Acórdão nº 2704/21.5T8FAR.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 16 de Março de 2023

Magistrado ResponsávelFRANCISCO MATOS
Data da Resolução16 de Março de 2023
EmissorTribunal da Relação de Évora

2704/21.5T8FAR.E1 Acordam na 2ª secção cível do Tribunal da Relação de Évora: I – Relatório 1. (…) – Hotelaria e Turismo, Lda., com sede na Rua da (…), n.º 4, em Tavira, instaurou contra (…), viúva, residente na Praceta (…), n.º 4, 3.º-Dto., em Tavira, ação declarativa com processo comum.

Alegou, em resumo, haver celebrado com a R., em 12/10/1995, um contrato promessa, mediante o qual prometeu comprar e a R. prometeu vender, pelo preço de esc. 14.000.000$00, “a totalidade da herança do seu falecido marido, (…), ainda indivisa (…) que lhe couber após efetuada a escritura de habilitação e partilha de herdeiros”, acordando que a realização da escritura pública de compra e venda teria lugar depois de realizada a escritura de habilitação e partilha, que apesar da partilha haver sido homologada por sentença transitada em julgado em 10 de junho de 1998 e de haver pago o preço convencionado, a R. foi-se furtando à outorga do contrato prometido e veio a faltar à escritura pública por si agendada e para a qual foi convocada por carta registada com aviso de receção.

Concluiu pedindo que fosse proferida sentença a produzir os efeitos da declaração negocial da faltosa e, por via disso, fosse decretada a transferência para a A. dos direitos da R. sobre os vários bens que identifica.

Contestou a R. por exceção e por impugnação; excecionou a impossibilidade do cumprimento do contrato-promessa e da sua execução específica, porquanto entretanto terá alienado alguns dos imóveis que constituíam seu objeto (mediato), a prescrição da obrigação, porquanto entre a data da sentença homologatória da partilha e a propositura da presente ação terão decorrido mais de vinte anos e a falta de comprovativo de pagamento do preço acordado para a venda.

Concluiu, na procedência das exceções pela absolvição do pedido e, em qualquer caso, pela improcedência da ação.

A A. respondeu por forma a concluir pela improcedência das exceções e a pedir a condenação da R. como litigante de má-fé, por dedução de oposição cuja falta de fundamento não ignora.

Em articulado superveniente, a A. veio ainda formular o pedido subsidiário de condenação da R. na restituição da quantia de € 137.679,00, acrescida de juros, para o caso de se concluir pela impossibilidade do cumprimento do contrato-promessa.

Foi admitida a ampliação do pedido.

  1. Foi proferido despacho que afirmou a validade e regularidade da instância, relegou para a decisão final o conhecimento das exceções perentórias suscitadas pela R., identificou o objeto do litígio e enunciou os temas da prova.

    Teve lugar a audiência de discussão e julgamento e depois foi proferida sentença, em cujo dispositivo designadamente se consignou: “(…) julga-se totalmente improcedente a presente ação e, em consequência, decide-se:

    1. Absolver a Ré (…) dos pedidos deduzidos pela Autora (…) – Hotelaria e Turismo, Lda.; b) Absolver a Ré do pedido de condenação como litigantes de má fé.

    ” 3.

    O recurso A A. recorre da sentença e conclui assim a motivação do recurso: “1. O tribunal andou mal ao julgar com não provado que f) A Autora, na pessoa do seu sócio-gerente, sempre confiou em que a Ré, logo que estivesse resolvida a questão da partilha e do registo em nome desta dos bens por essa via adquiridos, outorgaria a respetiva escritura pública de compra e venda (artigo 25º do requerimento de resposta às exceções).” 2. Isso mesmo resulta do depoimento do legal representante da A., maxime dos excertos que se deixaram sublinhados.

  2. Deve assim revogar-se a decisão da matéria de facto em conformidade com anteriormente referido, julgando-se provado que A Autora, na pessoa do seu sócio-gerente, sempre confiou em que a Ré, logo que estivesse resolvida a questão da partilha e do registo em nome desta dos bens por essa via adquiridos, outorgaria a respetiva escritura pública de compra e venda.

  3. De todo o modo e mesmo que assim não se decida, dos factos já assentes decorre diversa solução jurídica para o caso “sub judice”, uma vez que é notório não se ter verificado a prescrição do direito da A. e não ter esta agido em abuso de direito.

  4. O tribunal fez tábua rasa daquilo que o próprio R. deu conhecimento nos autos e que se encontra vertido em 14 dos factos provados, a saber, que “em 20 de novembro de 2019, no processo n.º 323/15.4T8TVR, a Ré requereu a emenda à partilha, com fundamento em erro material que, para além do mais impedia o registo predial dos bens em seu nome (…).” 6. Tal registo predial era, e é, condição essencial para a outorga da escritura pública de compra e venda do negócio prometido (cfr. artigo 9.º, n.º 1, do Código do Registo Predial).

  5. A concretização do contrato promessa de compra e venda “sub judice” dependia da inscrição no registo predial dos direitos da R decorrentes da partilha referida, sendo que o registo em causa dependia da retificação da partilha, que só ocorreu por despacho de 11 de julho de 2020.

  6. Dispõe o artigo 306.º, n.º 1, do Código Civil: “O prazo da prescrição começa a correr quando o direito puder ser exercido (…).” 9. No caso vertente, a execução específica do contrato-promessa “sub judice” só passou a ser possível com a retificação da partilha.

  7. E o pedido subsidiário da devolução do sinal em dobro só podia ser deduzido após o incumprimento, ainda que parcial, do aludido contrato-promessa, verificado com as doações feitas pela R. aos seus filhos, que não ocorreram há mais de vinte (20) anos (vide número 9 dos factos provados).

  8. Fez assim o tribunal a quo errada interpretação do disposto no artigo 306.º, n.º 1, do Código Civil, uma vez que considerou que o prazo de prescrição se iniciou com o trânsito em julgado da sentença homologatória da partilha, quando é certo que tal partilha padecia de erros que impediam o registo dos direitos da aí interessada e ora R. na Conservatória do Registo Predial, registo esse essencial à outorga do contrato prometido.

  9. De todo o modo, e mesmo que assim não fosse, o que só por cautela de patrocínio se admite, sempre se verificaria no caso uma situação de abuso de direito, não da A. mas sim da R., ao invocar tal instituto com o fito de impedir a verificação dos efeitos jurídicos do contrato-promessa de que beneficiou.

  10. Pelas razões vertidas na alegação é clamorosamente abusiva a invocação da prescrição feita pela R. (cfr. artigo 334.º do Código Civil).

  11. Na verdade “não pode considerar-se natural, em face da densidade do conceito de boa fé e dos deveres de correção e lealdade entre as partes de um contrato, sobretudo em relações familiares, que uma das partes se recuse a celebrar um contrato, invocando a prescrição, e conserve em seu poder o preço que havia sido pago pela outra parte na expectativa legítima de que o contrato definitivo se iria celebrar” (vide Ac. STJ no Proc. n.º 6193/06.6TBMTS.P1.S1, de 1 de Julho de 2014).

  12. Por último, fez igualmente o tribunal recorrido errada aplicação do disposto no artigo 334.º do Código Civil uma vez que da matéria de facto apurada não resulta que a A. ao acionar judicialmente a R., no exercício dos direitos decorrentes do contrato-promessa de compra e venda com ela celebrado, e de que ela foi a única beneficiária, tenha agido com abuso de direito.

    Tudo razões para que seja revogada a sentença em crise e em seu lugar seja proferido acórdão que julgue procedente o pedido, considerando-se o pedido vertido na petição inicial e a ampliação do mesmo, admitida por despacho transitado em julgado.

    Assim se fazendo JUSTIÇA.” Respondeu a R. por forma a concluir pela improcedência do recurso.

    Observados os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

    II.

    Objeto do recurso Considerando que o objeto dos recursos é delimitado pelas conclusões neles insertas, salvo as questões de conhecimento oficioso (artigos 635.º, n.º 4 e 608.º, n.º 2 e 663.º, n.º 2, do Código de Processo Civil), nos recursos apreciam-se questões e não razões ou argumentos, os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu âmbito delimitado pelo conteúdo do ato recorrido e vistas as conclusões do recurso, são as seguintes as questões colocadas: i) a impugnação da decisão de facto, ii) se não se verifica a prescrição do direito da A., iii) se a R. ao invocar a prescrição age com abuso de direito, iv) se a A. não age com abuso de direito.

    III.

    Fundamentação 1.

    Factos A decisão recorrida julgou assim os factos: Provado: 1) A Autora (…) – Hotelaria e Turismo, Lda. é uma sociedade comercial que tem por objeto a exploração e gestão do comércio e indústria de estabelecimentos hoteleiros e similares (artigo 1º da petição inicial).

    2) Em 12 de outubro de 1995 foi celebrado um acordo...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT