Acórdão nº 08P414 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 21 de Maio de 2008

Magistrado ResponsávelARMÉNIO SOTTOMAYOR
Data da Resolução21 de Maio de 2008
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: I RELATÓRIO 1.

No âmbito do proc. 4441799.6TDPRT, da 4ª Vara Criminal do Porto, foram acusados pelo Ministério Público da prática, em co-autoria material, de três crimes dolosos de burla qualificada, p. e p. pelos arts 217º nº 1 e 218º nº 1 e 2 als. a) e b) do Código Penal, AA, BB e CC, identificados nos autos. A arguida foi ainda acusada da autoria material de três crimes dolosos de fraude na obtenção de subsídio, p. e p. pelos art. 36º nº 1 als. a), b) e c), nº 2, nº 3 al. a), nº 8 als. a) e b), com referência ao art. 21º, todos do Decreto-Lei n.º 28/84, de 20 de Janeiro, de três crimes de burla qualificada p. e p. pelos arts 217º nº 1 e 218º nº 1 e 2 als. a) e b) e de vinte e cinco crimes de burla, qualificada p. e p. pelos arts 217º nº 1 e 218º nº 1 e 2 al. b) sendo três na forma tentada, e de seis crimes de falsificação de documento, p. e p., pelos arts. 256º nº 1 als. a), b) e c) e nº 3 do Código Penal.

Submetidos a julgamento por tribunal colectivo, este tribunal, por acórdão de 20 de Maio de 2004 (fls. 8623-8799), absolveu o arguido CC dos crimes de burla que lhe eram imputados. De igual modo, absolveu a arguida AA absolvida de um dos crimes de burla qualificada p. e p. pelos arts 217º nº 1 e 218º nº 1 e 2 al. b), tendo-a condenado pela prática dos restantes 39 crimes, em penas parcelares que variaram entre 9 meses e 4 anos de prisão e, feito o cúmulo, na pena única de 20 anos de prisão. Por seu turno, condenou o arguido BB, pela prática dos crimes que lhe eram imputados na acusação, nas penas parcelares de 3 anos, 4 anos e 4 anos e 6 meses e na pena única de 5 anos e 6 meses de prisão.

Houve recurso para o Tribunal da Relação do Porto, que, por acórdão de 2 de Março de 2005, reconhecendo que o acórdão de primeira instância, por omissão do exame crítico das provas, padece de nulidade na sua fundamentação, o anulou, determinando que o tribunal proceda à elaboração de novo acórdão, em que integralmente observe as exigências do nº 2 do art. 374º do Código de Processo Penal.

Desta decisão recorreu a arguida para o Supremo Tribunal de Justiça, recurso que não foi admitido por despacho do relator, do qual a arguida reclamou para o Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, que indeferiu a reclamação. Inconformada, recorreu a para o Tribunal Constitucional, que negou provimento ao recurso.

Foi então proferido, em 5 de Janeiro de 2006, novo acórdão pelo tribunal colectivo, que manteve as absolvições e condenações em termos idênticos ao anteriormente decidido.

A arguida e o assistente INETI apresentaram pedidos de aclaração, que foram desatendidos por despacho do presidente do tribunal colectivo. A arguida arguiu a inexistência deste despacho, por não proceder do tribunal colectivo, mas o seu pedido foi indeferido. Houve recurso, em separado, para o Tribunal da Relação, que não foi conhecido com fundamento na falta de interesse em agir da recorrente.

Inconformados com a condenação, os arguidos AA e BB recorreram ao Tribunal da Relação do Porto, que, por acórdão de 20 de Junho de 2007, julgou procedente o recurso do arguido BB, decretando a sua absolvição, e parcialmente procedente o recurso da arguida AA que absolveu da prática de 9 crimes de burla qualificada, sendo quatro previstos pelos arts. 217º nº 1 e 218º nº 1 e 2 als. a) e b) e cinco previstos pelos arts. 217º nº 1 e 218º nº 1 e 2 al. b). Após proceder a novo cúmulo, a Relação fixou a pena única em 11 anos de prisão.

Por requerimento de 20 de Julho de 2007, a arguida veio requerer a aclaração do acórdão da Relação, o que foi indeferido por acórdão de 3 de Outubro de 2007.

2.

Mantendo a sua irresignação, a arguida apresentou, por via electrónica, em 2 de Novembro de 2008, recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, o qual termina pelas conclusões que se transcrevem: B1: O douto acórdão recorrido, ao decidir que a competência para proceder a aclaração de acórdãos cabe ao Presidente do Tribunal Colectivo, paraninfou o vicio da usurpação de poderes, com a consequência jurídico-processual da inexistência do despacho "aclaratório", da autoria do Ex.mo Presidente do Colectivo da 1a instância.

B2: Em consequência deste entendimento redundou violado o disposto na alínea d) do nº 1 do artigo 108° da Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais, aprovada pela Lei nº 3/99, de 13 de Janeiro, com posteriores alterações B3: e o nº 9 do artigo 32° da Constituição da República, B4: pelo que deve ser anulado todo o processado desde a prolação do acórdão da 1a instância, ordenando V.as Ex.as a baixa do processo para que a aclaração impetrada seja dada ou denegada pelo órgão competente para o efeito: o Tribunal Colectivo, por meio de acórdão.

B5: Por outro lado, o acórdão da 1a instância, desrespeitando caso julgado anterior, ao não proceder iuxta modum ao "exame crítico da prova produzida", violou, desde logo, o disposto no artigo 374°, nº 2 do Código de Processo Penal, comando que constitui a densificação, no direito legislado, do disposto no nº 1 do artigo 205° do diploma fundamental B6: norma esta de conteúdo análogo ao dos preceitos relativos aos direitos fundamentais, embora sistematicamente inserida afora da consagração constitucional dos mesmos. Acresce que B7: outros vícios podem e devem ser assacados à decisão recorrida e, por consequência, também àquela da 1ª instância, designadamente o não reconhecimento da "excepção" da prescrição do procedimento criminal, nos termos referidos sob A3 da motivação do presente recurso, do que resultou violado o disposto no artigo 121° do Código Penal. E ainda: B8: como consta dos autos, no decurso da audiência (em 1a instância) procedeu-se a diversos "reconhecimentos". Ora, tal meio de prova, com os contornos que, em concreto, assumiu, violou o disposto no artigo 147° do Código de Processo Penal, não tendo valor como tal, pelo que o julgamento da 1ª instância deve ser anulado B9: uma vez que os ditos "reconhecimentos", como agora é reconhecido pela lei, sem margem para dúvidas, mas já devia ser como tal considerado anteriormente à entrada em vigor da Lei nº 48/2007, de 29 de Agosto, violam, além do mais, o disposto no artigo 32°, nº 1 da Constituição, ao não assegurarem ao arguido - no caso, à recorrente - a plenitude dos direitos de defesa. Por outro lado, B10: o acórdão recorrido, pura e simplesmente, ignorou o referido nas "conclusões" B16 a B29 do recurso apresentado na 1ª instância, assim incorrendo em nulidade (artigos 379°, nº 1, alínea c) e 425°, nº 4, ambos do Código de processo Penal) B11: além de ter violado, como já anteriormente assinalado, a proibição de valoração de prova resultante do nº 1 do artigo 361° do Código de Processo Penal, pelo que sempre deveria o mesmo ser anulado, para que o Tribunal da Relação do Porto profira outro, no qual conheça das questões submetidas ao respectivo julgamento e, de entre estas, aquela agora em apreço.

B12: No que toca as conclusões B30 a B33 do primeiro recurso, o acórdão do Tribunal da Relação do Porto não considerou, erroneamente, o vício que se topa no acórdão da 1ª instância, do "erro notório na apreciação da prova", consistente na clara desaplicação por esta do princípio geral do processo penal, consagrado no nº 2 do artigo 32° da Constituição da República - norma esta, aliás, directamente aplicável - do in dubio pro reo B13: o que permitiu conclusões, acerca da autoria de certos crimes pelos quais a recorrente veio a ser condenada, eivadas de erro de direito. Deve, pois, pela invocada razão e mediante o alto suprimento de V.as Ex.as ser anulado o acórdão recorrido e, bem assim, como então impetrado, o da 1ª instância.

B14: Também no que toca a invocada "continuação criminosa" - conf., supra, nesta motivação, sob A7 - as considerações bordadas no douto acórdão recorrido e aí ponto 8, fs. 216 e 217, não logram convencer, do que resultou a violação do artigo 30° do Código Penal. Acresce que B15: as questões anteriormente suscitadas pela ora recorrente acerca dos alegados crimes de "burla" e "falsificação de documento", não foram resolvidas de acordo com a lei pelo acórdão recorrido, pelo que redundaram violados os artigos 217° e 256° do Código Penal. Finalmente, B16: a medida concreta da pena aplicada à recorrente, ainda que se aceitasse, sem reservas - o que não é o caso - ter a mesma perpetrado a totalidade dos delitos pelos quais veio a ser condenada na 2a instância afigura-se desadequada e desproporcionada, face à finalidade rectora da pena de prisão: a prevenção geral positiva ou de integração. Como tal B17: na irrecorrência das qualificativas referidas no artigo 218°, nº 2 do Código Penal - norma que, por força do apelo à respectiva hipótese, resultou violada - sempre o presente recurso seria credor de parcial provimento, com condenação da arguida na pena de prisão já efectivamente cumprida, em sede de prisão preventiva.

Por despacho de 14 de Novembro de 2007 do relator do processo na Relação, foi o recurso admitido.

3.

O Ministério Público no Tribunal da Relação teceu, na sua resposta, diversas considerações quanto ao âmbito do recurso, tendo concluído a peça processual que subscreveu com as considerações seguintes: 1 - A recorrente foi condenada em 1ª instância, pela prática de 30 crimes de burla qualificada, 3 de fraude na obtenção de subsídio e 6 de falsificação de documento, na pena única de 20 anos de prisão.

2 - O acórdão da Relação, dando provimento parcial ao recurso, absolveu-a do cometimento de nove crimes de burla qualificada, mas manteve a anterior condenação pelos restantes crimes, ou seja, por 21 crimes de burla qualificada, 3 de fraude na obtenção de subsídio e 6 de falsificação de documento, o que implicou a reformulação do cúmulo jurídico e a redução da pena única para onze anos de prisão.

3 - O acórdão da Relação deve, assim, ter-se por confirmativo da decisão de 1ª instância no tocante aos crimes por que acabou a recorrente condenada, uma vez que, quanto a eles...

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