Acórdão nº 520/06.3JALRA de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 11 de Março de 2009

Magistrado ResponsávelDR. FERNANDO VENTURA
Data da Resolução11 de Março de 2009
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

I.

Relatório Nos presentes autos com o NUIPC 520/06.3JALRA do 1º Juízo Criminal de Leiria, por acórdão proferido em 11/04/2008, foram os arguidos ..., nascido em 08/06/67, e ..., nascido a 22/12/74, condenados: Como co-autores de um crime de extorsão, na forma tentada, p. e p. pelos artºs. 22º, 223º, nºs 1 e 3, al. a) e 204º, nº2, als. a) e f) do Código Penal (CP), na pena, cada um, de três anos de prisão; Como co-autores de um crime de roubo, p. e p. pelo artº 210º, nº1 do CP, na pena, cada um, de um ano e seis meses de prisão; Como co-autores de um crime de sequestro, p. e p. pelo artº 158º, nº1 do CP, na pena, cada um, de um ano de prisão; Em cúmulo dessas penas, pena única de quatro anos e seis meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período, com regime de prova.

O arguido ... não se conformou com a condenação e interpôs recurso. Apresentou as seguintes razões, com expressão nas conclusões que se passam a transcrever: - Impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto: 1ª - Na decisão relativa à delimitação dos factos provados e não provados, o Tribunal a quo violou os princípios consagrados nos artigos 127° e 128°, n.° 1 do CPP, e, por inerência, o princípio in dubio pro reo, consagrado no artigo 32°, n.° 2 do CRP.

  1. - Ao, sustentando-se nesses factos, condenar o arguido, em co-autoria material e em concurso efectivo heterogéneo, pela prática de um crime de extorsão na forma tentada, p.p. pelo artigo 223°, n°s 1 e 3-a), conjugado com o artigo 204°, n.° 2-a) e f) e artigo 22°, todos do Cód. Penal, na pena de três anos de prisão; pela prática, em co-autoria material e na forma consumada, de um crime de roubo, p.p. pelo artigo 210, n.° 1 do Cód. Penal, na pena de um ano e seis meses de prisão; pela prática, em co-autoria material e na forma consumada, de um crime de sequestro, p.p. no artigo 158°, n.° 1 do Cód. Penal, na pena de um ano de prisão; e, por fim, no pagamento, ao ofendido, de € 3.220,00, o Tribunal a quo incorreu na violação dos citados normativos, e, ainda, na violação do artigo 129° do Cód. Penal, em concomitância com os artigos 483°, 562° e 563° do Cód. Civil.

  2. - Essa violação resulta da circunstância de, in casu, ter interpretado os indicados artigos 127° e 128°, n.° 1 do CPP, no sentido da irrelevância, in casu, das regras da experiência comum e dos depoimentos das testemunhas presenciais, no momento de apreciar e valorar as provas, analisando-as redutora e simplisticamente.

  3. - O vício referido na conclusão anterior encontra-se patenteado na definição dos factos provados e não provados, repercutindo-se, em prejuízo do arguido, na decisão da matéria de direito, que acabou por culminar em condenação.

  4. - O Tribunal a quo deveria ter interpretado tais normativos no sentido contrário. Precisamente no sentido de que a livre convicção do julgador deverá ser sempre temperada com as regras da experiência e deverá sedimentar-se, de acordo com essas regras, na análise conjunta/global e conjugada de todas as provas carreadas e produzidas, dando-se prevalência, no que à prova pessoal respeita, às testemunhas presenciais.

  5. - Em consequência, o acórdão recorrido padece de erro de julgamento quanto à definição dos factos provados e não provados.

  6. - Constando do processo todos os elementos que serviram de base à decisão do tribunal de 1ª instância, tendo havido impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto, e estando o Tribunal ad quem investido dos poderes de cognição, de facto e de direito, encontra-se habilitado para modificar a decisão de facto (artigos 428° e 431° do CPP), e, como decorrência dessa modificação - que seguidamente se enunciará -, deverá determinar a absolvição do arguido: 7.1ª - Factos que devem considerar-se provados: Apenas os seguintes: - Por razões concretamente não apuradas, mas conforme havia sido combinado previamente entre ambos, no dia 14 de Dezembro de 2006, pelas 14.00 horas, ...e, fazendo-se transportar no seu veículo automóvel, dirigiu-se à residência do arguido..., acompanhando-se de um livro de 150 cheques.

    - Aí chegado, por acordo entre ambos, preencheu e entregou àquele arguido os seguintes cheques, todos sacados sobre a conta n.° XXXXXXXXXXX do Banco Santander, da qual era titular: - cheque n.° 1100000898, de € 9.000,00, datado para 28/03/2007; - cheque n.° 2900000896, de € 9.000,00, datado para 28/01/2007; - cheque n.° 2000000897, de € 9.000,00, datado para 15/02/2007.

    - Na data referida em A) o saldo da conta identificada em B) era de € 131,24.

    - Os indicados cheques não foram apresentados a pagamento.

    - Em 18-12-2008, na pastelaria denominada "PQ...", sita em...., por acordo entre o ofendido J... e o arguido F..., este entregou àquele, um dos mencionados cheques de € 9.000,00, recebendo, em troca, outros dois cheques, igualmente sacados sobre a conta identificada em B): - Cheque n.° 5400000904, no valor de € 5.000,00 e datado para 28-03-2007; - Cheque n.° 6300000903, no valor de € 4.000,00, data para 19-12-2006.

    - Também estes dois cheques não foram apresentados a pagamento.

    7.2ª - Factos que deveriam considerar-se não provados: Pela razões e provas indicadas supra e por serem incompatíveis com os elencados na precedente conclusão: - Todos os discriminados nos parágrafos 1 a 47, constantes de fls. 2267 a 2276; - Os alegados no PIC, indicados a fls. 2276, ponto 2.

  7. - Na procedência da argumentação vertida nas conclusões anteriores, deve o Tribuna ad quem determinar a modificabilidade da decisão de facto nos termos preconizados e, por inerência, declarar a absolvição dos arguidos.

    Impugnação da decisão de direito: 9ª - Improcedendo o que se defendeu nas conclusões precedentes, incumbe invocar, a título subsidiário, que, subsistindo a factualidade provada tal como foi configurada pelo Tribunal a quo, se verifica erro na qualificação jurídica desses factos: 10ª - Percorridos estes, verifica-se que privação da liberdade do ofendido foi o meio utilizado para a consumação do roubo, pelo que este ilícito consome o sequestro.

  8. - O roubo consome, igualmente, a extorsão, uma vez que os factos provados não traduzem uma disposição patrimonial directamente empreendida pelo ofendido, diferida no tempo, mas sim actos de apropriação perpetrados pelos arguidos, simultaneamente àquela privação da liberdade.

  9. - Ao condenar os arguidos pela prática dos três referidos crimes, em concurso real/efectivo heterogéneo, o Tribunal a quo desrespeitou as regras informadoras das relações de concurso aparente existentes entre cada um dos ilícitos, descurando que, in casu, o crime de roubo consome os crimes de sequestro e de extorsão, incorrendo, desse modo, na violação dos artigos 158°, n.° 1, 210°, n.° 1 e 223° do Cód. Penal.

  10. - Esta violação decorre exactamente da circunstância de, face ao conjunto dos factos provados, não ter interpretado os citados normativos no sentido vertido na conclusão anterior.

  11. - Deve, portanto, determinar-se a revogação do acórdão recorrido, condenando o arguido apenas pela prática de um crime de roubo, p.p. no artigo 210°, n.° 1 do Cód. Penal.

  12. - Por força do imperativo consagrado no artigo 409° do CPP, não sendo interposto recurso pelo Ministério Público, o Tribunal ad quem não pode modificar, na sua espécie ou medida, as sanções constantes da decisão recorrida, em prejuízo do arguido.

  13. - Pela prática do crime de roubo, o recorrente foi condenado na pena parcelar de um ano e seis meses de prisão, suspensa na sua execução.

  14. - Face à factualidade provada constante de fls. 2276 a 2278 e de fls. 2280, procedendo os fundamentos ora invocados, e ao abrigo do disposto nas disposições conjugadas dos artigos 210°, n.°1, 40°, 50°, 71º , todos do Cód. Penal, essa pena parcelar deverá ser convertida numa pena única igualmente suspensa na sua execução, fixada no seu limite mínimo: um ano.

    Respondeu o magistrado do Ministério Público junto do Tribunal a quo, deixando as seguintes conclusões: Os factos dados como assentes pelo tribunal recorrido fundaram-se na prova produzida na audiência de julgamento, mormente, as declarações do ofendido, as quais, desde o início, com a denúncia, e posteriormente, em sede de audiência de julgamento, foram coerentes e plausíveis sem que suscitassem ao colectivo dúvidas razoáveis sobre a sua veracidade; II) Tal depoimento, conjugado com a restante prova recolhida no inquérito - objectos e documentos relacionados com os factos denunciados, apreendidos na casa do arguido F... - e com os depoimentos dos inspectores da P. Judiciária, alicerçaram a convicção do tribunal a quo sobre os factos imputados aos arguidos; III) As testemunhas indicadas pela defesa não infirmaram a veracidade de tais factos, não só porque os não presenciaram, mas também porque algumas são pessoas com ligação próxima - a ex-esposa, mas residente - ou profissional ao arguido - jardineiros -; IV) No caso vertente os crimes de roubo e extorsão não consomem o crime de sequestro, porquanto, a privação da liberdade do ofendido prolongou-se para além do tempo necessário ao cometimento daqueles ilícitos e, para além disso, a forma com que o mesmo foi impedido de se locomover - manietado e preso a uma cadeira sem possibilidade de sair da cave do arguido - e, depois, obrigado, sob ameaça, a acompanhar os arguidos ao banco, preenche este tipo legal de crime, para cuja verificação não se exige, aliás, um determinado período mínimo ou específico de tempo; V) O tribunal recorrido apreciou, pois, correctamente, as provas produzidas na audiência de discussão e julgamento, não incorrendo em qualquer erro de julgamento, ou vício na apreciação e fundamentação de facto ou de direito, pelo que deve ser confirmado na íntegra, negando-se, consequentemente, provimento ao recurso.

    Neste Tribunal, a Srª. Procuradora-Geral adjunta emitiu douto parecer, nos termos do qual, e em síntese, considera que não se verifica violação do princípio in dubio pro reo, nem deficiente interpretação do disposto nos artsº 127º e 128º do Código de Processo Penal...

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