Acórdão nº 06S4725 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 02 de Maio de 2007

Magistrado ResponsávelSOUSA GRANDÃO
Data da Resolução02 de Maio de 2007
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça: 1- RELATÓRIO 1.1.

AA, BB e CC intentaram, no Tribunal do Trabalho de Guimarães, a presente acção especial, emergente de acidente de trabalho, contra "Clube de Ténis de Guimarães" e "Companhia de Seguros A... Portugal S.A.", de quem reclamam a reparação do sinistro laboral que vitimou mortalmente DD, marido e pai, respectivamente, da 1ª e dos restantes Autores, pedindo que as Rés sejam condenadas a pagar-lhes, a primeira como principal responsável e a segunda a título subsidiário, os subsídios, pensões e componentes moratórios discriminados na P.I..

Ambas as Rés contestaram: - sustentando a Seguradora, em síntese, que o acidente ocorreu por negligência grosseira do sinistrado, a par da violação, pelo empregador, das regras de segurança legalmente impostas, devendo, por via disso, ser a acção julgada improcedente ou, pelo menos, ser a 1ª Ré condenada em via principal; - dizendo a entidade patronal que o acidente ocorreu, em exclusivo, por falta grave e indesculpável do sinistrado, que apresentava, aquando do acidente, uma taxa de alcoolémia de 1,52 gr/l, concluindo pela necessária improcedência da acção.

O Instituto de Solidariedade e Segurança Social veio, entretanto, reclamar o pagamento de € 869,50, bem como as prestações que se vencerem na pendência da acção e juros de mora até efectivo reembolso.

1.2.

Instruída e discutida a causa, a 1ª instância julgou descaracterizado o acidente, por culpa grave e exclusiva do sinistrado, absolvendo as Rés do pedido.

Os Autores apelaram, de facto e de direito, vindo o Tribunal da Relação do Porto a conceder parcial provimento ao recurso em decorrência do que: - condenou as Rés a pagar à 1ª Autora a pensão e respectivas actualizações, o subsídio por morte, as despesas do funeral com transladação, as despesas com deslocações ao Tribunal e juros de mora, em como o reembolso do I.S.S.S., tudo nos termos convenientemente discriminados no respectivo Acórdão; - absolveu as mesmas Rés do pedido de danos não patrimoniais, única pretensão deduzida pelos co-Autores BB e CC.

Para o efeito, entendeu a Relação que a factualidade provada - que alterou parcialmente - não evidenciava a "negligência grosseira" da vítima, afirmada na 1ª instância, nem tão-pouco, o nexo causal entre a alcoolémia apresentada pelo sinistrado e a produção do evento infortunístico.

Ademais, justificou a assinalada repartição de responsabilidades entre as Rés por virtude da diferença retributiva entre o salário declarado do sinistrado e o salário real.

1.3.

Desta feita, o inconformismo provém das duas Rés, que pedem revista para este Supremo Tribunal, cujas minutas rematam com o seguinte núcleo conclusivo: RÉ SEGURADORA 1- A questão que se coloca é a de saber se o acidente dos autos se encontra descaracterizado, por virtude do disposto no art.º 7º n.º 1 als. B) e C) da Lei n.º 100/97, de 13/9; 2- relativamente à 1ª situação, a matéria de facto apurada é suficiente para sustentar essa hipótese, porquanto o comportamento do sinistrado não pode deixar de se configurar como absolutamente censurável e indesculpável, sendo inquestionável a existência de nexo de causalidade entre o seu comportamento e a sua queda; 3- quanto à questão do nexo de causalidade, é pacificamente adoptada a doutrina da causalidade adequada na sua formulação negativa, em razão do que o dano só não pode ser considerado, em sentido jurídico, como consequência do facto quando este, dada a sua natureza geral, fosse totalmente indiferente para o nascimento de tal dano e só se tenha tornado condição dele em virtude de outras circunstâncias extraordinárias; 4- por outro lado, na apreciação deste condicionalismo, o julgador não pode deixar de apelar ao senso prático, às realidades do quotidiano, a juízes de probabilidade para concluir pela dita indiferença, ou não, para a produção do dano, sendo à luz deste enquadramento que deve aplicar a lei aos factos apurados - arts. 264º, 659º e 664º do C.P.C.; 5- no caso concreto, a questão do nexo de causalidade tem de ser apreciada de acordo com o binómio comportamento do sinistrado (facto) e queda do telhado (dano); 6- na apreciação daquele comportamento, há que salientar, desde logo, a T.A.S. que o sinistrado apresentava na altura do acidente - 1,52 gr./l - o que, de per si, traduz uma atitude altamente censurável, atenta a influência de uma tal taxa no comportamento humano; 7- esta realidade adquire-se, quer através das regras de experiência comum, quer do próprio ordenamento jurídico, nomeadamente o Código da Estrada, que qualifica de contra ordenação grave ou muito grave a condução com taxa de álcool igual ou superior a 0,5 g/l ou 0,8 g/l, respectivamente - arts. 146º al. M) e 147º al. J) - sendo que o Código Penal considera crime a condução com taxa igual ou superior a 1,2 g/l - art. 292º; 8- com uma T.A.S. superior a 1,52 g/l, os efeitos no sistema nervoso central são muito graves, nomeadamente: diminuição do grau de vigilância e do campo visual, reflexos retardados, dificuldades de adaptação da visão a diferenças de luminosidade, minimização dos riscos, incapacidade de concentração e falhas de coordenação motora e neuromuscular, dupla visão, falta de equilíbrio, o que tudo tem reflexos no domínio da vontade controle de movimentos, capacidade de reacção, em suma, do uso da razão; 9- assim, embora o sinistrado soubesse que a realização de trabalhos em altura, como se propunha realizar, exigir o pleno domínio dos sentidos, não se inibiu de ingerir uma grande quantidade de álcool, o que consubstancia, desde logo, um comportamento temerário e reprovável pelo mais elementar sentido de prudência, para além de representar uma flagrante violação dos seus deveres para com a sua entidade patronal; 10- por outro lado, a negligência grosseira do sinistrado reporta-se ao acto de agir com total menosprezo pela evidente falta de condições de segurança, pois conhecia a falta de resistência das telhas, atenta o respectivo material e a sua antiguidade e, não obstante, repudiou tal situação e adoptou o comportamento que conduziu ao acidente - cfr. pontos 1º, 2º, 4º, 5º, 9º, 10º, 11º e 12º da factualidade assente; 11- ao colocar-se sobre o telhado, com as características apontadas - antigas e de lusalite - sem usar qualquer tipo de equipamento de segurança que o protegesse de uma queda, o sinistrado teve um comportamento temerário evidenciando um absoluto despejo pelo perigo; 12- qualquer operário, ainda que medianamente diligente, sabe que a deslocação sobre um telhado de fraca resistência, a mais de 5 m de altura, exige a utilização de equipamentos de segurança adequados e a ausência total de álcool no sangue; 13- o comportamento do sinistrado violou, pois, o art.º 15º n.º 1 do D.L. n.º 441/91, de 14/11; 14- e também não restam dúvidas de que esse comportamento foi igualmente desnecessário e inútil - elementos que igualmente contribuem para esta causa de descaracterização - salientando-se que os termos "útil" e "necessário", nesta sede, reportam-se ao acto de agir de determinada forma, no sentido da necessidade de tal comportamento; 15- ademais, não existia qualquer razão válida, designadamente motivado por uma situação de emergência para a deslocação no telhado naquelas circunstâncias; 16- por último, a exclusividade desse comportamento, como causa do acidente, resulta de que o sinistro jamais se teria verificado sem a concorrência das referidas circunstâncias; 17- assim, é inequívoca a relação de causa-efeito entre o descrito comportamento e o dano: ir mais longe, na distribuição do ónus da prova, seria discriminar, de forma inaceitável, uma das partes perante a outra, com clara violação do princípio da igualdade de armas, emanação do princípio constitucional da igualdade e não discriminação - art.º 13º da C.R.P.; 18- assim, é indúbio que o comportamento do sinistrado integra o conceito de negligência grosseira, o que conduz à descaracterização do acidente, enquanto sinistro laboral, nos termos do art.º...

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