Acórdão nº 274/07 de Tribunal Constitucional (Port, 02 de Maio de 2007

Magistrado ResponsávelCons. Benjamim Rodrigues
Data da Resolução02 de Maio de 2007
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 274/2007

Processo n.º 360/07

  1. Secção

Relator: Conselheiro Benjamim Rodrigues

Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional

A – Relatório

1 – A. e B., melhor identificados nos autos, recorrem para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto no artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, na redacção actual (LTC), do Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 12 de Dezembro de 2006, pretendendo ver sindicada a constitucionalidade da norma do artigo 174.º, n.º 5, do Código de Processo Penal, quando interpretada no sentido de que a comunicação da realização de uma busca, realizada a coberto dos “artigos 174.º, n.º 4, alínea a), e 177.º, n.º 2, do mesmo diploma, pode ser efectuada conjuntamente com a apresentação dos arguidos detidos, no prazo de 48 horas”, e da norma resultante dos artigos 174.º, n.º 4, alínea a), e 177.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, interpretada “no sentido de que para efeitos de apreciação e validação de busca domiciliária realizada, é suficiente que o juiz de instrução valide as detenções dos arguidos e aprecie os indícios existentes nos autos em ordem à fixação de uma medida de coacção, sem expressa e/ou inequivocamente declarar que valida a busca realizada”, em ambos os casos por violação do disposto nos artigos 32.º, n.º 8 e 34.º, nºs 1 e 2 da Constituição da República Portuguesa.

2 – Na parte ora relevante, a decisão recorrida tem o seguinte teor:

“(...)

7.2. – 2ª questão (a nulidade da busca)

Suscitam os recorrentes a nulidade da busca invocando dois fundamentos:

- a ausência da comunicação imediata da realização da busca ao juiz;

- a não validação dessa busca.

7.2.1. As buscas domiciliárias podem ser efectuadas pelos órgãos de polícia criminal, designadamente, nos casos “de terrorismo, criminalidade violenta ou altamente organizada, quando haja fundados indícios da prática iminente de crime que ponha em grave risco a vida ou integridade física de qualquer pessoa” (art°s 177 nº 2 e 174 nº 4 al. a), ambos do CPP).

Nesse caso, “a realização da diligência é, sob pena de nulidade, imediatamente comunicada ao juiz de instrução e por este apreciada em ordem à sua validação” (art. 174 nº 5 do CPP).

A lei não diz o que deve entender-se pela expressão “imediatamente comunicada...”, mas não pode deixar de se entender, por um lado, ao sentido atribuído a tal expressão na linguagem comum, pois “o intérprete presumirá que o legislador... soube exprimir o seu pensamento em termos adequados” (art. 9 nº 3 do código Civil), por outro, aos fins visados com tal comunicação imediata da realização da diligência ao juiz de instrução.

Imediatamente significa, em suma, “de modo imediato, sem demora”, “urgentemente”, “o mais rapidamente possível”; por outro lado, com aquela comunicação imediata visa o legislador assegurar um controlo efectivo da legalidade da diligência (e da legalidade das provas assim obtidas), de modo a garantir que a mesma – enquanto intromissão na vida privada de alguém – se revelava necessária e proporcionada aos fins visados, sem deixar de ter em conta, também, as circunstâncias concretas em que ela se realiza, muitas vezes integrada numa complexidade de factos e diligências que não permitem a sua imediata comunicação ao juiz de instrução, sob pena de se frustrarem os fins visados com a investigação, que não se circunscrevem àquela diligência.

Pretende-se, em suma, procurar uma situação de equilíbrio entre os fins visados com a busca e a investigação dos ilícitos que justificam a sua realização, por um lado, e o respeito pelos direitos dos cidadãos, maxime, dos arguidos, que se visam acautelar com um controlo efectivo da legalidade da busca pelo juiz de instrução.

Ora, tendo em conta, por um lado, a complexidade (e gravidade) dos factos em investigação, que resulta, quer dos crimes em causa (pelos quais os arguidos vieram a ser pronunciados: um crime de sequestro, um crime de homicídio qualificado, um crime de profanação/ocultação de cadáver e um crime de detenção ilegal de arma de defesa) quer da quantidade dos arguidos envolvidos (cinco), por outro, a complexa organização do processo/expediente – que se infere daqueles factos, mas que resulta de outras diligências documentadas nos autos e referenciadas no despacho de pronúncia – para ser presente com os arguidos (detidos) ao juiz de instrução, temos de considerar:

- que a apresentação do expediente (relativo à busca) ao juiz de instrução, juntamente com os arguidos (detidos) para 1º interrogatório judicial (no dia 17.09.2005), foi efectuada num prazo razoável, ou seja, o mais rapidamente possível, atentas as circunstâncias do caso, apreciadas de acordo com os critérios da razoabilidade e do bom senso (não faria sentido, contrariamente ao alegado, que nesse complexo de diligências de investigação, em que está a ser preparado/organizado todo o expediente para apresentar ao juiz de instrução, juntamente com os arguidos, detidos, para 1º interrogatório judicial, que a comunicação da busca merecesse tratamento privilegiado e isolado em relação à apresentação dos arguidos, quando é certo que os elementos de prova nela recolhidos eram essenciais para o interrogatório e seriam necessariamente aí considerados);

- que – como se argumentou no despacho recorrido – não seria razoável (e não resulta que essa fosse a sua intenção) que o legislador pretendesse impor um prazo mais curto para a comunicação da busca ao juiz de instrução do que o imposto para a apresentação do arguido detido para 1º interrogatório judicial, sendo certo que a privação da liberdade se apresenta como uma restrição mais grave aos direitos dos cidadãos do que a restrição de quaisquer outros direitos;

- que a apresentação desse expediente ao juiz de instrução (que o manuseia, com ele contacta materialmente e aprecia), juntamente com os arguidos detidos para 1º interrogatório judicial, vale como comunicação da busca (comunicar não é mais do que levar ao conhecimento de...), pois o juiz de instrução – com tal formalidade e com o interrogatório dos arguidos – tomou necessariamente conhecimento da busca, circunstâncias em que foi realizada e dos elementos de prova recolhidos na mesma, como se demonstra pelo interrogatório efectuado (que incidiu sobre os elementos de prova recolhidos na casa onde foi efectuada a busca) e da necessária referência a tais elementos, designadamente, ao cadáver da vítima encontrado na busca.

7.2.2. Relativamente à validação da busca dir-se-á apenas:

Por um lado, que a nulidade (da diligência) prevista no art. 174º nº 5 do CPP não resulta da não validação da mesma pelo juiz, mas da sua não comunicação (o que aí se escreve é que “a realização da diligência é, sob pena de nulidade, comunicada ao juiz de instrução e por este apreciada...”) – e esta, em face do que se deixa dito, considera-se efectuada com a apresentação do expediente ao juiz juntamente com os arguidos detidos para serem interrogados, designadamente, sobre os indícios recolhidos na busca.

Por outro lado, e mesmo que assim não se entenda, a busca e os elementos de prova nela recolhidos foram apreciados pelo juiz de instrução, como se vê do despacho que validou e manteve a detenção dos arguidos, concretamente porque, em face dos elementos de prova recolhidos e que lhe foram presentes (designadamente os indícios de prova recolhidos na busca), se mostrava fortemente indiciada a prática, por todos os arguidos, em co-autoria material, de um crime de homicídio qualificado, de um crime de ocultação de cadáver e de posse e detenção de arma proibida; tendo o cadáver da vítima e as armas apreendidas sido encontrados no interior da casa onde foi efectuada a busca, não pode deixar de se concluir que o juiz de instrução, fundamentando a sua decisão nessas provas, não só tomou conhecimento da busca e dos elementos de prova nela recolhidos, como a considerou, implicitamente, válida, aceitando e valorando as provas nela recolhidas para validar a detenção dos arguidos e manter os mesmos em prisão preventiva.

Neste sentido podem ver-se, entre outros, os acórdãos da RL de 2.10.94 e de 23.06.94, in www.dgsi.pt

Em sentido idêntico pode ver-se também o acórdão do STJ de 15.12.1998, in www.dgsi.pt, onde se escreveu, em sumário: “... Quanto à validação da busca... ela resulta inequivocamente do despacho do Mmº Juiz de Instrução Criminal, proferido no dia imediato ao da realização da busca e que validou a detenção do arguido recorrente e lhe aplicou a medida de coacção de prisão preventiva expressamente com base nas quantidades de produtos estupefacientes apreendidos quando o arguido lhe foi presente para interrogatório, acompanhado do auto de notícia – no qual é relatada a detenção do arguido e subsequente busca domiciliária... — e auto de apreensão da droga...”.

(...)”.

3 – Notificados para o efeito, os recorrentes apresentaram as suas alegações, tendo concluído a sua argumentação dizendo que:

“(...)

  1. O douto acórdão recorrido interpretou a expressão “imediatamente comunicada…”, ínsita no artigo 174º nº 5 do CPP, com o sentido de que o OPC pode comunicar a realização de uma busca, realizada a coberto dos artigos 177º nº 2 e 174º nº 4 al. a) do CPP, no tempo em que apresenta o expediente para audição de arguido detido para 1º interrogatório, ou seja, 40 horas após a realização daquela diligência, ainda que o tribunal se encontrasse aberto para expediente.

  2. Tal impõem os interesses constitucionais em causa, tendo em conta que foi feita uma busca domiciliária sem qualquer despacho prévio de qualquer autoridade judiciária.

  3. A Constituição Portuguesa considera o direito ao domicílio como um direito inviolável.

  4. Como escrevem Gomes Canotilho e Vital Moreira[1] V. O direito à inviolabilidade de domicilio é ainda um direito à liberdade da pessoa pois está relacionado, tal como o direito à inviolabilidade de correspondência, com o direito à inviolabilidade pessoal (esfera privada espacial, previsto no art. 2óº), considerando-se o domicílio...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO
1 temas prácticos
1 sentencias

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT