Acórdão nº 08S2466 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 19 de Novembro de 2008

Magistrado ResponsávelMÁRIO PEREIRA
Data da Resolução19 de Novembro de 2008
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça: I - A autora AAintentou a presente acção especial de acidente de trabalho contra a ré BB, pedindo que esta fosse condenada a pagar-lhe uma pensão anual e vitalícia, no valor de € 8.357,46, a partir de 23 de Setembro de 2000, € 3.818,80, a título de subsídio por morte, e € 2.545,86, a título de despesas de funeral.

Alegou, em síntese: No dia 22 de Setembro de 2000, quando estava sob as ordens, direcção e fiscalização da R. e mediante a retribuição de Esc. 1.700$00 por hora, CC, marido da A. e com quem vivia, foi vítima de um acidente de trabalho que consistiu em ter-se desmoronado a chaminé do telhado onde aquele se encontrava a trabalhar, que o veio a atingir e a fazer cair, do que lhe resultaram lesões traumáticas que lhe determinaram a morte no mesmo dia.

Pagou as despesas do funeral.

A ré contestou.

Excepcionou a incompetência territorial do Tribunal do Trabalho de Vila Franca de Xira e a ilegitimidade processual da ré, esta porque, segundo invocou, o sinistrado actuava no âmbito de um contrato de empreitada e não em cumprimento de um contrato de trabalho.

Impugnou factos da petição inicial e invocou que o desmoronamento da chaminé se deu por culpa do sinistrado e que a queda e morte do sinistrado foram causadas por doença natural que o afectou naquele momento.

Mais invocou que, à data da morte do sinistrado e antes de tal data, o mesmo vivia separado da autora, fazendo os mesmos vidas pessoais, económicas e domésticas independentes e sem que o sinistrado contribuísse para o sustento, habitação ou alimentação da A..

O ISSS (Instituto de Solidariedade e Segurança Social) também foi citado e veio a deduzir pedido de reembolso contra a R. no valor de € 5.690, 45, acrescido das pensões de sobrevivência pagas na pendência da acção e de juros de mora desde a data da citação e até integral pagamento, alegando, na essência, que, com base no falecimento do CC pagou à A., a título de subsídio por morte, a quantia de € 1.983,07 e, a título de pensões de sobrevivência no período compreendido entre Outubro de 2000 e Setembro de 2002, a quantia de € 3.707,38.

A autora respondeu à ré, pugnando pela improcedência das excepções e pela existência de um contrato de trabalho subordinado entre o sinistrado falecido e a ré.

A ré contestou o pedido do ISSS, dizendo não ter de efectuar reembolso algum por não ter ocorrido um acidente de trabalho indemnizável.

Foi elaborado despacho saneador, em que se julgou competente o Tribunal do Trabalho de Vila Franca de Xira e a ré parte legítima.

Condensada, instruída e discutida a causa, foi proferida sentença que julgou a acção totalmente improcedente e absolveu a ré dos pedidos formulados pela autora e pelo ISSS.

Dela apelou a autora, tendo a Relação de Lisboa confirmado a sentença.

II - Novamente inconformada, a autora interpôs a presente revista, em que apresentou as seguintes conclusões: 1ª. No dia 22.9.2000, pelas 8h00, CC encontrava-se, em pé, sobre o madeiramento do telhado do prédio urbano sito na Avenida ............/..., na cidade de Santarém.

  1. Em cima desse telhado, mas afastado do CC encontrava-se também o seu colega de trabalho, DD.

  2. O referido CC procedia à substituição do madeiramento do telhado, em execução de um contrato que outorgara com a ré, proprietária do referido imóvel, com vista à substituição do telhado, estruturas de madeira e beirais que se encontravam degradados.

  3. No imóvel existia uma chaminé, com cerca de 2,5 a 3 metros de altura, com uma base quadrada de cerca de 50 cm de lado e que pesava cerca de 500 quilos.

  4. De repente, a dita chaminé desmoronou-se, caindo sobre o telhado, tendo o CC caído também, ficando preso entre os destroços da chaminé e o madeiramento do telhado.

  5. Quando os elementos da equipa de socorro, as testemunhas PO e NN, acorreram ao local do acidente pelas 8h 15 da manhã, uma parte dos destroços da chaminé (que pesava cerca de 500 quilos) encontrava-se sobre o corpo do sinistrado, o qual se encontrava prostrado sobre o madeiramento do telhado, em decúbito dorsal com ângulo de 90° entre os membros inferiores e o tórax (cf. Inquérito de fls. 49 e segs. e fundamentação das respostas aos quesitos).

  6. Esses socorristas suspeitaram, de imediato, que a vítima apresentava várias fracturas designadamente na coluna, e já não detectaram quaisquer sinais vitais no sinistrado, o qual se encontrava em paragem cardio-respiratória.

  7. No relatório da autópsia efectuada no dia seguinte, os senhores peritos médicos constataram que o cadáver do CC apresentava traumatismo toráxico com fractura de três costelas e infiltração sanguínea dos músculos intercostais à esquerda; fractura do colo do fémur esquerdo; fractura da coluna vertebral, com diástase dos topos ósseos e secção medular; hipertrofia ventricular esquerda confirmada com o exame histológico que revelou alteração do tecido do miocárdio (fls. 32 e 33 dos autos).

  8. E das conclusões do mesmo relatório consta que a morte do sinistrado se terá ficado a dever ao traumatismo vertebro-medular atrás descrito, não se podendo excluir patologia cardíaca como causa desencadeante da queda ou causa da morte.

  9. E que essas lesões foram causa adequada da morte.

  10. E que todas as lesões denotam ter sido produzidas por objecto contundente ou actuando como tal, podendo ser devidas a queda de um telhado, conforme informação recolhida, não sendo possível excluir haver uma doença natural de origem cardíaca, que poderá também ter originado a morte/ou a queda.

  11. Em audiência de julgamento, os senhores peritos médicos que subscreveram o relatório da autópsia confirmaram o seu teor e reafirmaram que o sinistrado pode - ou não - ter sofrido, também, um colapso cardíaco, embora não fossem visíveis sinais do mesmo e que, a ter ocorrido tal colapso, o mesmo pode ter ocorrido sem mais ou ter resultado de um susto, provocado, designadamente, pela visão da queda da chaminé ou pela derrocada da mesma sobre o corpo do sinistrado.

  12. Mais afirmaram os senhores peritos que, não sendo as fracturas do colo do fémur e da coluna vertebral, em si e, por regra, letais, e não podendo afirmar-se que o sinistrado tenha ou não falecido em resultado de lesões cardíacas, não pode excluir-se a conclusão de que a morte tenha ocorrido pelos dois motivos, as graves lesões traumáticas e colapso cardíaco.

  13. Analisando a sequência cronológica supra referida, é legítimo afirmar e concluir que ocorreu um evento em sentido naturalístico, externo, súbito e violento que atingiu o CC.

  14. E de que este sofreu múltiplas e graves lesões, designadamente, fractura de três costelas com infiltração sanguínea dos músculos intercostais, fractura do colo do fémur esquerdo, fractura da coluna lombar com diástase dos topos ósseos (afastamento dos ossos nas suas conexões normais - in Dic. de Língua Portuguesa, Porto Editora) bem como secção da medula, e que estas lesões se ficaram a dever ao desmoronamento da chaminé e à queda da vítima, pelo que se encontra demonstrada a existência de lesões e o nexo causal entre o evento externo, fortuito e violento, e essas mesmas lesões.

  15. Dúvidas também não restam de que os elementos fornecidos pelos autos, expressa e/ou implicitamente admitidos pelo douto acórdão recorrido, não permitiam que o tribunal a quo tivesse decidido que é desconhecida a causa da morte da vítima, que sendo a mesma desconhecida se não pode estabelecer um nexo causal entre as lesões corporais sofridas pela vítima e a sua morte e que a lei não estabelece nenhuma presunção de nexo causal entre as lesões resultantes de um acidente de trabalho e a morte do sinistrado (ainda que umas e outra tivessem sido verificadas imediatamente a seguir ao acidente e no local do mesmo), e que, incumbindo à autora o ónus de tal prova, não logrou fazê-la.

  16. Muito pelo contrário, impunha-se decisão diversa que respeitasse a sequência lógica dos acontecimentos nem reflecte o bom senso que deve nortear a actividade do julgador.

  17. Na verdade, os elementos constantes dos autos, sem sombra de dúvida e numa sequência lógica, revelam uma dinâmica quase fotográfica do Sinistro que vitimou o infeliz CC, de tal modo que qualquer bom pai de família colocado na posição do julgador, é capaz de reconstituir mentalmente as imagens do sucedido: O trabalhador está em cima do madeiramento do telhado de um imóvel a proceder à respectiva substituição, no telhado existe uma chaminé com 2,5 a 3 m de altura, um perímetro de 2 m e 500 kg de peso, de repente a chaminé desmorona-se e cai, o trabalhador cai também, parte da chaminé derrocada cai sobre o corpo do trabalhador, provocando-lhe lesões traumáticas gravíssimas, entre elas, a fractura do colo do fémur, a fractura da coluna vertebral com afastamento dos ossos nas suas conexões normais (diástase) e a secção da medula, sendo que, tanto essas lesões como a paragem cardio-respiratória e a perda de sinais vitais do trabalhador são constatadas pelos socorristas no local do sinistro, minutos depois da funesta ocorrência.

  18. E o facto de, na autópsia ao cadáver do CC, face à constatação da existência de uma patologia no coração, se colocar a hipótese de o sinistrado poder ter sofrido também um colapso cardíaco - hipótese, não confirmada por falta de sinais visíveis de enfarte recente - não pode afastar o julgador da conclusão lógica de que o sinistrado faleceu em consequência do acidente de trabalho.

  19. Por um lado, porque as conclusões dos senhores peritos médicos, tanto no relatório da autópsia (em que acentuam como causa da morte as lesões vertebro-medulares) como na audiência de julgamento, são de que a morte do sinistrado terá, eventualmente, resultado das duas causas associadas, lesões traumáticas e colapso de origem cardíaca, sem se poder excluir qualquer delas.

  20. Por outro lado, tal como sublinham os senhores peritos médicos, caso o sinistrado tenha sofrido um colapso cardíaco, tal pode ter resultado de patologia anterior ou do facto de a vítima se ter assustado, quer com a visão...

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