Acórdão nº 458/09.2YFLSB de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 21 de Abril de 2010
Magistrado Responsável | MARIA DOS PRAZERES PIZARRO BELEZA |
Data da Resolução | 21 de Abril de 2010 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
S Privacidade: 1 Meio Processual: REVISTA Decisão: NEGADA A REVISTA Doutrina: - Código Civil: - artigos 236º, 334º, 342º, 352º, 358º, 762. - Código de Processo Civil: - artigos 145º, 523º, 524º, 706º.
Jurisprudência Nacional: ACÓRDÃOS SUPREMO TRIBUNAL DA JUSTIÇA , WWW.DGSI, DE: - 30 DE OUTUBRO DE 2002, PROC.02B2828; - 11 DE DEZEMBRO DE 2003, PROC. NºS03A3632; - 14 DE OUTUBRO DE 2004, PROC. Nº 04B2883; - 12 DE SETEMBRO DE 2006, PROC Nº 06A2211; - 22 DE MARÇO DE 2007, PROC. Nº 07A377; - 3 DE MAIO DE 2007, PROC. Nº 07B840; - 29 DE ABRIL DE 2008, PROC. 08A380; - 23 DE SETEMBRO DE 2008, PROC. Nº 08B2346; - 27 DE NOVEMBRO DE 2008, PROC. 08B3198.
Sumário : 1. Não resulta do nº 2 do artigo 523º do Código de Processo Civil que as partes tenham direito a juntar documentos em momento posterior ao da apresentação do articulado no qual alegam os factos que com eles pretendem provar.
-
As partes têm o ónus de apresentação com o articulado; em homenagem ao princípio da verdade material, admite-se a junção posterior, mas com a cominação de uma sanção (multa), só não devida se a parte “provar que os não pode oferecer com o articulado”.
-
A hipótese de julgamento da causa no saneador tem de ser articulada com as regras relativas à possibilidade de junção de documentos em recurso, pois que é seu pressuposto a desnecessidade de mais provas.
-
A interpretação literal reveste-se de particular relevância quando se pretende fixar o sentido com que um contrato de garantia autónoma deve ser interpretado, maxime de uma garantia autónoma à primeira solicitação.
-
Ao ser-lhe exigido que satisfaça a garantia autónoma e à primeira solicitação a que se vinculou, o garante não pode, por princípio, recusar a execução da garantia opondo excepções fundadas, seja na relação entre o credor (beneficiário) e o devedor (garantido) da relação principal, seja na relação (de mandato) entre o garante e aquele devedor.
-
Tratando-se de uma contra-garantia, a autonomia revela-se ainda na impossibilidade de invocar excepções fundadas na relação subjacente à constituição da própria contra-garantia.
-
O garante não pode ignorar uma ordem judicial que determine o não pagamento da garantia, ainda que proferida no âmbito da justiça cautelar. 8. A fraude ostensiva, clamorosa e evidente do beneficiário (abuso de direito), resultante da ausência de direito do beneficiário, pode ser invocada pelo garante que dela tiver prova líquida (documental) para recusar o pagamento que lhe é exigido, mesmo tratando-se de uma garantia autónoma que deva ser satisfeita à primeira solicitação.
-
A disponibilidade, pelo garante, de prova líquida da fraude ou do abuso deve ser aferida por referência ao momento em que é solicitado o pagamento.
-
No âmbito das contra-garantias, a fraude susceptível de ser oposta pelo contra-garante ao garante, tanto pode resultar de colusão entre o beneficiário e o garante, como ocorrer apenas em relação ao garante, que exige abusivamente a satisfação da contra-garantia.
Decisão Texto Integral: Acordam, no Supremo Tribunal de Justiça: 1. Em 30 de Dezembro de 2005, o AA-Banco…, SA, instaurou uma execução contra BB – Gestão …, SA, pretendendo obter a quantia de € 265.461,72, acrescida dos juros que se vencerem até integral pagamento.
Como título executivo, o exequente juntou uma “carta de garantia” passada em seu favor pela executada, para garantir créditos de CC – … – Construções, Instalações e Serviços, Lda.
Alegou ainda o exequente que a garantia, “irrevogável, incondicional e” com a “cláusula ‘on first demand’, (…) “foi emitida para garantia de todas e quaisquer obrigações e dívidas da CC perante o Banco AA (…), resultantes do contrato de empréstimo” entre ambos celebrado; que, no “contexto da celebração do referido contrato de empréstimo, em 28 de Janeiro de 2004 foi igualmente celebrada a carta de fiança nº D-00…-…, por meio da qual o Banco AA (…), na qualidade de fiador da CC, se obrigou a atender a notificação da DD-… Ltda. (credora) para pagamento do débito da CC (…)”, juntando cópia.
E que, em Junho de 2005, “foi judicialmente compelido a honrar a fiança bancária, tendo efectuado um pagamento no montante de US $ 317.277,56 (…)”; consequentemente, em 14 de Setembro de 2005, interpelou a executada para o correspondente pagamento. Não o tendo obtido, à quantia referida acrescem juros de mora, que contabiliza em € 6.860,72 no momento da instauração da execução.
A executada deduziu oposição alegando, nomeadamente: – a caducidade da garantia, vencida a 31 de Dezembro de 2004; – a inexistência de “qualquer obrigação de pagamento do ora exequente à DD”, por ter sido realizado não obstante estar judicialmente determinada a respectiva suspensão, e o carácter abusivo da execução, por ser “infundada e ilegítima a pretensão do Banco AA em ser ressarcido de uma quantia que pagou ilicitamente, em inadmissível violação de uma decisão judicial que lhe impunha o não pagamento”.
O exequente contestou a oposição. Referiu que 31 de Dezembro de 2004 nada tem a ver com a vigência da garantia, antes corresponde à data até à qual se consideram abrangidas pela mesma as obrigações garantidas; que se trata de uma “garantia bancária irrevogável, incondicional e on first demand”, sendo portanto irrelevantes os factos (que no entanto impugnou) alegados para demonstrar a inexistência da obrigação de pagamento, A executada respondeu, a fls. 118, pronunciando-se sobre documentos juntos com a contestação; a fls. 129, o exequente veio pretender demonstrar a genuinidade de um documento impugnado pela executada; mas o requerimento foi mandado desentranhar pelo despacho de fls. 137, por se tratar de resposta inadmissível na tramitação a seguir (processo sumário). O exequente recorreu, a fls. 139, e o recurso foi admitido, a fls. 157, como agravo, com subida diferida, nos próprios autos, e efeito suspensivo.
A oposição foi julgada improcedente, no despacho saneador, a fls. 232; e foi determinado que a execução prosseguisse.
Em síntese, entendeu-se estar em causa uma garantia autónoma à primeira solicitação e não resultar do correspondente texto qualquer “termo final que desobrigue o garante (executada)”, sendo que “a data de 31 de Dezembro de 2004 nada tem a ver com o período de vigência da garantia autónoma, mas sim com a data até à qual a CC poderia renovar e utilizar o crédito concedido pelo Banco AA” e, por essa via, com a delimitação da obrigação da executada; e decidiu-se nestes termos: “Ora, encontrando-se assente que o Banco pagou à DD o valor da fiança prestada e decorrendo que a CCl não reembolsou o Banco AA naquele montante, e não existindo prazo para o accionamento da garantia e tendo esta sido accionada dentro do prazo de 20 anos (de prescrição), temos que a excepção da caducidade terá de improceder, assim como são de improceder todas as excepções invocadas e relativas às relações comerciais subjacentes à emissão da garantia autónoma à primeira solicitação.” Pelo acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de fls. 324, decidiu-se não conhecer do agravo, não atender a documentos juntos com as alegações de recurso e negar provimento à apelação, confirmando o saneador-sentença nos termos do nº 5 do artigo 713º do Código de Processo Civil. A Relação salientou não haver “prova inequívoca e clara da fraude por parte do Banco”, valendo a autonomia da garantia bancária prestada e concluiu que “os factos invocados pela oponente são questões que extravasam o âmbito do contrato de garantia, dizendo respeito ao contrato-base, que constitui a relação principal, causal ou subjacente”.
-
BB – Gestão …, SA recorreu para o Supremo Tribunal da Justiça; o recurso foi admitido como revista e com efeito meramente devolutivo.
Nas alegações que apresentou, formulou as seguintes conclusões: A. «Surpreendida com a Sentença de 1.a Instância, viu-se a Exequente [executada] aqui Recorrente, impelida a juntar, em sede de Alegações de Recurso de Apelação, mera cópia – e não Certidão, como era sua intenção – dos documentos protestados juntar como Docs. n.ºs 5 e 6 com a Oposição, respectivamente P.I. da acção cautelar inominada que a CC instaurou contra a sociedade DD e Decisão proferida nesse mesmo processo em 04.05.2005.
B. A Recorrente foi extremamente explícita ao afirmar no artigo 51.° da Oposição que "(…) ao efectuar o pagamento em questão à DD, violou o Exequente deliberadamente a ordem judicial de suspensão do pagamento supra mencionada no art. 21°, de Maio de 2005, de que tinha integral conhecimento" e no artigo 62.° da Oposição que o Banco AA"(…) agiu com dolo, violando conscientemente a decisão judicial acima indicada no art. 21°.
Nesse artigo 21.° da Oposição a ora Recorrente alega que "(...) em Maio de 2005 (... ) requereu a CC Medida Cautelar Inominada peticionando o impedimento da DD de levantar a fiança bancária (...) o que foi deferido pelo Tribunal".
C. Sucede que, não obstante todos os esforços desenvolvidos pela ora Recorrente e seus Mandatários junto das competentes autoridades brasileiras, não lhe foi possível obter em tempo útil Certidão daqueles dois documentos, de modo a juntá-la com a Oposição, tendo, por outro lado, o Tribunal de 1.a Instância desatendido por completo à relevância dos ditos documentos e julgado integralmente improcedente, por não provada, a Oposição à Execução oferecida pela Recorrente, sem sequer a notificar para juntar aos autos tais documentos.
D. Em conformidade com o vertido no n.º 2 do art. 523.° do C.P.C., e não fosse a prematura Sentença proferida pelo Tribunal de 1.a Instância com respeito ao mérito da Oposição à Execução, resulta evidente que a Recorrente se encontrava habilitada a proceder à junção dos documentos protestados juntar com a Oposição à Execução até ao encerramento da discussão em 1ª instância, ou seja, até à ocorrência dos debates sobre a matéria de facto.
E. O carácter livre da sobredita junção poderia ser constrangido tão-somente pela condenação, da Recorrente, no pagamento de uma multa processual, na hipótese de...
Para continuar a ler
PEÇA SUA AVALIAÇÃO-
Acórdão nº 7693/15.2T8LSB.L1-2 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 19 de Janeiro de 2017
...qual não é, nem pode ser, afectada pelas vicissitudes da obrigação principal. Conforme se diz no acórdão do STJ, datado de 21.4.2010, (Pº 458/09.2YFLSB), “tratando-se de uma contra-garantia (…), a autonomia revela-se ainda na impossibilidade de invocar excepções fundadas na relação subjacen......
-
Acórdão nº 487/13.1TVPRT.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 21 de Janeiro de 2016
...a forma e a medida em que as partes se obrigam. Tal como nos diz o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 21/04/2010, no Proc. 458/09.2YFLSB, in www.dgsi.pt : “… cumpre ter presente que, não obstante não se tratar de um negócio formal, a interpretação literal reveste-se de particular rel......
-
Acórdão nº 26602/17.8T8LSB.L1-2 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 19 de Abril de 2018
...qual não é, nem pode ser, afectada pelas vicissitudes da obrigação principal. Conforme se diz no acórdão do STJ, datado de 21.4.2010, (Pº 458/09.2YFLSB), “tratando-se de uma contra-garantia (…), a autonomia revela-se ainda na impossibilidade de invocar excepções fundadas na relação subjacen......
-
Acórdão nº 6070/13.4YYLSB-A.L1-2 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 01 de Fevereiro de 2018
...qual não é, nem pode ser, afectada pelas vicissitudes da obrigação principal. Conforme se diz no acórdão do STJ, datado de 21.4.2010, (Pº 458/09.2YFLSB), “tratando-se de uma contra-garantia (…), a autonomia revela-se ainda na impossibilidade de invocar excepções fundadas na relação subjacen......
-
Acórdão nº 7693/15.2T8LSB.L1-2 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 19 de Janeiro de 2017
...qual não é, nem pode ser, afectada pelas vicissitudes da obrigação principal. Conforme se diz no acórdão do STJ, datado de 21.4.2010, (Pº 458/09.2YFLSB), “tratando-se de uma contra-garantia (…), a autonomia revela-se ainda na impossibilidade de invocar excepções fundadas na relação subjacen......
-
Acórdão nº 487/13.1TVPRT.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 21 de Janeiro de 2016
...a forma e a medida em que as partes se obrigam. Tal como nos diz o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 21/04/2010, no Proc. 458/09.2YFLSB, in www.dgsi.pt : “… cumpre ter presente que, não obstante não se tratar de um negócio formal, a interpretação literal reveste-se de particular rel......
-
Acórdão nº 26602/17.8T8LSB.L1-2 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 19 de Abril de 2018
...qual não é, nem pode ser, afectada pelas vicissitudes da obrigação principal. Conforme se diz no acórdão do STJ, datado de 21.4.2010, (Pº 458/09.2YFLSB), “tratando-se de uma contra-garantia (…), a autonomia revela-se ainda na impossibilidade de invocar excepções fundadas na relação subjacen......
-
Acórdão nº 6070/13.4YYLSB-A.L1-2 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 01 de Fevereiro de 2018
...qual não é, nem pode ser, afectada pelas vicissitudes da obrigação principal. Conforme se diz no acórdão do STJ, datado de 21.4.2010, (Pº 458/09.2YFLSB), “tratando-se de uma contra-garantia (…), a autonomia revela-se ainda na impossibilidade de invocar excepções fundadas na relação subjacen......