Acórdão n.º 285/2006, de 28 de Agosto de 2006

Acórdáo n.o 285/2006

Processo n.o 1020/2004

Acordam na 1.a secçáo do Tribunal Constitucional:

I- Relatório. - 1 - Nos presentes autos vindos do Supremo Tribunal Administrativo, em que é recorrente o município de Oeiras e recorrida a Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, foi interposto recurso, ao abrigo do disposto no artigo 70.o, n.o 1, alínea b), da Lei da Organizaçáo, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (LTC), da decisáo daquele Tribunal de 6 de Outubro de 2004, que reconheceu à ora recorrida isençáo do pagamento de tarifa de conservaçáo de esgotos, confirmando sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra.

2 - A ora recorrida impugnou junto do Tribunal Tributário de

1.a Instância de Lisboa o «acto de cobrança da tarifa de conservaçáo de esgotos por parte dos Serviços Municipalizados de Água e Saneamento de Oeiras», invocando a sua isençáo pessoal, ao abrigo do disposto nos artigos 13.o, alínea a), do Decreto-Lei n.o 40 397, de 24 de Novembro de 1955, e 34.o dos Estatutos da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, aprovados pelo Decreto-Lei n.o 322/91, de 26 de Agosto. Remetidos os autos ao Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, foi por este Tribunal proferida sentença, em 29 de Março de 2004, que julgou procedente a impugnaçáo e anulou as liquidaçóes impugnadas.

3 - No recurso que interpôs para o Supremo Tribunal Administrativo, peça processual que o recorrente identifica como aquela em

16 636 que suscitou a questáo de inconstitucionalidade (cf. fl. 101), o município de Oeiras sustentou e concluiu, para o que agora releva, o seguinte:

Na sentença recorrida e na esteira do acórdáo do STA de 9 de Outubro de 2002, foi decidido que a Misericórdia de Lisboa estava isenta do pagamento das tarifas em causa, considerando que o artigo 13.o, alinea a), do Decreto-Lei n.o 40 397, de 24 de Novembro 1955, estabelece que a mesma goza de isençáo de impostos, contribuiçóes, taxas ou licenças do Estado ou dos corpos administrativos, seja de que natureza forem, e que o artigo 34.o do Estatutos da mesma Misericórdia, aprovados pelo Decreto-Lei n.o 322/91, manteve a favor da mesma instituiçáo todas as isençóes que lhe foram concedidas por lei.

4 - Ora, a alínea a) do artigo 13.o do Decreto-Lei n.o 40 397, na parte que isenta a Misericórdia de impostos, contribuiçóes, taxas ou licenças dos corpos administrativos, foi derrogada por força do artigo 293.o, n.o 1, da Constituiçáo de 1976 (texto inicial) uma vez que contrariava os princípios consignados na nova lei fundamental, designadamente o princípio da autonomia do poder local consignado no n.o 1 do artigo 6.o e nos artigos 237.o e seguintes.

Mesmo que assim se náo entendesse, o que se admite sem conceder, a referida norma ter-se-á de considerar derrogada pela primeira Lei das Finanças Locais (Lei n.o 1/79, de 2 de Janeiro), que passou a regular tudo o que se refere a receitas municipais. No caso de se sustentar que a Lei n.o 1/79 náo se refere a isençóes e, consequentemente, continuará em vigor a isençáo do Decreto-Lei n.o 40 397, essa tese seria afastada pelo Decreto-Lei n.o 98/84, de 29 de Março, feito pelo Governo no uso de autorizaçáo legislativa da Assembleia da República, o qual, no seu artigo 29.o, enumera as entidades isentas do pagamento de 'todas as taxas e encargos de mais-valia'.

Assim, estando as isençóes fixadas nessa segunda Lei das Finanças Locais (Decreto-Lei n.o 98/84) deixaram de vigorar as que constavam de diploma do chamado Estado Novo, que, náo pode ser olvidado, atentavam contra a autonomia do poder local constitucionalmente consignado.

5 - Temos ainda o Decreto-Lei n.o 322/91 que pretende reafirmar a vigência das isençóes estabelecidas no diploma de 1955, através do texto do artigo 34.o dos Estatutos que foram aprovados por aquele diploma.

Acontece, no entanto, que a constitucionalidade dessa norma, na vertente da sua aplicabilidade às autarquias comuns, náo resiste ao mais ligeiro exame.

Na verdade a Constituiçáo da República Portuguesa, na versáo entáo em vigor, estabelecia no artigo 168.o, n.o 1, alínea s), que era da exclusiva competência da Assembleia da República, salvo auto-rizaçáo ao Governo, legislar sobre o estatuto das autarquias locais, incluindo o regime das finanças locais.

O Decreto-Lei n.o 322/91, invoca, no seu preâmbulo, a competência do Governo referida na alínea a) do n.o 1 do artigo 201.o da Constituiçáo, ou seja, a de 'fazer decretos-leis em matérias náo reservadas à Assembleia da República'.

Assim sendo, carecia o Governo de competência para fazer decretos-leis sobre as finanças locais, pelo que o artigo 34.o dos Estatutos aprovados por esse decreto-lei náo pode reportar-se a quaisquer taxas ou tarifas municipais, sob pena de ostensiva inconstitucionalidade [. . .]

10 - Conclusóes:

a) As isençóes de tarifas ou taxas municipais náo se presumem e teráo de estar determinadas em norma jurídica válida e eficaz; b) A alínea a) do artigo 13.o do Decreto-Lei n.o 40 397, na parte que isenta a Misericórdia de Lisboa de impostos, contribuiçóes, taxas ou licenças municipais, foi derrogada pelo disposto no artigo 293.o, n.o 1, da Constituiçáo de 1976, na sua versáo inicial, uma vez que a mesma contrariava o princípio da autonomia do poder local consignado no n.o 1 do artigo 6.o e nos artigos 237.o e seguintes da lei fundamental;

c) Mesmo que assim se náo entenda, a norma da referida alínea a) do artigo 13.o do Decreto-Lei n.o 40 397 foi derrogada pela Lei n.o 1/79, que passou a regular tudo o que respeita a receitas municipais; d) Por outro lado, passando as isençóes de taxas a estar estabelecidas no artigo 29.o do Decreto-Lei n.o 98/84 (segunda Lei das Finanças Locais) deixaram de vigorar todas as isençóes que constavam em diplomas anteriores, designadamente as que provinham da legislaçáo do chamado Estado Novo, isto na hipótese de se considerar que a Misericórdia de Lisboa continuava a gozar de isençáo; e) A interpretaçáo do artigo 34.o dos Estatutos aprovados do Decreto-Lei n.o 322/91, na parte que pretende abranger as autarquias locais, quando se reafirma a manutençáo das isençóes previstas no Decreto-Lei n.o 40 397, é inconstitucional;

f) Com efeito, falecia competência ao Governo legislar sobre o regime de finanças locais, porquanto a Constituiçáo, na versáo entáo em vigor, deferia no seu artigo 168.o, n.o 1, alínea s), essa competência à Assembleia da República, que a podia autorizar ao Governo, o que náo foi o caso;

g) Por outro lado, mesmo que se entenda que a Misericórdia goze actualmente das isençóes previstas no aludido Decreto-Lei n.o 40 397, as tarifas sáo realidades distintas das taxas, distinçáo essa que a Lei n.o 1/87, entáo em vigor, teve a preocupaçáo de evidenciar nos seus artigos 11.o, 12.o e 27.o; h) Finalmente e na hipótese remota da vigência das isençóes consignadas na alínea a) do artigo 13.o do Decreto-Lei n.o 40 397, a actual interpretaçáo dessa norma terá de ser feita considerando as regras constantes do artigo 9.o do Código Civil, designadamente a unidade do sistema jurídico e as circunstâncias em que aquele diploma foi elaborado e as condiçóes especificas do tempo em que é aplicado, o que conduz necessariamente à sua náo aplicabilidade às tarifas de conservaçáo de esgotos; i) A sentença recorrida náo teve em conta o que se acaba de referir, pelo que náo poderá ser mantida na ordem jurídica.

4 - O Supremo Tribunal Administrativo negou provimento ao recurso, por Acórdáo de 6 de Outubro de 2004, que constitui a decisáo recorrida no presente recurso de constitucionalidade:

Estabelece a alínea a) do artigo 13.o do Decreto-Lei n.o 40 397, de 24 de Novembro de 1955, que a Misericórdia de Lisboa goza de isençáo de impostos, contribuiçóes, taxas ou licenças do Estado ou corpos administrativos, seja de que natureza forem.

O recorrente sustenta que a recorrida náo goza da isençáo que lhe foi inicialmente atribuída por lei, pois, na sua perspectiva, a referida alínea a) do artigo 13.o do Decreto-Lei n.o 40 397 foi revogada pela Constituiçáo (artigo 293.o, n.o 1, da Constituiçáo de 1976), ou, a náo se entender assim, pela Lei n.o 1/79, que passou a regular tudo o que respeita a receitas municipais, sendo que o diploma que substituiu aquele Decreto-Lei n.o 40 397(o Decreto-Lei n.o 322/91) é inconstitucional, no segmento respeitante a isençóes respeitantes às finanças locais, por o Governo náo estar provido da necessária credencial passada pela Assembleia da República, pois se estava...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT