Acórdão nº 12749/04.4TDLSB-A.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 08 de Abril de 2010

Magistrado ResponsávelSANTOS CARVALHO
Data da Resolução08 de Abril de 2010
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

S Privacidade: 1 Meio Processual: REVISÃO DE SENTENÇA Decisão: NÃO AUTORIZADA A REVISÃO Doutrina: - Professor Figueiredo Dias Direito Processual Penal, 44, citado por Maia Gonçalves no Código de Processo Penal Anotado e Comentado, 11.ª edição, págs. 795; - “Código de Processo Penal Anotado”, Simas Santos e Leal Henriques, 2000, II, 1043..

Legislação Nacional: - ART.º 29.º, N.º 6, DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA (CRP); A ART.ºS 30.º E 50.º, N.º1, AMBOS DO CÓDIGO PENAL (CP): OS ART.ºS 78.º, 126.º,127.º, 374.º, N.º 2, 449.º E SEGS, DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL (CPP), DESIGNADAMENTE A ALÍNEA D) DO N.º 1 E N.º3, DO ART. 449.º DO CÓDIGO ATRÁS CITADO (CPP); ART.º 47.°, N.º 1, DO REGIME GERAL DAS INFRACÇÕES TRIBUTÁRIAS ( RGIT).

Jurisprudência Nacional: - ACÓRDÃO DO STJ DE 12-01-2006, PROC. 3896/05-5; - SUMÁRIO DO AC. DO STJ DE 06-07-2006, PROC. N.º 2319/06-5; - ACÓRDÃO DO STJ DE 25-01-2007, PROC. N.º 2042/06-5; - ACÓRDÃO DO STJ DE 14-05-2008, PROC. N.º 700/08-3; - ACÓRDÃO DO STJ DE 26.11.09, PROC. N.º 103/01.4TBBRG.G.S. Sumário : I - Duas sentenças são inconciliáveis quando a decisão de uma exclui a da outra, não podendo ambas subsistir simultaneamente na ordem jurídica. Não há, porém, inconciliabilidade se as duas sentenças não são incompatíveis e, de algum modo, se podem harmonizar.

II - A sentença que declara existirem crimes autónomos entre os factos aí considerados e outros distintos configurados numa outra decisão, nunca gera incompatibilidade de decisões, pois é sabido que para a configuração do crime continuado não basta uma sucessão de factos no decurso do tempo, sendo necessária «a realização plúrima do mesmo tipo de crime ou de vários tipos de crime que fundamentalmente protejam o mesmo bem jurídico, executada por forma essencialmente homogénea e no quadro da solicitação de uma mesma situação exterior que diminua consideravelmente a culpa do agente» (art.º 30.º, n.º 2, do CP).

III - Ora, enquanto nos presentes autos (12749/04.4TDLSB) o tipo de crime ofendido é o de «abuso de confiança», no processo 87/02.1TAACN o tipo de crime lesado foi o de «fraude». Não se trata nem do mesmo tipo de crime nem de tipos de crime que fundamentalmente protejam o mesmo bem jurídico.

IV - Para além disso, a sentença revidenda considerou que a reiteração da conduta criminosa ao longo dos anos era um factor agravativo da culpa da ora recorrente e não de diminuição V - De resto, a sentença anterior já havia considerado não existir uma continuação criminosa entre os dois crimes de fraude fiscal então imputados à ora recorrente, exactamente porque os factos não demonstravam uma acentuada diminuição da culpa, mas, pelo contrário, uma crescente gravidade da culpa pela reiteração da conduta no tempo.

VI - Isto é, as duas sentenças não são incompatíveis e, pelo contrário, complementam-se e estão de acordo no ponto em que não há, nem podia haver, crime continuado.

VII - O STJ tem reafirmado a jurisprudência de que não cabe revisão da sentença com fundamento na eventual injustiça da pena. Vem isto a propósito de a recorrente se queixar de não ter sido feita uma avaliação em conjunto dos factos e da sua personalidade, pois, se tal tivesse sido considerado, ter-lhe-ia sido aplicada uma “pena única”, suspensa na sua execução. É claro que, no ponto de vista da recorrente, essa “pena única” era a que corresponderia a uma só punição pela existência de um crime continuado entre 1997 e 2004.

VIII - Ora, a necessidade de formular uma “pena única”, com esse ou outro fundamento, nunca seria motivo para revisão da sentença, mas matéria para recurso ordinário.

IX - A recorrente, quanto ao aspecto da “descoberta de novos factos e meios de prova”, reporta-se à questão do pedido que fez de suspensão do procedimento criminal, nos termos do disposto no art. 47.°, n.º 1, do RGIT, pedido esse que foi indeferido, a seu ver, com fundamento erróneo quanto aos pressupostos, como só agora logra provar.

X - Esta questão, porém, não tem a virtualidade de colocar em dúvida a justiça da condenação, pois, a suspensão do processo penal, nos termos daquela norma, assume neste momento um relevo meramente processual, já ultrapassado e sem reflexo na justiça da condenação, já que a oposição à execução fiscal deduzida então pela recorrente acabou por ser rejeitada pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria e, portanto, não tendo tido sucesso, o processo crime poderia prosseguir, como efectivamente aconteceu.

XI - Não cabe no âmbito de um recurso de revisão verificar se foi ou não feita prova de determinado facto que consta da sentença condenatória, com o erróneo fundamento de que a falta de prova, ainda que manifesta, equivale ao uso de um método proibido de prova, pois esta última situação só se verifica se estiver abrangida por um ou por vários dos casos taxativamente enunciados no art.º 126.º do CPP.

XII - Ainda que fosse exacto que a não suspensão da pena à recorrente teve por fundamento (erróneo) o trânsito em julgado da condenação anterior, mesmo assim não haveria fundamento para a revisão da sentença, pois estaria em causa a (eventual) injustiça “da pena” e não sérias dúvidas sobre a justiça da “condenação”.

XIII - Acresce que se estivesse provado na sentença condenatória que já ocorrera o trânsito, o que era um dado inexacto, não haveria um uso de método proibido de prova, mas um erro de julgamento, sindicável no recurso ordinário que a lei faculta ao condenado. Em qualquer caso, o uso de método proibido de prova tem de ser “descoberto” depois de transitada a condenação, o que não aconteceu no presente caso.

Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça 1. A arguida no processo n.º 12749/04.4TDLSB do Tribunal de Alcanena, foi condenada por sentença de 19 de Junho de 2008, transitada em julgado em 2 de Julho de 2009, após recurso, posteriormente rejeitado, para a Relação de Coimbra, pela prática, em co-autoria material e concurso real, de um crime de abuso de confiança fiscal, previsto e punido pelo artigo 105.°, n.ºs 1 e 2, do Regime Geral das Infracções Tributárias, em conjugação com o disposto nos artigos 98.°, 99.° e 101.° do Código do IRS, de um crime de abuso de confiança fiscal, previsto e punido pelo artigo 105.°, n.ºs 1, 2 e 5, do Regime Geral das Infracções Tributárias, em conjugação com o disposto nos artigos 26.°, n.º 1, 28.°, n.º 1, alínea c), e 40.°, n.º 1, alínea a), do Código do IVA, de um crime de abuso de confiança contra a Segurança Social, previsto e punido pelo artigo 105.°, n.ºs 1, ex vi artigo 107.°, n.º 1, do Regime Geral das Infracções Tributárias, em conjugação com o disposto nos artigos 5.° e 6.° do Decreto-Lei n.º 203/80, de 9 de Maio, e 18.° do Decreto-Lei n.º 140-D/86, de 14 de Julho, na pena única de 3 (três) anos e 6 (seis) meses de prisão.

  1. Veio essa condenada, ao abrigo do disposto no art.º 449.º do CPP, interpor recurso extraordinário de revisão dessa decisão e invoca, em resumo, o seguinte: - Por acórdão, proferido nos autos do processo comum colectivo com o n.º 87/02.1TAACN, que correu seus termos no mesmo Tribunal, transitado em julgado no dia 15 de Abril de 2005, foi condenada pela prática, em co-autoria material e concurso real, de um crime de fraude fiscal, previsto e punido pelo artigo 23.°, n.ºs 1, 2, alínea b), e 3, alíneas a) e e), do Regime Jurídico das Infracções Fiscais não Aduaneiras, por referência ao disposto nos artigos 16.°, n.º 1, 17.°, n.ºs 1 e 3, 96.°, n.º 1, alínea b), 109.°, n.º 1, alínea b), 112.°, n.º 1, e 115.° do Código do IRC, de um crime de um crime de fraude fiscal, previsto e punido pelo artigo 23.°, n.ºs 1, 2, alínea b), e 3, alíneas a) e e), do Regime Jurídico das Infracções Fiscais não Aduaneiras, por referência aos artigos 26.°, n.º 1, 28.°, n.º 1, alínea c) e 40.°, n.º 1, alínea a), do Código do IVA, de uma contra-ordenação, prevista e punida pelo artigo 116.° do Regime Geral das Infracções Tributárias, de uma contra-ordenação, prevista e punida pelo artigo 119.°, n.ºs 1 e 2, do Regime Geral das Infracções Tributárias, na pena única de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão e na coima de €450,00 (quatrocentos e cinquenta euros), suspensa na sua execução pelo período de 4 (quatro) anos, sob a condição de pagar ao Estado Português o montante dos impostos em dívida e legais acréscimos, no valor global de €1.089.295,10 (um milhão oitenta e nove mil duzentos e noventa e cinco euros e dez cêntimos), acrescido de juros de mora vencidos e vincendos até efectivo e integral pagamento, no prazo de 4 (quatro) anos subsequentes à condenação, demonstrando nos autos tal pagamento na proporção anual de 1/4; - Do confronto da factualidade provada nos presentes autos e no mencionado acórdão proferido no processo comum n.º 87/02ATAACN resulta manifesto que os factos aqui imputados à arguida traduzem a continuação daqueles e que, por isso, deveria ter-se procedido à qualificação de tais factos como continuação criminosa; - Não obstante a decisão condenatória em crise se tenha baseado na convicção de que a arguida não deduziu qualquer oposição no âmbito da execução fiscal, a prova documental apresentada na fase de recurso de revisão demonstra, na perspectiva da recorrente, precisamente o contrário e atesta que se verificam os pressupostos consagrados no artigo 47.°, n.º 1, do Regime Geral das Infracções Tributárias; - O facto do acórdão recorrido ter tomado em consideração a decisão condenatória proferida no processo comum n.º 87/02.1TAACN para entender que no momento da prática dos factos em causa nos presentes autos (verificados nos anos de 2002 a 2004) a arguida revelou que a solene advertência que lhe foi imposta com aquela pena de nada lhe serviu para prevenir a renovação da conduta delituosa, apesar de tal decisão só ter transitado em julgado no dia 15 de Abril de 2005, consubstancia a utilização de um método proibido de prova, o que a lei expressamente proíbe no artigo 126.°, n.º 2, do Código de Processo Penal; - A sentença recorrida enferma do vício da inexistência...

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