Acórdão nº 40/10.1YFLSB de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 15 de Abril de 2010

Magistrado ResponsávelMAIA COSTA
Data da Resolução15 de Abril de 2010
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

S Privacidade: 1 Meio Processual: RECURSO PARA FIXAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA Decisão: PROSSEGUE O RECURSO Área Temática: DIREITO DE PROCESSO PENAL - RECURSOS EXTRAORDINÁRIOS Legislação Nacional: CÓDIGO DE PROCESSO PENAL (CPP): - 401º, Nº 1, D), 2ª PARTE, 437º, 438.º, N.º 2, 448.º CÓDIGO PENAL (CP) : - ARTIGOS 204.º, N.º 2, ALÍNEA A), 348.º, N.º 2, E 355.º.

Sumário : I - Nos termos do n.º 2 do art. 437.º do CPP, é admissível recurso de fixação de jurisprudência havendo oposição entre dois acórdãos das Relações, desde que verificados os requisitos do n.º 1 do mesmo artigo.

II - São requisitos formais do recurso: o trânsito em julgado das duas decisões, a interposição do recurso no prazo de 30 dias a partir do trânsito da última decisão, a legitimidade, limitada ao MP, ao arguido, ao assistente, e às partes civis; o interesse em agir, a identificação no requerimento de interposição do acórdão fundamento e a justificação da oposição.

III - Requisito central do recurso é a existência de decisões contraditórias quanto à mesma questão de direito, no domínio na mesma legislação. Essa contradição deve ser expressa e reportar-se à própria decisão, e não apenas aos seus fundamentos. Ela pressupõe também uma identidade fundamental entre os factos subjacentes às duas decisões, pois de outra forma dificilmente se poderá afirmar a existência de uma contradição de direito.

IV - Relativamente ao caso dos autos, e quanto aos requisitos de ordem formal, só a legitimidade do recorrente poderá suscitar dúvidas. Na verdade, ele não é assistente, já que essa qualidade lhe foi negada. Mas precisamente porque é essa a questão decidenda, porque o que está em causa é a apreciação da sua pretensão a constituir-se assistente, que lhe foi negada em recurso ordinário, cabe-lhe o direito de pugnar pelo seu direito também em sede de recurso extraordinário, ao abrigo do disposto nos arts. 401.º, n.º 1, al. d), 2.ª parte, e 448.º, do CPP.

V - Existe oposição de julgados se os acórdãos em causa decidiram divergentemente a questão de saber se, em processo por crime de desobediência, havendo interesse por parte de um particular no cumprimento da ordem violada, ele pode constituir-se assistente nos autos.

Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: I. RELATÓRIO R... e O..., S... de Gestão e Exploração Turística, S.A., vem, nos termos do disposto no art. 437°, nº 2 do Código de Processo Penal (CPP), interpor recurso para fixação de jurisprudência do acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 26.11.2009, proferido no proc. nº 867/08, por se encontrar, em seu entender, em oposição com o acórdão proferido pela mesma Relação em 15.1.2008, no proc. n° 2345/07.

É o seguinte o teor da petição de recurso: 1. No Acórdão ora recorrido afirma-se que: “(...) O crime de desobediência, pp. pelo art. 348.º do Cód. Penal, encontra-se no título V do Código Penal, dedicado aos crimes contra o Estado, neste, no seu capítulo II, dedicado aos crimes contra a autoridade pública, e na secção I "Da resistência e desobediência à autoridade pública". (...) Por sua vez, o crime de descaminho pp. pelo art. 355° do Código Penal, está inserido no mesmo título (crimes contra o Estado), e no mesmo capítulo (crimes contra a autoridade pública), na secção III dedicada à violação de providências públicas. (...) Nos crimes contra o Estado, como é o caso, ninguém se poderá constituir como assistente, uma vez que o interesse protegido pela incriminação é, a qualquer luz, exclusivamente público (...)”.

Aí se conclui, afirmando que: “(...) Não nos merece reparo a conclusão extraída na decisão recorrida de que à requerente não assiste legitimidade para, no caso, se constituir e intervir na qualidade de assistente, e consequentemente, assim, para impulsionar o exercício da acção penal através da abertura da instrução, quanto ao procedimento pelos crimes que imputou no respectivo requerimento de abertura de instrução.

Obviamente que não tendo a denunciante (não assistente) legitimidade para requerer a instrução [art. 287.°, n.° 1, al. b) do CPP], faltando esse pressuposto processual ou essa condição de procedibilidade, a instrução não é admissível, nos termos do disposto no n.° 3 do citado art. 287° do referido diploma adjectivo, o que acarreta a rejeição liminar do requerimento por aquela apresentado para abertura da instrução e prejudica o conhecimento das nulidades arguidas nesse requerimento, pelo que não nos merece censura a doutra decisão, recorrida, que consequentemente mantemos na íntegra.” 2. No Acórdão-fundamento, por seu turno, pode ler-se que: “A nosso ver, a situação descrita, tendo por pano de fundo um crime de desobediência qualificada p. e. p. pelo artigo 348.°, n.° 1 e 2°, em conjugação com o artigo 391.° do C.P.C., é, justamente, um dos casos em que, concomitantemente com a "autonomia intencional do Estado", o legislador visou proteger o direito que a um particular legitimamente assiste de ver cumpridas ordens que directamente visem acautelar os seus interesses, maxime, quando sejam proferidas no âmbito de um processo que teve origem na sua própria iniciativa e que visa a composição, ainda que provisória de um litígio de que é parte.

Ainda que se admita que o interesse directo e especialmente protegido no crime de desobediência é o interesse do Estado em manter o respeito pelas ordens emanadas pelas Autoridades, tal interesse nunca poderá catalogar-se como exclusivo, tendo em consideração o prejuízo sofrido pelo particular.

Não se descortina, portanto, qualquer razão válida para não admitir a intervenção do recorrente como assistente nos autos, estando em cima da mesa o não acatamento de uma providência cautelar judicialmente determinada e em que há um ofendido claramente concretizado, decorrendo para o mesmo prejuízo evidente (...)”.

  1. Assim, em ambos os Acórdãos se decide a questão de saber se um particular também ofendido por um crime de crime de desobediência, p. e p. pelo artigo 348.° do Código Penal, tem legitimidade para, relativamente a esse ilícito, se constituir assistente em processo-crime, ou seja, se se encontram preenchidos os requisitos necessários à requerida constituição como Assistente, de modo a que o particular deva ser considerado como Ofendido pela violação da norma penal imputada ao arguido.

  2. Acresce que a resposta à questão nos termos supra referidos condiciona necessariamente o sentido da resposta a dar à questão que, em termos idênticos, se coloca relativamente ao crime de...

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