento a ouvir precisamente, então, o Sr. DD”.

15ª - O réu DD prestou depoimento de parte, sujeito ao regime previsto no art.º 452º do Código de Processo Civil (CPC), com a limitação imposta pelo n.º 1 do art.º 454º do CPC: “o depoimento só pode ter por objeto factos pessoais ou de que o depoente deva ter conhecimento.

” 16ª - No que toca à respetiva assentada, consta da ata da audiência de julgamento, sob a epígrafe “DEPOIMENTO DE PARTE”: “Neste momento, por Ele Sr. Juiz foi ordenado que para efeitos de assentada nos...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT