Acórdão nº 111/14 de Tribunal Constitucional (Port, 12 de Fevereiro de 2014

Magistrado ResponsávelCons. Fernando Vaz Ventura
Data da Resolução12 de Fevereiro de 2014
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 111/2014

Processo n.º 1178/13

  1. Secção

Relator: Conselheiro Fernando Ventura

Acordam, em conferência, na 2ª Secção do Tribunal Constitucional

  1. Relatório

    1. O Ministério Público, em processo emergente de acidente de trabalho, representando o sinistrado A., veio requerer a realização de exame de revisão da incapacidade por acidente ocorrido em 23 de fevereiro de 1996 e cuja pensão fora fixada por sentença proferida em 12 de junho de 1998, mantendo-se inalterada desde então.

      Deferindo ao requerido, foi proferido despacho a determinar o exame, recusando aplicar, por inconstitucional, a norma constante da Base XII, n.º 2, da Lei n.º 2127, de 03/08/65.

      A Ré B., SA, interpôs recurso desse despacho para o Tribunal da Relação de Coimbra, o qual foi julgado procedente por acórdão proferido em 3 de outubro de 2013.

    2. Inconformado, o Ministério Público interpôs recurso desse acórdão para o Tribunal Constitucional, invocando o disposto nos artigos 70.º, n.º1, alínea b) e 72.º, n.º 1 da LTC, nos seguintes termos:

      (...)2º

      No douto acórdão recorrido foi decidido que não é inconstitucional o determinado na Base XXII, nº 2 da Lei 2127, de 3 de agosto de 1965, por violação dos princípios da igualdade e da justa reparação previstos, respetivamente, nos artigos 13º e 59º, nº 1, alínea f) da Constituição da República Portuguesa, quando interpretada aquela norma com o sentido de que, decorrido o prazo de 10 anos desde a fixação inicial da pensão ou desde a data da decisão que a manteve inalterada na sequência de anterior pedido de revisão formulado, em caso de agravamento ou recidiva das lesões, não pode ser pedida a revisão da pensão.

      Nas contra-alegações do recurso, a fls. 179 e ss. dos autos, cujo teor aqui se dá por inteiramente reproduzido, foram alegadas pelo sinistrado, oficiosamente patrocinado pelo MP, as inconstitucionalidades cujo julgamento se pretende, agora, ver reapreciado,

      Aí se alegando que a Base XXII, nº 2, da Lei 2127, de 03-08-1965, quando interpretada com o sentido de que consagra um prazo preclusivo de 10 anos, desde a fixação inicial da pensão ou desde a data da decisão que a manteve inalterada na sequência de anterior pedido de revisão formulado, para, em caso de agravamento ou recidiva das lesões, poder ser pedida a revisão da pensão, é inconstitucional, por violação dos princípios da justa reparação e da igualdade, previstos, respetivamente, nos artigos 59º, n.º 1, alínea f) e 13º da Constituição da República Portuguesa,

      Pois tal norma restringe, de forma flagrantemente desrazoável, o direito à justa reparação das vítimas de acidente de trabalho ou de doença profissional,

      E discrimina negativamente, colocando-os em situação de desigualdade injustificada, os sinistrados por acidentes de trabalho ocorridos na vigência daquela Lei relativamente aos sinistrados por acidentes de trabalho ocorridos após 01-01-2010, porquanto estes, em situações em tudo idênticas aos primeiros, em caso de agravamento ou recidiva, podem pedir a revisão da pensão a todo o tempo (art. 70º da Lei nº 98/2009, de 04-09);

      [7]º

      Para cumprimento do estatuído no art. 75º -A, n" 1 da já citada LOFPTC, a norma cuja inconstitucionalidade se requer que o tribunal aprecie é, assim, a Base XXII, nº 2 da Lei nº 2127, de 3 de agosto de 1965, por violação dos arts. 13º e 59º, nº 1, alínea f) da CRP.

    3. O recurso foi admitido.

    4. Neste Tribunal, foi proferida a decisão sumária n.º 707/2013, concluindo por juízo de não inconstitucionalidade da interpretação normativa questionada, com os seguintes fundamentos:

      «5. A questão de constitucionalidade colocada no presente recurso remete para interpretação normativa extraída do Base XII, n.º 2 da Lei 2127, de 3 de agosto de 1965, no sentido em que consagra o prazo preclusivo de 10 anos, para a revisão da pensão devida ao sinistrado por acidente de trabalho, com fundamento em agravamento superveniente das lesões sofridas.

      Colocado com tal amplitude, o sentido normativo indicado ultrapassa aquele que foi efetivamente aplicado na decisão recorrida.

      Com efeito, decorre da decisão recorrida que o Tribunal a quo teve em atenção que a pensão foi fixada por sentença proferida em 12/06/98 e que não sofreu qualquer atualização durante mais de 10 anos, mormente por efeito de pedido de revisão formulado em 2001, na medida em que a decisão proferida em 16/04/2002 considerou não ter ocorrido agravamento da incapacidade, mantendo inalterada a pensão fixada. Ou seja, a interpretação normativa acolhida e aplicada pelo Tribunal a quo não comporta todo o efeito preclusivo que possa resultar do preceituado na Base XII, n.º 2, da Lei 2127, de 3 de agosto de 1965, mas sim, e apenas, aquele que tenha em atenção o transcurso de dez anos sobre a data da fixação da pensão, sem que tenha sido registada qualquer evolução justificadora do pedido de revisão.

      Cumpre, então, para assegurar a necessária identidade entre a norma ou interpretação normativa efetivamente aplicada como ratio decidendi pelo Tribunal a quo e a questão de constitucionalidade a apreciar, como exige a alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, afastar o conhecimento de outras interpretações normativas comportadas no preceituado na Base n.º XII, n.º 2, da Lei n.º 2127, de 3 de agosto de 1965, mormente aquela julgada desconforme com a Constituição pelo Acórdão deste Tribunal com o n.º 147/2006 (acessível em www.tribunalconstitucional.pt, como os demais referidos). Esse aresto julgou “inconstitucional, por violação do direito do trabalhador à justa reparação, consagrado no artigo 59.º, n.º 1, alínea f), da Constituição, a norma do n.º 2 da base XXII da Lei n.º 2127, de 3 de agosto de 1965, interpretado no sentido de consagrar um prazo absolutamente preclusivo de 10 anos, contados a partir da data da fixação inicial, para a revisão da pensão devida ao sinistrado por acidente de trabalho, com fundamentos em agravamento superveniente das lesões sofridas, nos casos em que desde a fixação inicial da pensão e o termo desse prazo de 10 anos tenham ocorrido atualizações da pensão, por se ter dado como provado o agravamento das lesões sofridas pelo sinistrado”. Não é esse, porém, o quadro aplicativo dos presentes autos.

    5. Delimitado nestes termos o objeto do recurso, de forma a cingir-se à sindicância de interpretação normativa que tenha como elemento o não agravamento das lesões sofridas durante o período de dez anos contados, a partir da data da fixação da pensão, verifica-se que a questão de constitucionalidade em cognição encontra tratamento e resposta jurisprudencial uniforme, no sentido da não inconstitucionalidade.

      Avultam, a esse propósito, os Acórdãos n.ºs 155/2003 e 612/2008, em especial este último, cuja doutrina foi reafirmada no Acórdão n.º 341/2009 e nas Decisões Sumárias n.ºs 242/2009, 345/2009, 147/2011 e 265/13.

      Diz-se no Acórdão n.º 612/2008:

      A Base XXII da Lei de Acidentes de Trabalho de 1965, ao caso aplicável, sob a epígrafe «Revisão das pensões», dispunha o seguinte :

      1. Quando se verifique modificação da capacidade de ganho da vítima, proveniente de agravamento, recidiva, recaída ou melhoria da lesão ou doença que deu origem à reparação, ou quando se verifique aplicação de prótese ou ortopedia, as prestações poderão ser revistas e aumentadas, reduzidas ou extintas, de harmonia com a alteração verificada.

      2. A revisão só poderá ser requerida dentro dos dez anos posteriores à data da fixação da pensão e poderá ser requerida uma vez em cada semestre, nos dois primeiros anos, e uma vez por ano, nos anos imediatos.

      3. Nos casos de doenças profissionais de caráter evolutivo, designadamente pneumoconioses, não é aplicável o disposto no número anterior, podendo requerer-se a revisão em qualquer tempo; mas, nos dois primeiros anos, só poderá ser requerida uma vez no fim de cada ano.

      Esta norma, entretanto revogada, foi praticamente reproduzida no artigo 25º da referida Lei n.º 100/97, de 13 de setembro, que estabelece o novo regime jurídico dos acidentes de trabalho.

      Estando em causa o prazo preclusivo mencionado naquele n.º 2, para efeito da admissibilidade da formulação de um pedido de revisão de pensões, deve começar por dizer-se que a situação versada no citado acórdão do Tribunal Constitucional n.º 147/2006, que serviu de fundamento à decisão recorrida, não é inteiramente convergente com o caso dos autos.

      Naquele aresto estava em análise uma hipótese em que tinha ocorrido um anterior pedido de revisão de pensão, ainda dentro dos dez anos posteriores à fixação da pensão inicial, vindo a formular-se o seguinte juízo de inconstitucionalidade: «[j]ulgar inconstitucional, por violação do direito do trabalhador à justa reparação, consagrado no artigo 59º, n.º 1, alínea f), da Constituição, a norma do n.º 2 da Base XXII da Lei n.º 2127, de 3 de agosto de 1965, interpretada no sentido de consagrar um prazo absolutamente preclusivo de dez anos, contados a partir da data da fixação inicial da pensão, para a revisão da pensão devida ao sinistrado por acidente de trabalho, com fundamento em agravamento superveniente das lesões sofridas, nos casos em que desde a fixação inicial da pensão e o termo desse prazo de dez anos tenham ocorrido atualizações da pensão, por se ter dado como provado o agravamento das lesões sofridas pelo sinistrado».

      No caso vertente, porém, houve um primeiro pedido de revisão que foi indeferido por ausência do respetivo pressuposto legal – alteração da capacidade de ganho do sinistrado em resultado do agravamento da lesão -, pelo que tudo se passa como se não tivesse havido uma evolução desfavorável das sequelas da lesão naquele período de dez anos, de tal modo que o segundo pedido de atualização surge num momento em que se deveria ter por estabilizada a situação por referência àquele período de tempo.

      A situação dos autos é, nestes termos, similar à analisada no acórdão do Tribunal Constitucional n.º 155/2003, em que se considerou que não é inconstitucional a norma n.º 2 da Base XXII da...

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