Acórdão nº 247/10.4TTVIS.C1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 12 de Setembro de 2012

Magistrado ResponsávelFERNANDES DA SILVA
Data da Resolução12 de Setembro de 2012
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça: I 1.

AA, casado, com os demais sinais dos Autos, intentou, no Tribunal do Trabalho de Viseu, em 24.3.2010, a presente acção declarativa, com processo comum, contra «Santa Casa da Misericórdia de ...», pedindo que esta seja condenada a: a) Reconhecer que esteve ao seu serviço como trabalhador por conta de outrem, desde 1993; b) Reconhecer que desempenhava as funções de Director-Geral; c) Reconhecer que o despediu com efeitos a partir de 30 de Março de 2009; d) Reconhecer que o despedimento é ilícito; e) Reintegrá-lo, ou a pagar-lhe a indemnização legal, conforme a opção que este venha a fazer; f) Pagar-lhe a retribuição referente ao trabalho prestado no mês de Março de 2009, no valor de € 3.348,00; g) Pagar-lhe a retribuição já vencida, no valor de € 3.348,00 e as vincendas até ao trânsito em julgado da sentença; h) Pagar-lhe os subsídios de Natal referentes aos anos de 1999 a 2008, no valor de € 28.706,95, e os referentes aos anos de 1993 a 1998, a liquidar em execução de sentença; i) Pagar-lhe os subsídios de férias referentes aos anos de 1999 a 2008, no valor de € 28.706,95 e os referentes aos anos de 1993 a 1998 a liquidar em execução de sentença; j) Pagar-lhe a quantia de € 6.696,00, a título de férias vencidas em 01 de Janeiro de 2009 e respectivo subsídio; k) Pagar-lhe a quantia de € 1.826,18, a título de proporcionais de férias e de subsídio de férias pelo trabalho prestado em 2009; l) Pagar-lhe a quantia de € 837,00, a título de proporcional de subsídio de Natal pelo trabalho prestado em 2009; m) Pagar-lhe os juros, à taxa supletiva legal, sobre as quantias devidas, que se venham a vencer desde a data da citação até integral pagamento.

Alegou para o efeito, em resumo útil, que esteve ao serviço da ré desde 01-01-1988, tendo formalizado o acordo a que chegaram, assinando em 02 de Fevereiro de 1988 um contrato de ‘prestação de serviços’, passando a desempenhar para a Ré as funções que constam da Cl.ª 1.ª de tal acordo, e mantendo-se ininterruptamente ao serviço da Ré desde 01 de Janeiro de 1988 até 30 de Março de 2009.

Ao longo dos anos a relação profissional com a Ré evoluiu, sendo que a Ré lhe foi solicitando cada vez mais apoio, passando a abarcar outras áreas de conhecimento que não só as da engenharia, pelo que a partir de 1993 e até à cessação do contrato, por vontade do então provedor da Ré e por deliberação da Mesa Administrativa, passou a desempenhar as funções de Director-geral da Ré, tendo-lhe sido atribuído um gabinete na sede desta, onde passou a desempenhar funções segundo o horário de funcionamento da Ré e fazendo uso dos equipamentos que ali foram instalados pela mesma.

No dia 01 de Janeiro de 1999 foi celebrado novo contrato denominado de ‘prestação de serviços’, onde ficou a constar que exercia a sua actividade nas áreas administrativa, financeira e obras da Ré, referindo-se algumas das funções a exercer e estabelecendo-se a remuneração mensal ilíquida de 470.940$00, que seria actualizada anualmente em função da percentagem de aumento que fosse estabelecido para os restantes funcionários da Ré, acrescida de 1%.

Exercia as suas funções na sede da Ré, dentro do horário de funcionamento desta, embora com liberdade de organização do tempo de trabalho, estando integrado na estrutura organizativa da Ré, dando instruções aos outros funcionários, com quem reunia e exercendo as demais funções que lhe eram distribuídas pela Ré, que discrimina, respondendo apenas perante o Sr. Provedor.

Assim, pese embora a denominação dada aos contratos celebrados, os mesmos são verdadeiros contratos de trabalho por conta de outrem, pelo que a comunicação que lhe foi feita pela Ré, a fazer cessar o contrato, configura um despedimento ilícito, sendo que esta lhe deve ainda os créditos salariais peticionados.

Contestou a Ré, pedindo a improcedência da acção e a sua absolvição dos pedidos.

Aduziu argumentos no sentido de não ser o contrato firmado reconduzível à qualificação de contrato de trabalho.

Sustentou que se tratou de um contrato de prestação de serviço e não de trabalho, sendo que tais contratos foram celebrados com vontade livremente formada de ambas as partes e plenamente assumida, pois, ao longo do período de execução de tais contratos, o autor desempenhou apenas trabalhos específicos e próprios da sua profissão de engenheiro civil.

Impugna assim os factos invocados pelo autor na petição inicial, invocando ainda que este age em abuso de direito, porquanto assinou os contratos plenamente consciente do que estava a assinar e só veio pô-los em causa passados 20 anos. E que, caso assim não se entenda, sempre será de considerar que a comunicação que foi feita ao Autor configura um despedimento fundado na extinção do posto de trabalho do Autor.

Mais declarou opor-se à reintegração do autor, atentas as concretas funções e tarefas por aquele desempenhadas, sendo o seu regresso perturbador para o seu funcionamento.

Discutida a causa, proferiu-se sentença que julgou a acção parcialmente procedente, condenando a Ré a reconhecer que o A. esteve ao seu serviço como trabalhador por conta de outrem, desde 1993; a reconhecer que o A. desempenhava as funções de Director-Geral; a reconhecer que a R. despediu o A. com efeitos a partir de 30 de Março de 2009, sendo tal despedimento ilícito; a reintegrar o A. no mesmo estabelecimento, sem prejuízo da sua categoria e antiguidade; a pagar ao A. o valor das retribuições que este deixou de auferir desde 30 dias antes da propositura da acção, ou seja desde 24/02/2009 e até ao trânsito em julgado da presente sentença, sendo que a tais retribuições, terão que ser feitas as deduções previstas nos n.º 2, als. a) e c) do art. 390.º do Código do Trabalho; a pagar ao A. a retribuição referente ao trabalho prestado no mês de Março de 2009, no valor de € 3.348,00; a pagar ao A. os subsídios de Natal referentes aos anos de 1999 a 2008, no valor de € 28.706,95 e os referentes aos anos de 1996 a 1998, no valor a liquidar em incidente de liquidação após a sentença; a pagar ao A. os subsídios de férias referentes aos anos de 1999 a 2008, no valor de € 28.706,95 e os referentes aos anos de 1993 a 1998 no valor a liquidar em incidente de liquidação após a sentença; a pagar ao A. a quantia de € 6.696,00 a título de férias vencidas em 01 de Janeiro de 2009 e respectivo subsídio; a pagar ao A. a quantia de € 2.511,00, a título de proporcionais de férias, de subsídio de férias e de subsídio de Natal pelo trabalho prestado em 2009; a pagar ao A. os juros, à taxa legal de 4%, sobre as quantias devidas, desde a citação, ocorrida em 25-03-2010 e até integral pagamento.

No mais, absolveu a Ré do restante pedido contra ela formulado pelo autor.

  1. Inconformada, a R. apelou da decisão para o Tribunal da Relação de Coimbra, que, pelo Acórdão prolatado a fls. 230-253 dos Autos, julgou improcedente o recurso, com um voto de vencido.

É dessa deliberação que, ainda irresignada, a R. vem pedir Revista, terminando a respectiva alegação com as seguintes conclusões: 1 - Consagra o art. 1.º da LCT e 1152.º do C.C. (onde se define o contrato de trabalho como aquele pelo qual uma pessoa se obriga, mediante retribuição, a prestar a sua actividade intelectual ou manual a outra pessoa, sob a autoridade e direcção desta) e o art. 1154.º do C.C. (onde se dá a noção de contrato de prestação de serviço: “aquele em que uma das partes se obriga a proporcionar à outra certo resultado do seu trabalho intelectual ou manual, com ou sem retribuição”).

2 - Atento os factos provados sob os itens 15, 46, 47, 48, 50, 51, 52, 53, 54, 55, 56, 57, 58, 59, 60, 61 e 62, tal factualidade afasta decisivamente a qualificação do contrato, celebrado entre a A. e a Ré como de trabalho.

3 - A doutrina e jurisprudência têm-se debruçado, abundantemente, sobre a distinção entre o contrato de trabalho e contrato de prestação de serviço, definindo critérios que hão-de ajudar a estabelecer tal distinção.

4 - Deram-se como factos provados que o Autor tinha total autonomia técnica e científica na execução das tarefas que a Ré lhe incumbia, não cumpria horário de trabalho, ausentava-se quando queria e como queria, sem dar explicações a ninguém; o Autor não estava sujeito ao controle de assiduidade, a sua ausência ao serviço não implicava para o Autor qualquer medida sancionatória, não o sujeitavam ao poder disciplinar da Ré.

5 - A Ré provou indícios suficientemente fortes de molde a caracterizar, com segurança, que a relação contratual celebrada com o Autor integra um contrato de prestação de serviço como nos é definido pelo art. 1154.º do Cód. Civil.

6 - No caso dos autos não existe a subordinação jurídica, "pedra de toque" diferenciador do contrato de trabalho do de prestação de serviço: os elementos apurados apontam para a sua não existência, nomeadamente, a não vinculação a horário de trabalho, o não recebimento das férias (o Autor recebeu sempre 12 meses por ano), o não recebimento de subsídios de férias e de Natal, a prestação de actividade em regime de não exclusividade, a não inscrição do Autor na Segurança Social; o Autor sempre esteve colectado como trabalhador independente, percebendo a recibo verde; o não constar do quadro de pessoal, nem do mapa de férias... e ainda os termos do escrito do contrato celebrado.

7 - Resulta ainda provado, elemento não despiciendo para caracterizar a relação contratual celebrada entre o Autor e a Ré, que no caso dos autos também não existia a subordinação económica: o Autor não estava economicamente dependente da Ré, não carecia dos rendimentos do trabalho prestado à Ré para satisfazer as suas necessidades quotidianas.

8 - É também entendimento da doutrina e jurisprudência que, na subordinação jurídica e económica, esta dupla anda, em regra, a par, cumulando o trabalhador a condição de sujeito juridicamente subordinado e economicamente dependente, não se devendo ignorar esta tendencial tendência.

9 - Encontra-se provado que o Autor...

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