Acórdão nº 31156/10.3YIPRT.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 19 de Dezembro de 2012

Magistrado ResponsávelHENRIQUE ANTUNES
Data da Resolução19 de Dezembro de 2012
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra: 1.

Relatório.

A ré, M…, apelou da sentença da Sra. Juíza de Direito do 2º Juízo Cível do Tribunal Judicial da Comarca de Viseu que, julgando parcialmente procedente a acção especial para o cumprimento de obrigações pecuniárias, resultante da reconformação de procedimento de injunção, requerido por C…, Unipessoal, Lda., que a condenou a pagar a esta a quantia de € 5 443,22, acrescida de juros de mora, vencidos e vincendos, até integral pagamento, à taxa de juros moratórios de que são titulares empresas comerciais, resultante da aplicação da Portaria nº 597/95, de 19/7 e sucessivos avisos publicados pela Direcção Geral do Tesouro, contabilizados desde a data de vencimento de cada uma das facturas constantes dos factos provados, e até efectivo pagamento.

A recorrente – que pede no recurso a sua absolvição do pedido ou subsidiariamente, ao menos, a dedução aos 5.441,25 Euros, do valor de 940,00 Euros, relativo à factura nº 2942, e a condenação da recorrida por litigância de má fé, em multa a favor da recorrente, nunca inferior a 1.000,00 Euros - rematou a sua alegação com estas pródigas conclusões: … Na resposta, a recorrida concluiu, naturalmente, pela improcedência do recurso.

  1. Factos provados.

    2.1. O Tribunal de que provém o recurso julgou provado, na sentença final, os factos seguintes.

    … 2.2… 2.3. O Tribunal a quo adiantou, para justificar o julgamento referido em 2.1., esta motivação: Com especial relevância para a decisão da causa, foi, desde logo, ponderado o acordo colhido dos articulados apresentados por ambas as partes, dada a ausência de impugnação dos fornecimentos alegados, com excepção daqueles a que se reportam as facturas nºs 4219 e 4064 – cfr. artigo 490º, nº 2, parte Código de Processo Civil.

    De tal acordo resultou o apuramento de todos os fornecimentos mencionados nos factos provados.

    Para além do que antecede, a convicção do tribunal, no que se reporta à factualidade apurada, resultou da conjugação e análise crítica dos meios de prova produzidos e examinados nos autos.

    - Foi analisado o teor do relatório pericial junto a fls 290 a 298, interpretado de forma conjugada com os esclarecimentos prestados no início da audiência pela perita.

    Tal meio de prova contribuiu para a reafirmação do estabelecimento de relações contratuais entre ambas as partes, tendo resultado dos esclarecimentos prestados pela perita em audiência que os mesmos, de harmonia com os elementos contabilísticos que ponderou, se estabeleceram até Maio de 2008. Porém, neste aspecto, prevaleceu o que resultava do acordo colhido dos articulados das partes, dado a ré ter situado tais relações comerciais entre Abril de 2007 e Outubro de 2008 (embora a autora tenha defendido que tais relações se prolongaram até Outubro de 2009). Julgamos ainda que tal divergência não abalou o inequívoco valor técnico do relatório pericial, elaborado com base em contabilidade que padece de inúmeras deficiências como é aí apontado.

    Foi analisada a prova documental junta a fls: - 43 a 70, documentos estes constituídos pelas facturas em discussão nos autos; - recibos, cheques venda a balcão, e extractos de conta, cujas cópias constam de fls 110 a 119 e 130 a 170 e 200 a 205 que, na sua objectividade, confirmam o estabelecimento de relações comerciais entre ambas as partes e a realização de vários pagamentos, embora, pelas razões que de seguida se analisarão não permitam concluir pelo pagamento dos montantes peticionados nestes autos; - facturas de fls 338 e ss das quais resulta que nas ocasiões aí exaradas a autora adquiriu flores para comercialização a entidade diversa da ré; - documentação clínica extensa junta aos autos relativa a problema de saúde vivido pela ré.

    Da conjugação de tal documentação com a prova testemunhal produzida, resultou que a ré, a partir de 26/9/2009, e na sequência de intervenção a que foi submetida, recebeu a indicação clínica de se manter, por dois meses, em isolamento no domicílio, adoptando determinadas práticas de higiene, de cuidados com a confecção de alimentos e evitando a frequência de lugares públicos, como centros comerciais. Tal “recomendação” resultou da circunstância de a ré se encontrar com o sistema imunitário fragilizado e, na perspectiva do Tribunal, não a impediu de a continuar a gerir o seu estabelecimento comercial, ainda que com o auxílio de terceiros, como se apurará a propósito da análise da prova testemunhal.

    Foi também ponderado o depoimento das seguintes testemunhas: ...

    2.4. O Tribunal recorrido justificou o julgamento referido em 2.2., nestes termos: A factualidade não apurada resultou da ausência de prova que a permitisse sustentar.

    Assim, para além do acordo colhido dos articulados não foi possível apurar a verificação dos fornecimentos mencionados na factualidade não apurada.

    De facto, julgamos que os mesmos não podem extrair-se da simples emissão de facturas, acto unilateral da autora que não a dispensa do respectivo ónus probatório que, naquela matéria, não foi cumprido. Ou seja, ainda que a testemunha … tenha declarado, relativamente à factura nº 27, que a encomenda em questão lhe foi efectuada directamente pela ré, a conjugação de toda a prova produzida não permitiu concluir pela verificação de tal encomenda. Desde logo, decorria o prazo de dois meses após a alta clínica concedida à ré, durante o qual foi aconselhada a manter-se isolada, no domicílio, recomendação esta que acatou como resultou da prova testemunhal que indicou nos autos. E ainda que se tenha apurado que, também naquele período, a ré continuava a dar orientações quanto à exploração do seu estabelecimento, certo é que o fazia através da sua irmã, a testemunha …, não estabelecendo, em face da prova produzida, contactos directos com os fornecedores.

    Acresce que a ré juntou prova documental evidenciadora de que se forneceu para a época dos finados de 2009 no estabelecimento “F…” (cfr. fls 338 e ss), tendo sido referido pela testemunha … que o volume da transacção aí documentada se mostrava adequado à modesta extensão do estabelecimento e do volume de negócios da ré.

    Consequentemente, estabeleceu-se uma dúvida inultrapassável quanto à verificação dos fornecimentos mencionados nos factos não provados, o que, a par com a impugnação de tal matéria efectuada pela ré, determinou a resposta negativa dada.

    Idêntico raciocínio foi efectuado quanto ao não apuramento dos pagamentos alegados pela ré, por inexistência de prova consistente e credível que os sustentasse.

    A este propósito, salienta-se que, apesar do seu carácter eminentemente técnico, não foi possível ultrapassar tais dúvidas pela análise do relatório pericial junto. De facto, ainda que a perita aí tenha afirmado que as 27 facturas cujo pagamento é peticionado nestes autos constam da contabilidade da autora, certo é que a perícia por si dirigida não permitiu apurar que os respectivos montantes estejam pagos ou em dívida. Como a perita esclareceu, de forma desinteressada, equidistante e objectiva em audiência, na contabilidade da autora, à data em questão, os recibos não tinham qualquer tratamento contabilístico, não se conseguindo extrair a que fornecimentos é que os pagamentos são imputados. Ou seja, a contabilidade não traduz os recebimentos o que, segundo explicou, se deve ao facto de as entregas de dinheiro não serem lançadas na conta do cliente, como deveriam ser, mas na “Conta Caixa”. Assim, não se tendo apurado que a relação contratual que se estabeleceu, segundo a perita entre Fevereiro de 2007 e Maio de 2008, se tenha reduzido apenas à que pode extrair-se das 27 facturas cujo pagamento é peticionado, também não pode afirmar-se que os pagamentos efectuados pela ré se reportassem a estas ou a outras facturas.

    Em síntese, a manifesta incorrecção da contabilidade da autora, aliada a práticas comerciais desadequadas e pouco profissionais (fornecimentos e pagamentos com remissão para “talões” que não configuram documentos válidos contabilisticamente) foi determinante para a consideração como apurada apenas da factualidade não impugnada, tendo sido considerados como não provados os fornecimentos relativamente aos quais foi cumprido o ónus de impugnação especificada, bem como os pagamentos excepcionados.

  2. Fundamentos.

    3.1.

    Delimitação objectiva do âmbito do recurso.

    O objecto do recurso é triplamente delimitado: pelo objecto da acção e pelos eventuais casos julgados na instância recorrida; pela parte dispositiva da decisão impugnada que for desfavorável ao impugnante; pelo próprio recorrente que pode limitar esse objecto, quer no requerimento de interposição do recurso, que nas conclusões da sua alegação (artº 684 nºs 2, 1ª parte, e 3 do CPC).

    Nestas condições, tendo em conta o conteúdo da decisão recorrida e das alegações de ambas as partes, são, fundamentalmente, três, as questões objecto do recurso: a nulidade da decisão recorrida; o error in iudicando da matéria de facto alegada; a litigância de má fé da recorrida.

    Correspondentemente, as questões concretas controversas que o acórdão deve resolver consistem em saber se a sentença impugnada se encontra ferida com o vício da nulidade substancial e se a decisão da matéria de facto deve ou não ser modificada - por o tribunal da audiência ter incorrido, por erro na apreciação da prova, num erro de julgamento - e se, face a essa modificação, deve revogar-se a sentença apelada e absolver-se a recorrente do pedido – in totum ou, ao menos, em parte, e a condenar-se a apelada como litigante de má fé.

    A resolução destes problemas exige, evidentemente, a exposição ainda que breve das causas de nulidade da decisão judicial representadas pela falta de fundamentação e pela contradição entre essa fundamentação e a decisão, a aferição dos poderes de controlo desta Relação sobre a decisão da 1ª instância relativa à matéria de facto e os pressupostos da condenação por litigância de má fé.

    Entre a matéria de direito e a matéria de facto existe uma interdependência que se verifica na...

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