Acórdão nº 6193/06.6TBMTS.P1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 01 de Julho de 2014

Magistrado ResponsávelMARIA CLARA SOTTOMAYOR
Data da Resolução01 de Julho de 2014
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam na 1.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça: I - Relatório AA (a quem sucederam, por habilitação de herdeiros, BB, CC e DD) e mulher BB, EE e mulher FF (a quem sucederam, por habilitação de herdeiros, EE, GG e HH) e II e mulher JJ, intentaram acção com processo declarativo e forma ordinária contra: KK e esposa LL e MM e esposa NN, Pedido 1º - Que se declare transmitido para os Autores AA e esposa BB, casados no regime de comunhão geral de bens, o direito de propriedade sobre 1/10 indiviso dos prédios: urbano, constituído por casa de 2 andares, inscrito na matriz predial sob o artº 103º, e urbano, constituído por edifício de rés-do-chão destinado a comércio, inscrito na matriz predial sob o artº nº …, ambos sitos no lugar de ..., freguesia de ..., concelho de Vª Nª de Famalicão, e formam o descrito na C.R.P. de Vª Nª de Famalicão sob o nº … daquela freguesia, registada a dita fracção a favor dos vendedores pela inscrição G-1.

  1. - Declarar-se transmitido para os AA. EE, casado com FF, no regime de comunhão de adquiridos, 1/20 indivisos dos prédios precedentemente identificados.

3º - Declarar-se transmitido para os AA. II, casado com JJ, no regime de comunhão de adquiridos, 1/20 indivisos dos prédios precedentemente identificados.

Pedido Subsidiário Que sejam os RR. condenados a reconhecer os AA. AA e esposa BB como donos e legítimos proprietários de 1/10 avos indivisos dos prédios supra referidos, que adquiriram por usucapião, e ainda os mesmos RR. condenados a reconhecer os AA. EE (e mulher FF) e II (e esposa JJ), cada um deles como donos e legítimos proprietários de 1/20 avos indivisos dos prédios supra referidos, que igualmente adquiriram por usucapião.

Tese dos Autores Os 1ºs e os 2ºs RR. são, cada um deles, donos de 1/5 indiviso dos prédios urbanos identificados no pedido. Por contrato promessa datado de 28/6/1974, prometeram tais RR. alienar as partes de que são titulares nos referidos prédios ao 1º Autor e ao antecessor (pai) dos 2º e 3ºs AA.

Desde a referida data que os citados 1º Autor e o pai dos 2º e 3ºs AA., e, após, estes mesmos 2º e 3ºs AA., vêm detendo a posse efectiva e exclusiva dos prédios em causa, tendo pago integralmente o preço da aludida promessa.

Os RR. vêm-se furtando a realizar a escritura definitiva, pelo que cabe fundamento para a execução específica do contrato.

Tese dos Réus Os AA. não alegam factos suficientes para a caracterização da posse que invocam.

Igualmente não alegam os AA. factos suficientes para a caracterização da culpa na não realização do negócio definitivo.

A lei da data da celebração do contrato ou da data do eventual incumprimento (a redacção inicial do Código Civil) não permitia, no caso concreto, a execução específica. As obrigações invocadas, a cargo dos RR., encontram-se prescritas.

Sentença O Mmº Juiz “a quo”, conhecendo de mérito quanto ao pedido principal, na procedência da excepção peremptória de prescrição, julgou a acção improcedente e absolveu os Réus do pedido; quanto ao pedido subsidiário, por ausência de factos bastantes, igualmente julgou o pedido improcedente, do mesmo absolvendo os Réus.

Recurso de apelação Irresignados, os Autores recorrem para o Tribunal da Relação do Porto, que por acórdão datado de 20-10-2013, decidiu «Julgar improcedente, por não provado, o interposto recurso de apelação da Autora, e, em consequência, confirmar a douta sentença recorrida».

Recurso de revista Novamente inconformados, recorrem os Autores para este Supremo Tribunal, apresentando, na sua alegação de recurso, as seguintes conclusões: «1.ª – Em sede de despacho saneador foi considerada a factualidade provada que por mera economia processual se dá aqui por integralmente reproduzida para todos os efeitos legais e foram formulados 18 quesitos que constituem a base instrutória; 2.ª – Após audiência de julgamento com prova gravada, o Mm.o Juiz a quo considerou como provados os quesitos 4.º, 14.º e 15.º, como não provados os quesitos 1.º, 2.º, 5.º, 7.º, 8.º, 9.º, 16.º, 17.º e 18.º e ainda mereceram respostas restritivas os quesitos 3.º, 6.º, 10.º, 11.º 12.º e 13.º, que aqui se dão por reproduzidos por mera economia processual e para todos os efeitos legais; 3.ª O Mm.o Juiz a quo fundamentou a sua convicção para as respostas à matéria de facto nos elementos probatórios considerados à luz das regras de experiência comum, daquilo que as partes ao longo do processo e dos depoimentos das testemunhas prestados em audiência de julgamento, sendo que tal fundamentação se encontra no despacho saneador que também por mera economia processual se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais; 4.ª Porém, a convicção formada pelo Mm.º Juiz a quo parece-nos estar completamente errada no que diz respeito às respostas dadas aos quesitos 3.º, 5.º, 6.º, 7.º, 8.º, 9.º, 10.º, 11.º e 12.º da base instrutória; 5.ª A deslocação à Conservatória do Registo Predial de Famalicão visou não só fazer o trato sucessivo, ou seja, colocar os prédios em nome de todos os herdeiros e ainda prestarem declarações complementares necessárias e indispensáveis, seguindo-se a inevitável escritura notarial de compra e venda, facto que era do conhecimento de todos os promitentes vendedores e compradores; 6.ª Assim, não foi minimamente levado em conta a confissão vertida nos arts. 11.º e 13.º da Contestação dos R.R., relativamente à traditio dos prédios para os AA.

  1. Na verdade, ficou provado que logo após a outorga do contrato promessa de compra e venda dos autos os AA. tomaram posse efectiva da parte ideal dos ditos prédios adquiridos aos promitentes vendedores, tendo logo de seguida cedido gratuitamente parte do prédio à testemunha OO para este ali instalar a sua oficina de bate chapas, bem como mais tarde deram de arrendamento por escritura pública notarial à PP, Lda., o rés do chão do prédio dos autos, bem como ainda recebiam as rendas dos inquilinos.

  2. Quanto às contribuições prediais, autárquicas e IMI, os autos fornecem todos os elementos para se perceber que quem sempre procedeu ao pagamento de tais contribuições foram os 1.ºs AA. e o pai dos 2.º e 3.º AA.

  3. Ao contrário do que alegaram os RR., provado ficou, que estes entregaram ao 1.º A., AA, os seus bilhetes de identidade e números de contribuinte para este poder marcar a escritura de compra e venda dos prédios dos autos.

  4. Nunca foi alegado pelos RR. que estes alguma vez tivessem solicitado aos 1.ºs AA. e ao pai do 2.º e 3.º AA. que estes prestassem contas relativas ao pagamento das contribuições prediais e ao recebimento das rendas dos prédios dos autos.

  5. – Os RR. ao invocarem a prescrição das obrigações então assumidas por estes configuram um autêntico abuso de direito, subsumível a um “venire contra factum proprium”.

  6. – O art.º 334.º do C.C. diz que é ilegítimo o exercício de um direito quando o titular excede manifestamente os limites impostos pelo boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito.

  7. – O comportamento dos RR. e a alegação da prescrição consubstancia a referida figura jurídica do abuso de direito uma vez que se inscreve no contexto da violação do princípio da confiança que sucede quando o agente adopta uma conduta inconciliável com a expectativa adquirida pela contraparte em função do modo como antes sempre actuara.

  8. – Em boa verdade, os promitentes compradores actuaram sempre imbuídos de boa fé em sentido subjectivo, o qual terá de ter-se por definitivamente assente uma vez que resulta da factualidade provada que estes investiram determinante e intensamente na confiança que assim lhes foi incutida pelos promitentes vendedores, sendo certo que estes na pressuposição do cumprimento do contrato e como antecipação dos efeitos translativos do contrato definitivo assumiram condutas processuais sintonizadas, mencionadas nos autos e que têm de ser entendidas como legitimadoras da situação objectiva de confiança em que se colocaram os RR. e os promitentes vendedores de futuras atitudes e posturas antiéticas.

  9. – Na verdade, em consideração ao que ficou provado e ao exposto acima, o direito dos RR. de invocar a prescrição tem de haver-se por neutralizado por ser abusivo o seu exercício, o que se requer seja decidido.

  10. – Deste modo, quer o Mm.º Juiz a quo quer o acórdão do Tribunal da Relação do porto, ao aceitarem a extinção da obrigação dos RR. outorgarem a referida escritura de venda, por prescrição, não atendeu ao estatuído no art.º 334.º do C.C., violando-o frontalmente.

    Subsidiariamente, e para o caso de V. Ex.ªs não o entenderem, o que só por mera hipótese se admite, sem prescindir e sem conceder: 17.ª – Dão-se aqui por reproduzidas para todos os efeitos legais, e, por mera economia processual, as conclusões atrás formuladas de 1.ª a 10.ª.

  11. – Assim, face ao vertido nas referidas conclusões, aos documentos dos autos, à contestação dos RR., não restam dúvidas que a posse dos AA. sobre a quota parte dos prédios adquirida por contrato promessa aos RR. no ano de 1974, por si e antepossuidores há mais de 20, 30, 40 anos, é titulada, de boa fé, pública, e pacífica. 19.ª – Ao decidir na douta sentença que os AA. não tenham adquirido aos RR. a parte dos prédios que estes prometeram vender, o Mm.º Juiz a quo e o Tribunal da Relação do Porto, fez erradamente interpretação dos normativos constantes dos art.ºs 342.º nº1, 1287.º, 1251.º, 1259.º, 1260.º, 1261.º, 1262.º, 1263.º e 1269.º todos do Código Civil».

    Os Réus apresentaram contra-alegações, em que defendem a inadmissibilidade de recurso, por se ter formado dupla conforme (art. 671.º, n.º 3 do Novo Código de Processo Civil, aplicável ao caso dos autos com base no art. 7.º da Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho) e em que pugnam pela manutenção da decisão do Tribunal da Relação do Porto.

    Contrariamente ao propugnado pelos réus, foi decidida a admissibilidade de recuso, pois apesar de a decisão do Tribunal da Relação do Porto ser posterior a 1 de Setembro de 2013, a data da instauração do processo é anterior a Janeiro de...

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