Acórdão nº 1588/10.3PBCBR.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 27 de Junho de 2012

Magistrado ResponsávelALBERTO MIRA
Data da Resolução27 de Junho de 2012
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)
  1. Relatório: 1.

Na 1.ª Secção da Vara de Competência Mista de Coimbra, após julgamento, em processo comum, com intervenção de tribunal colectivo, os arguidos: - A...

, solteiro, residente na Rua …., Coimbra; e - B...

, solteiro, actualmente preso no Estabelecimento Prisional de Coimbra; foram condenados nos seguintes termos: O primeiro arguido: Pela prática em concurso efectivo e real, de: - um crime de furto qualificado p. e p. pelos arts. 203.º, n.º l e 204.º, n.º l, al. b) do Código Penal, na pena de 1 (um) ano de prisão; - um crime de abuso de cartão de crédito, na forma continuada, p. e p. pelos artigos 225.º, n.º 1 e 30º n.º 2 do Código Penal, na pena de 1 (um) ano e 4 (quatro) meses de prisão; Em co-autoria e em concurso real e efectivo com os anteriores, de: - um crime de falsificação de documento autêntico, p. e p. pelo art. 256.º, n.º l, als. c) e d) e n.º 3 e 26.º, do Código Penal, na pena de 1 (um) ano e 4 (quatro) meses de prisão; - um crime de burla, p. e p. pelos arts. 217.º, n.º 1 e 26.º do Código Penal, na pena de 10 (dez) meses de prisão.

- Na pena única de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão, cuja execução foi declarada suspensa na sua execução por igual período, sujeita a regime de prova, a incidir na vertente do tratamento e acompanhamento da situação de toxicodependência do arguido, sua integração social e profissional.

O segundo arguido, como co-autor e em concurso real e efectivo de: - um crime de falsificação de documento autêntico, p. e p. pelo art. 256.º, n.ºs l, als. c) e d) e n.º e e 26.º, do Código Penal, na pena de 1 (um) ano e 4 (quatro) meses de prisão; - um crime de burla, p. e p. pelos arts. 217.º, n.º 1 e 26.º do Código Penal, na pena de 1 (um) ano de prisão.

- na pena conjunta de 1 (um) ano e 11 (onze) meses de prisão.

Foram ainda os arguidos condenados nos seguintes termos: - solidariamente, a efectuarem o pagamento ao demandante C... da quantia global de 200,00€ (duzentos euros), a título de danos patrimoniais; - o arguido A... a efectuar ainda o pagamento ao referido demandante da quantia de 150,00€ (cento e cinquenta euros), para ressarcimento de danos patrimoniais.

As tais quantias acrescem juros de mora, à taxa legal de 4%, desde a data da notificação do pedido cível e até integral pagamento.

*2.

Inconformado, o arguido/demandado B... interpôs recurso do acórdão, tendo concluído a respectiva motivação com as seguintes (transcritas) conclusões: 1.ª - O recorrente considera incorrectamente julgados os factos dados como provados nos pontos 9 a 17 da fundamentação de facto.

  1. - Os factos dados como provados nos pontos 9 a 17 deveriam ter sido dados como não provados atendendo às declarações do próprio Arguido/recorrente, ao depoimento da testemunha ..., e, ainda, por total de ausência de prova testemunhal, documental, pericial ou outra que permitam ao Tribunal ao quo ter dado como provados tais factos.

  2. - O Tribunal a quo condenou o ora Recorrente pela prática do crime de falsificação de documento autêntico previsto e punido pelo art. 256.º, n.º l, alíneas c) e d) e n.º 3 e 26.º do CP - sem qualquer prova de facto, concreta e objectiva para o fazer.

  3. - O Tribunal a quo, apesar de ter considerado o depoimento da testemunha ... como um depoimento esclarecedor, objectivo, contundente e merecedor de credibilidade, desprezou-o por completo na parte em que garante ao Tribunal que a letra e assinatura que se encontra no cheque em causa nos presentes autos não é do seu filho - ora Recorrente.

  4. - Pelo que, deveria constar dos factos dados como não provados os factos descritos nos pontos 9 a 17 da fundamentação de facto, e, em consequência, ser o ora Recorrente absolvido da prática do crime de falsificação de documento autêntico.

  5. - Não o tendo feito, o Tribunal a quo violou o princípio fundamental do direito processual penal, e até, reconhecida pela Lei Fundamental - o principio in dubio pro reo - art. 32.º da CRP.

  6. - Por outro lado, o Tribunal a quo, ao ter condenado o ora Recorrente pela prática de um crime de falsificação de documento autêntico sem qualquer prova de facto que suporte tal condenação violou claramente o art. 127.º do CPP.

  7. - O principio da “livre apreciação da prova” previsto naquele artigo não significa livre arbítrio ou valoração puramente subjectiva, mas a apreciação que se realiza de acordo com critérios lógicos e objectivos e, dessa forma, determina uma convicção racional, logo, também ela, objectivável e motivável.

  8. - No caso em concreto, existe um concurso meramente aparente entre a prática do crime de falsificação de documento e do crime de burla.

  9. - Dos factos que resultam provados pelo Tribunal recorrido resulta, sem qualquer dúvida, que o preenchimento do cheque em causa e a falsificação da assinatura do Sr. Brandão foi só um meio para atingir um determinado fim - receber a quantia aposta no cheque! 11.ª - Embora os bens jurídicos protegidos sejam diferentes, no do preenchimento e da falsificação da assinatura aposta no referido cheque e da burla, a verdade é que existem pontos de contacto ou até sobreposições entre estes.

  10. - Existem muitos exemplos, para além do caso dos presentes autos, em que os bens jurídicos protegidos são diferentes, e nem por isso existe um concurso real ou efectivo entre as várias infracções.

  11. - O problema reside, antes, em saber se uma determinada conduta, criminalmente relevante (no caso a falsificação), está ou não contida em outro comportamento típico mais abrangente (a burla).

  12. - Ora, no caso em concreto, e salvo melhor entendimento, entendemos que sim, pois a falsificação foi só um meio para atingir um determinado fim! 15.ª - O que houve foi a tentativa de uma única resolução criminosa, o que determina uma equivalente unicidade ao nível do crime cometido.

  13. - No caso concreto, punir as duas condutas - a de falsificação e a de burla - corresponde à punição dupla do Arguido pelo mesmo facto, 17.ª - O que consubstancia a violação do princípio básico do nosso direito penal, consagrado na nossa Lei Fundamental no art. 29.º, n.º 5 da C.R.P.

  14. - Pelo exposto, não deveria o ora Recorrente ser condenado pela prática do crime de falsificação de documento autêntico, mas apenas pala prática do crime de burla, sob pena de se estar a violar o artigo 29.º, n.º 5 da CRP! 19.ª - As medidas concretas das penas, quer as parcelares, quer a pena única são manifestamente exageradas, tendo em conta que, nos presentes autos, está em causa um valor diminuto (50,00 €), tendo em conta que o ora Recorrente, à data dos factos era toxicodependente, e atendendo ainda a que o Recorrente se encontra em reclusão e tem um percurso prisional exemplar que demonstra bem a sua vontade e capacidade para se ressocializar e seguir o seu caminho longe da prática de crimes, tudo em violação do disposto no art. 70.º, 71.º e 77.º do CP.

Normas violadas: 1. Arts. 70.º, 71.º e 77.º do CP; 2. Art. 32.º da CRP; 3. Art. 29.º, n.º 5 da CRP; 4. Arts. 256.º, n.ºs 1, alíneas c) e d), e 3 e 26.º do CP; e 5. Art. 127.º do CPP.

Termos em que e nos mais do douto suprimento de V. Exas. deve ser dado provimento ao presente recurso revogando-se a douto Acórdão recorrido, substituindo-o por um outro que: a) Declare como não provado os factos descritos nos pontos 9 a 17 da fundamentação de facto, e, em consequência, o ora Recorrente ser absolvido da prática do crime de falsificação de documento autêntico.

Caso assim não se entenda: b) Declare que, nos presentes autos existe um concurso meramente aparente entre a prática do crime de falsificação de documento e a prática do um crime de burla e, em consequência, o ora Recorrente ser absolvido da prática do crime de falsificação de documento autêntico.

Caso V. Exas. assim não entendam, ainda, devem: c) As medidas concretas das penas, quer as penas parcelares, quer a pena única aplicada em cúmulo jurídico ser declaradas manifestamente exageradas, devendo as mesmas ser reduzidas ao seu mínimo legal, ou muito perto dele.

Com o que se fará a tão acostumada justiça!*3.

O Magistrado do Ministério Público junto do tribunal de 1.ª instância, na resposta que apresentou ao recurso, manifestou-se no sentido da sua improcedência.

*4.

Subidos os autos a este Tribunal da Relação, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto, em parecer a fls. 675/677, pugna pela procedência parcial do recurso, preconizando a manutenção do decidido no acórdão recorrido, com excepção da pena parcelar relativa ao crime de falsificação de documento, que deverá ser fixada entre 1 ano e 1 ano e 2 meses de prisão, e, consequentemente, da pena única, a situar em 1 ano e 8 meses de prisão.

*5.

Notificado, nos termos e para os efeitos consignados no art. 417.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, o recorrente não exerceu o seu direito de resposta.

*6.

Colhidos os vistos legais, foi o processo submetido a conferência, cumprindo agora apreciar e decidir.

*II. Fundamentação: 1. Poderes de cognição do tribunal ad quem e delimitação do objecto do recurso: Conforme Jurisprudência constante e pacífica, são as conclusões extraídas pelos recorrentes das respectivas motivações que delimitam o âmbito dos recursos, sem prejuízo das questões cujo conhecimento é oficioso, indicadas no art. 410.º, n.º 2 do Código de Processo Penal (cfr. Ac. do Plenário da Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça n.º 7/95, de 19 de Outubro, publicado no DR, 1-A de 28-12-1995).

Assim, no caso sub judice, o objecto do recurso está circunscrito às seguintes questões: A) Alterabilidade da matéria de facto, nos pontos concretamente impugnados pelo recorrente; B) Se o tribunal, ao dar como provados os pontos de facto 9 a 17, determinantes da condenação do arguido B.... pela prática do crime de falsificação de documento autêntico, violou o princípio in dubio pro reo; C) Se o tribunal a quo, ao ter condenado o arguido B.... pela prática daquele ilícito penal sem qualquer prova de facto que suporte tal condenação, violou o artigo 127.º do Código de Processo Penal; D) Se alterada a matéria...

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