Acórdão nº 3089/07.8TALRA.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 21 de Abril de 2010

Magistrado ResponsávelMOURAZ LOPES
Data da Resolução21 de Abril de 2010
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)
  1. RELATÓRIO.

    No processo Comum singular n.º… foi o arguido D acusado da prática de um crime de homicídio por negligência p. e p. no art. 137º n 1 do Código Penal. No mesmo processo A. constituiu-se assistente e veio deduzir pedido de indemnização civil, requerendo a condenação de “S….Companhia de Seguros S.A.” na entrega da quantia de 442 788,53 Euros acrescida de juros de mora à taxa legal.

    Efectuado o julgamento o tribunal decidiu: 1.Absolver D da prática de um crime de homicídio por negligência p. e p. no art. 137° n° 1 do C.P.; 2.Condenar D pela prática de um crime de homicídio por negligência grosseira p. e p. pelo art. 137 nº 1 e nº 2 do C. P., ocorrido a 30-…-2007, na pena de 3 (três) anos e 6 (seis) meses, suspensa a sua execução por idêntico período, sujeito a regime de prova; 3.Condenar a demandada a entregar às demandantes a quantia de 110 000 (cento e dez mil) Euros acrescida de juros de mora à taxa legal a contar da presente data; 4.Condenar a demandada a entregar às demandantes a quantia de 180 000 (cento e oitenta mil) Euros acrescida de juros de mora à taxa legal a contar da notificação até integral pagamento; 5.Condenar o arguido no pagamento das custas criminais, fixando-se a taxa de justiça em 3 (três) UC’s, e nos encargos, fixando-se m 1/4 daquela taxa de justiça a procuradoria e honorários; 6.Condenar as partes civis na proporção do decaimento.

    Não se conformando com a decisão, o arguido e a Companhia de Seguros … SA vieram interpor recurso da mesma para este Tribunal, concluindo nas suas motivações nos seguintes termos:

    1. Arguido: 1- O arguido foi acusado pelo crime de homicídio por negligência, previsto e punível pelo art.° 137°, n.° 1 do Código Penal. Entendeu o Tribunal a quo alterar a qualificação jurídica do crime que o arguido vinha acusado, imputando-lhe o crime de homicídio por negligência grosseira previsto e punível pelo art.° 137, n.° 1 e n.° 2 do Código Penal.

    2- Face aos factos dados como provados na douta sentença, o recorrente aceita que os mesmos integram na violação do dever objectivo de cuidado, contudo não poderá concordar que tal violação foi cometida de forma grosseira.

    3- Face à velocidade por si imprimida de 9OKmIh que era a permitida na via em que circulava e as marcas dos pneumáticos que deixou na via numa extensão de 39rn, entende o ora recorrente que todos estes factos não consubstanciam numa violação grosseira do dever de cuidado a que estava obrigado.

    4- Ao demais, apesar de existir boa visibilidade, não poderia o arguido prever a que velocidade circulavam os veículos que seguiam à sua frente, dada a distância que os separava, apercebendo-se que a velocidade era reduzida à medida que se aproximou dos mesmos.

    5- Atendendo às circunstâncias do acidente e à conduta do arguido, o mesmo violou o dever de cuidado a que estava obrigado mas não de urna forma totalmente desatenta, leviana ou não temerária, pois circulava a urna velocidade permitida para a via em causa, tentou imobilizar o veículo com uma relativa distância antes do embate e não tinha forma de efectuar qualquer manobra evasiva, pois circulavam outros veículos na mesma faixa de rodagem a ultrapassar.

    6- Deveria o Tribunal a quo ter condenado o arguido pelo crime de homicídio por negligência, previsto e punível pelo art.° 137°, n.° 1 do Código Penal e não de homicídio por negligência grosseira.

    7- Ao decidir o Tribunal a quo aplicar a pena de um 3 anos e seis meses de prisão, entende o recorrente ser tal pena excessiva e desproporcional, violando a aplicação do art.° 71°, n.°2 do C.P..

    8- Atendendo ao circunstancialismo dos factos que originaram o acidente, à conduta e postura do arguido em sede de audiência e ao facto de não ter antecedentes criminais, deveria o Tribunal a quo condenar o arguido numa pena diversa da que aplicou.

    9- Considerando que os factos integram a negligência grosseira, facto esse que prontamente discorda o recorrente, este considera como justa e adequada a pena de prisão de 2 anos, suspensa na sua execução pelo mesmo período de tempo.

    10- Considerando que a qualificação jurídica dos factos integram o crime de homicídio por negligência, em conformidade com o art.° 71, n.° 2 do C.P., ser justa e adequada a pena de um ano e meio de prisão, suspensa a sua execução pelo mesmo período de tempo.».

    B) Companhia de Seguros DANOS FUTUROS.

    1. A demandante A não provou que carecia de alimentos, cfr. Art° 2020° do C.Civil Com efeito, na declaração de IRS junta pela mesma aos autos a fls..., consta que no ano dos factos (2007), a demandante declarou de rendimentos a verba de 12.549,08 € (Declaração Modelo 3, Anexo A), não existindo nesta mesma declaração no quadro 6 quaisquer declaração quanto aos rendimentos do falecido.

    2. Por outro lado, ficou provado que o acidente foi simultaneamente de trabalho e viação e que a seguradora encontra-se a liquidar as quantias de pensões por morte nos autos de acidentes de trabalho às demandantes.

    3. As demandantes optaram receber os danos futuros pela via do acidente de trabalho, nos termos do Ad° 31° da Lei 100/97 de 13/09. E, como as indemnizações por acidente simultaneamente de trabalho e viação não são cumuláveis, mas complementares, não podem as demandantes receber de ambos as responsáveis --- seguradoras --- igual indemnização, caso contrário a recorrente irá pagar em duplicado (às demandantes e à seguradora de acidente de trabalho).

    4. As demandantes poderiam, por mera hipótese, receber o valor que, relativamente ao salário do falecido --- em sede de acidentes de trabalho --- não estivesse a coberto.

    5. Mas, sucede que o facto provado inserto na ai. m) da douta sentença não pode ser dado como provado.

    6. Com efeito, só se poderá indicar o rendimento bruto do sujeito falecido (Sujeito Passivo A) que foi de 6.705,17 €, o que dará um salário mensal de 558,76 € (vejam-se as declarações da segurança social do falecido a fls..., que não foram impugnadas), ao qual se deverão deduzir os descontos em 20%, restando 447,00 €.

    7. O falecido necessitaria, para a satisfação das despesas pessoais, cerca de um terço do salário, isto é, 149,00 €, sobrariam 298,00 €.

    8. Estando as demandantes a receber pensões de acidentes de trabalho no valor total de 312,12 €, ultrapassam, ainda, o salário do falecido, pelo que nada mais têm a receber em sede de danos futuros.

      II - DIREITO À VIDA.

    9. Quanto ao valor atribuído nesta sede dir-se-á que é elevado, devendo, atenta a lei e a Jurisprudência, ser determinado por razões de equidade no valor de 50.000,00€.

      III - DANOS NÃO PATRIMONIAIS DA VITIMA.

    10. Respeitosamente tais danos (10.000,00 €) não podem ser fixados, uma vez que nada foi provado a seu propósito.

      IV - DANOS NÃO PATRIMONIAIS DA A.

    11. O valor fixado (20.000,00 €) é ilegal, por força do Art° 496°, n° 2 do Cód.

      Civil: “A norma excepcional do n°2° do art.496° C.Civ. não é aplicável ao denominado cônjuge de facto.” Ac. STJ de 11-07-2006 (Proc° 06B1835).

      Ainda, Ac. do T.Constitucional n°210/2007 — 3 Secção — Proc° 778/06.

      V) DIREITO: Deste modo, foram, assim, violados, por manifesto erro de interpretação e aplicação os Art°s 3790, n° 1, ais. b) e c), 4100, n°2, ais. a, b e c) do Cód. Proc. Penal, Art°s 20200 e 570° do Cód. Civil e Art° 31° da Lei 100/97 de 13/09.

      O Ministério Público, nas suas contra-alegações, no que respeita ao recurso do arguido, pronunciou-se pela improcedência do mesmo, entendendo no entanto no que respeita à medida concreta da pena que «não se nos repugnava que o mesmo fosse condenado em pena de prisão que rondasse os dois anos, sendo suspensa na sua execução» As assistentes, nas suas contra-alegações manifestaram-se pela improcedência de ambos os recursos devendo a decisão ser mantida na íntegra.

      O Exmo. Senhor Procurador-Geral Adjunto neste Tribunal da Relação manifestou-se pela procedência do recurso formulado pelo arguido alegando em síntese inexistir «matéria factual suficiente de que o arguido tenha cometido o crime de homicídio por negligência grosseira» sendo que isso tem que ter reflexo na medida concreta da pena. Nessa medida conclui que deve ser dado provimento ao recurso ou caso assim se não entenda, deve ser determinado o reenvio (parcial) do processo para novo julgamento.

  2. FUNDAMENTAÇÂO As questões a decidir: Em face das conclusões e da motivação dos recorrentes são as seguintes as questões a decidir: I.

    Recurso do arguido: i) qualificação jurídica da factualidade provada como homicídio negligente simples ou grosseiro; ii) medida concreta da pena; II.

    Recurso da demandada: i) inexistência de danos futuros; ii) montante do valor atribuído ao direito à vida; iii) inexistência de danos não patrimoniais da vítima; iv) inexistência de danos não patrimoniais a A.

    * São os seguintes os factos PROVADOS sobre os quais importa decidir: Da culpabilidade

    1. No dia 30 de … de 2007, pelas 11.00h., o arguido conduzia o veículo com a matrícula ….-RD, pesado de mercadorias, pela Ai, no sentido sul/norte, e quando percorria o km 123,3 aproximou-se do veículo com a matrícula …-CP-12, ligeiro de mercadorias.

    2. Nessa ocasião, o veículo …-CP-12 era conduzido por B a cerca de 50 km/h., como carro piloto, sinalizando a retaguarda de um transporte especial efectuado pelo conjunto formado pelos veículos …-DL-95, tractor, e E-…-BDZ, atrelado, que transportava uma viga de betão de cerca de 30 m..

    3. Quando se encontrava a cerca de 50 m. do veículo ..-CP-12, o arguido deu-se conta que estava prestes a ir embater na parte traseira do aludido veículo pelo que travou, mas foi embater no aludido veículo, o qual foi projectado contra a viga de betão.

    4. Em consequência do embate, B sofreu as lesões traumáticas crânio-meningo-encefálicas as quais foram causa necessária da sua morte.

    5. No local, a via é de asfalto betuminoso, encontrava-se seca, possuía 7,60m. de largura e comportava duas faixas de trânsito no sentido sul/norte, conduzindo os referidos veículos na faixa da direita.

      O No local, a via é inclinada, formando uma descida atento o sentido assinalado, e...

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