Acórdão nº 239/07 de Tribunal Constitucional (Port, 30 de Março de 2007

Magistrado ResponsávelCons. Mário Torres
Data da Resolução30 de Março de 2007
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 239/2007 Processo n.º 1063/05 2.ª Secção

Relator: Conselheiro Mário Torres

Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional,

1. Relatório

Nos autos de expropriação por utilidade pública em que foi expropriante o ICOR – Instituto para a Conservação Rodoviária (depois integrado no IEP – Instituto das Estradas de Portugal, por sua vez substituído por EP – Estradas de Portugal, EPE) e expropriada A., L.da, esta recorreu da decisão arbitral para o Tribunal Judicial de Vila Nova de Famalicão, sustentando, em suma, que a avaliação das áreas da parcela expropriada classificadas como “solo para outros fins” devia ser feita de acordo com o critério consagrado no n.º 12 do artigo 26.º do Código das Expropriações, aprovado pela Lei n.º 168/99, de 18 de Setembro (doravante designado por CE/1999), uma vez que o prédio fora adquirido pela expropriada (por escritura pública de compra e venda celebrada em 27 de Julho de 1993 – cf. fls. 117-126) em data anterior ao Plano Director Municipal (aprovado pela Assembleia Municipal de Vila Nova de Famalicão em 30 de Maio de 1994 e ratificado pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 82/94, publicada no Diário da República, I Série-B, n.º 215, de 6 de Setembro de 1994 – cf. fls. 66) que viria a integrar parte do mesmo, abrangendo essas específicas áreas, na Reserva Agrícola Nacional (RAN).

Por sentença de 10 de Janeiro de 2005, foi concedido parcial provimento ao recurso. Em sede de matéria de facto, apurou-se que: (i) a parcela objecto de expropriação tinha a área de 16 423 m2, a que acresceu, a requerimento da expropriada, a parcela sobrante de 1640 m2, no total de 18 063 m2; (ii) está inserida em núcleo urbano consolidado, dotado de um nível médio de equipamentos, comércio e serviços, situando-se dentro do perímetro urbano da cidade de Vila Nova de Famalicão, a poucas centenas de metros de alguns edifícios de comércio e serviços, tais como um hotel, restaurante e hipermercado, a cerca de 1000 m da Biblioteca Municipal e de 150 m da Avenida do Brasil, uma das principais vias de entrada na cidade, e a poucas dezenas de metros de edifícios habitacionais e industriais; (iii) dispõe do lado nascente de arruamento municipal, pavimentado com cubos de granito em calçada à fiada e largura média de 6 m, e é servida de redes de abastecimento de água, energia eléctrica e telecomunicações e de drenagem de águas pluviais, mas não de rede de esgotos, que se encontra a cerca de 70 m do limite do terreno; e (iv) foi classificada no PDM em parte como “Espaços de Reserva Agrícola Nacional” e em parte como “Expansão de Aglomerado do Tipo 3”. A dita sentença considerou que, no caso, se impunha, tal como proposto pelos peritos, uma diferenciação classificatória da parcela expropriada, que dividiu em 4 áreas: A) parcela com 1332 m2, localizada mais a poente e classificada no PDM como “Espaços de Expansão de Aglomerado Tipo 3”, que classificou como solo apto para a construção, por estar destinada a adquirir as características deste tipo de solo de acordo com plano municipal de ordenamento do território plenamente eficaz (alínea c) do n.º 2 do artigo 25.º do CE/1999); B) faixa de terreno com 5500 m2, na profundidade de 50 m em relação à Rua do Prado, que lhe dá acesso, que classificou como solo apto para a construção, por, apesar de o arruamento estar apenas parcialmente infra-estruturado, se integrar em núcleo urbano existente (alínea b) do n.º 2 do artigo 25.º do CE/1999); C) espaço de 2900 m2 interior e localizado a norte, fora do núcleo urbano, de características florestais, como solo para outros fins, que classificou como solo para outros fins, em obediência ao critério residual plasmado no n.º 3 do artigo 25.º do CE/1999; e D) faixa restante, com 8331 m2, de características agrícolas, fora do núcleo urbano e interior, que também classificou, pelas mesmas razões, como solo para outros fins.

Contra esta sentença apelaram expropriada e expropriante. Não suscitando discordância a classificação da faixa A como solo apto para a construção, já quanto às restantes três faixas, enquanto a expropriada propugnava que as faixas C e D deviam ser avaliadas de acordo com o disposto no artigo 25.º, n.º 2, do CE/1999, por efeito do disposto no n.º 12 do artigo 26.º do mesmo diploma e ainda de acordo com o determinado nos artigos 5.º, alínea e), e 18.º da Lei n.º 48/98, de 11 de Agosto, o expropriante impugnou a classificação da faixa B como solo apto para construção, preconizando a sua classificação como solo apto para outros fins.

O expropriante, nas suas alegações, suscitou, além do mais, a questão da inconstitucionalidade, por violação do princípio da justa indemnização por expropriação, das normas dos artigos 23.º, n.º 1, e 26.º, n.º 1, do CE/1999, “quando interpretadas por forma a incluir na classificação de «solo apto para construção» solos em que, de acordo com as leis e regulamentos em vigor (no caso, em virtude da sua integração na RAN), não é permitida a construção ou esta não constitua o seu aproveitamento económico normal, expropriados para implantação de vias de comunicação” (conclusão 11.ª), já que tal interpretação “conduz a que seja atribuído ao expropriado uma indemnização que ultrapassava o valor real e corrente, ou valor de mercado, distorcendo, deste modo, em benefício do expropriado, a necessária proporção que deve existir entre as consequências da expropriação e a sua reparação” (conclusão 12.ª). E, nas contra-alegações relativas à apelação da expropriada, o expropriante aduziu, designadamente, que “(…) sempre seria inconstitucional a norma contida no n.º 12 do artigo 26.º do Código das Expropriações – por violação do princípio constitucional da justa indemnização por expropriação, condensado no artigo 62.º, n.º 2, da CRP, bem como do princípio da igualdade plasmado no seu artigo 13.º – quando interpretada no sentido de poder ser aplicada (mesmo que por aplicação extensiva ou analógica) a terrenos integrados na RAN à data da declaração de utilidade pública, expropriados para implantação de vias de comunicação”, porquanto, “colocados na mesma situação dois proprietários de terrenos integrados em RAN, aquele que fosse expropriado seria claramente beneficiado relativamente ao não expropriado”.

Por acórdão de 17 de Novembro de 2005, o Tribunal da Relação do Porto, embora por fundamentos não inteiramente coincidentes com os da sentença impugnada, negou provimento a ambas as apelações. Quanto à apelação da expropriada, e relativamente à questão, nela suscitada, de as referidas faixas C e D da parcela expropriada deverem ser avaliadas de acordo com o disposto no artigo 25.º, n.º 2, do CE/1999, por efeito do disposto no n.º 12 do artigo 26.º do mesmo diploma e ainda de acordo com o determinado nos artigos 5.º, alínea e), e 18.º da Lei n.º 48/98, de 11 de Agosto, ponderou e decidiu o seguinte:

“B) O Tribunal Constitucional pronunciou-se repetidamente sobre a importância da classificação de solos integrantes da RAN, interpretando a norma do n.º 5 do artigo 24.º do CE de 1991, nos termos da qual «Para efeitos da aplicação do presente Código é equiparado a solo para outros fins o solo que, por lei ou regulamento, não possa ser utilizado na construção».

No Acórdão n.º 267/87, de 19 de Março de 1997, decidiu julgá-la inconstitucional «… enquanto interpretada por forma a excluir da classificação do solo apto para construção os solos integrados na RAN expropriados justamente com a finalidade de neles se edificar para fins diferentes da utilidade pública administrativa».

No Acórdão n.º 20/2000, de 11 de Janeiro de 2000, decidiu não julgar inconstitucional a mesma norma, «… interpretada por forma a excluir da classificação de solo apto para construção solos integrados na Reserva Agrícola Nacional expropriados para implantação de vias de comunicação».

E reafirmou esta última posição, entre outros, nos Acórdãos n.ºs 219/2001, 243/2001, 172/2002, 121/2002, 155/2002, 417/2002, 419/2002, 333/2003 e 557/2003.

O CE de 1999 não reproduziu a norma do n.º 5 do artigo 24.º do CE de 1991, pelo que não resolveu a questão da atribuição da indemnização, na parte do critério da classificação do solo, no caso dos terrenos que dispõem de infra-estruturas a que se reporta a alínea a) do n.º 2 do artigo 25.º mas estão integrados na RAN.

Não concordamos com o entendimento de que, ao não reproduzir a norma do n.º 5 do artigo 24.º do CE de 1991 no CE de 1999, o legislador quis pôr termo às posições divergentes assumidas pelo TC naquela matéria, e deixar o caminho aberto para não limitar a atribuição da indemnização a terrenos que se encontrem nas condições acima referidas.

E também não nos parece que a pedra de toque entre o respeito e o desrespeito pela Constituição esteja tão-só no destino que a entidade expropriante pretende dar ao bem expropriado: se visar construir, é inconstitucional; se não visar, é constitucional.

Da jurisprudência do TC resultam duas linhas orientadoras:

Por um lado, o TC tem julgado inconstitucional a norma do n.º 5 do artigo 24.º do CE de 1991 apenas nos casos em que a Administração classifica uma parcela de terreno, dotada de todas as infra-estruturas, como de utilidade pública agrícola, e integra-a na RAN para, posteriormente e uma vez desvalorizada, a vir a adquirir, pagando por ela um valor correspondente ao do solo não apto para construção. Em todos os outros casos, mesmo naqueles em que a expropriação se destinou à implantação de edifícios públicos (por exemplo, escolas), o TC não julgou a norma inconstitucional, desde que não tenha dado conta de «qualquer actuação pré-ordenada da Administração, traduzida em manipulação das regras urbanísticas, com vista a desvalorizar artificiosamente o terreno, reservado ao uso agrícola, para mais tarde o adquirir por um valor degradado, destinando-o então à construção de edificações urbanas de interesse público».

Por outro lado, tem entendido que, para efeitos de justa indemnização, não releva o facto de o terreno ter deixado de...

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