Acórdão nº 0179/03 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 17 de Fevereiro de 2004

Magistrado ResponsávelROSENDO JOSÉ
Data da Resolução17 de Fevereiro de 2004
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam em conferência na Secção do Contencioso Administrativo do STA: I - Relatório.

A...

Recorre contenciosamente do despacho do Senhor SECRETÁRIO DE ESTADO ADJUNTO DO MINISTRO DA SAÚDE De 22 de Outubro de 2002 que homologou a lista definitiva dos candidatos não acreditados no processo de regularização dos odontologistas determinado pela Lei 4/99, de 27 de Janeiro, na redacção da Lei 16/2002, de 22 de Fevereiro.

Alega ser concorrente à acreditação como profissional na actividade que vem desenvolvendo e para a qual se inscreveu nos termos do Despacho Normativo n.º 1/90, de 3 de Janeiro e ter sido afastado da acreditação por não fazer prova suficiente do exercício profissional, de acordo com os critérios definidos em actas do Conselho Ético e Profissional de Odontologia.

Considera, no entanto que o autor do acto não detinha os poderes jurídicos para o praticar, por estarem conferidos ao referido Conselho pala alínea a) do artigo 5.º da Lei 4/99, em relação ao qual não existe sujeição hierárquica ao membro do Governo que praticou o acto. E, alega ainda que o Conselho efectuou uma restrição ilegal e contrária aos artigos 87.º n.º 1 e 56.º do CPA; 112.º n.º 6 e 266.º n.º 2 bem como ao princípio da ponderação e da proporcionalidade.

Ataca também o acto por violação do princípio da igualdade afirmando que foi admitida prova documental a determinadas pessoas que no seu caso foi desconsiderada.

Entende ainda que o reconhecimento como odontologista estava efectuado desde que foi admitida a sua inscrição ao abrigo do DN 190, pelo que o acto recorrido viola o princípio da boa fé e a proibição de "venire contra factum proprium".

E considera que o seu processo de inscrição mostra que reúne os requisitos de antiguidade no exercício da profissão, pelo que o acto sofre de erro nos pressupostos de facto.

Por último considera que o art.º 2.º da Lei 4/99 sofre de inconstitucionalidade por condicionar com efeito retroactivo o acesso à profissão, introduzindo restrições que não existiam e que se revelam desnecessárias e injustificadas racionalmente.

A entidade recorrida na resposta refere que aprovou uma grelha dos documentos admitidos como prova do exercício da actividade durante 18 anos, por forma a assegurar a objectividade e rigor que os interesses em presença impunham, evitando o arbítrio e a desigualdade e sustentou a legalidade do acto.

Em alegações finais o recorrente formula as conclusões seguintes: I - O acto impugnado é inválido por incompetência do seu autor, devendo ser anulado nos termos do disposto no Art.º 135º do Código do Procedimento Administrativo, uma vez que não resulta de qualquer disposição da Lei nº. 4/99 de 27 de Janeiro a atribuição desse poder ao Senhor Ministro da Saúde (não se encontrando abrangido por qualquer delegação), nem tal resulta da aplicação de princípios gerais relativos ao exercício da competência administrativa.

II - O acto objecto de recurso, é inválido por ter procedido a uma restrição ilegal dos meios probatórios admitidos no procedimento administrativo, aflorado no nº. 1 do Art.º 87º do Código do Procedimento Administrativo e nos termos do qual os factos, que carecem de prova podem sê-lo por recurso a todos os meios de prova admitidos em direito. Ora, o Conselho Ético e Profissional de Odontologia decidiu restringir o princípio geral do valor probatório no procedimento administrativo de todos os meios em direito admitidos, sem habilitação legal e, sobretudo, através de formas insusceptíveis de derrogar disposições de valor legal.

Nestes termos, o acto impugnado é inválido por violação directa do princípio da hierarquia dos actos normativos e, em particular, do nº. 6 do Art.º 112º da Constituição, devendo, com tal, ser declarado nulo.

III - O despacho recorrido sempre seria inválido por violação de Lei, dado desrespeitar a directiva legal, relativa à descoberta da verdade material, subjacente ao princípio do inquisitório, estabelecido no Art.º 56º do Código do Procedimento Administrativo, devendo, consequentemente, ser anulado nos termos do Art.º 135º do mesmo Diploma Legal.

IV - O acto contestado é também inválido, por violação de Lei, a que equivale a violação do princípio da proporcionalidade constante do nº. 2 do Art.º 266º da nossa Lei Fundamental e no Art.º 5º do Código do Procedimento Administrativo, uma vez que procede a uma restrição administrativa dos meios com valor probatório no procedimento de acreditação dos odontologistas, sem que exista qualquer racionalidade que a suporte, evidenciando-se a sua desnecessidade, desadequação e aleatoriedade.

V - O acto "sub juditio" viola o princípio da igualdade, previsto no nº. 2 do Art.º 266º da Constituição e no nº. 1 do Art.º 5º do Código do Procedimento Administrativo, uma vez que o Conselho Ético e Profissional de Odontologia valorou como prova admissível em relação a determinados odontologistas, documentos (declarações) cujo valor probatório foi desconsiderado em relação ao recorrente.

Deste modo, deve o acto em causa ser declarado nulo, nos termos da alínea d) do nº. 2 do Art.º 133º do Código do Procedimento Administrativo.

VI - A homologação, objecto do presente recurso, é também inválida por violação do princípio da boa-fé e da tutela da confiança, previsto no nº. 2 do Art.º 266º da Constituição e no Art.º 6º-A do Código do Procedimento Administrativo, a que corresponde o "venire contra factum proprium" administrativo, consubstanciado na desconsideração de reconhecimentos anteriores, uma vez que o recorrente se encontra inscrito como odontologista no Departamento de Modernização e Recursos da Saúde ao abrigo do Despacho Normativo nº. 1/90 de 23 de Janeiro da Senhora Ministra da Saúde, tendo o Ministério da Saúde reconhecido desde então, expressamente, o exercício desta profissão pelo recorrente bem como a sua qualificação.

VII - O acto impugnado é ainda inválido por erro sobre os pressupostos de facto, uma vez que o recorrente reúne todos os requisitos necessários para a acreditação como odontologista: antiguidade relevante e formação profissional.

Deste modo, o acto administrativo em questão deve ser anulado de acordo com o disposto no Art.º 135º do Código do Procedimento Administrativo.

VIII - Finalmente, o Art.º 2º da Lei nº. 4/99 de 27 de Janeiro, ao condicionar retroactivamente a liberdade de acesso à profissão de odontologista, conforme garantida pelo Art.º 47º da Constituição, viola a regra da retroactividade das restrições de direitos, liberdades e garantias, estabelecida no nº. 3 do Art.º 18º da nossa lei Fundamental, bem como o princípio da confiança subjacente ao princípio do Estado de Direito Democrático.

Consequentemente, o acto recorrido, enquanto acto administrativo de aplicação de disposições inconstitucionais, é um acto inválido, devendo ser declarado nulo A entidade recorrida sustenta em contra legações o acto recorrido.

O EMMP emitiu douto parecer do seguinte teor: 1.

Vem o recurso contencioso interposto do acto contido no despacho do Senhor Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Saúde, de 2002.10.22, homologatório das listas definitivas dos profissionais acreditados e não acreditados no âmbito do processo de regularização dos odontologistas, no que concerne ao recorrente, candidato não acreditado.

É dirigida ao acto impugnado a seguinte censura: - O acto impugnado é inválido por incompetência do seu autor, devendo ser anulado nos termos do disposto no artº 135º do CPA; - O acto impugnado é inválido por ter procedido a uma restrição ilegal dos meios probatórios admitidos no procedimento administrativo, aflorado no nº 1 do artº 87º do CPA e nos termos do qual os factos que carecem de prova podem sê-lo por recurso a todos os meios de prova admitidos em direito; o Conselho Ético e Profissional de Odontologia decidiu restringir o princípio geral do valor probatório no procedimento administrativo de todos os meios em direito admitidos, sem habilitação legal, e, sobretudo, através de formas insusceptíveis de derrogar disposições de valor legal; nestes termos, o acto impugnado é inválido por violação directa do princípio da hierarquia dos actos normativos e, em particular, do nº 6 do artº 112º da CRP, devendo, como tal ser declarado nulo; - O acto recorrido sempre seria inválido, por desrespeitar a directiva legal relativa à descoberta da verdade material subjacente ao princípio do inquisitório estabelecido no artº 56º do CPA.

- O acto recorrido é inválido, por violação do princípio da proporcionalidade constante do nº 2 do artº 266º da CRP e no artº 5º do CPA; - O acto sub judicio viola o princípio da igualdade, previsto no artº 266º, nº 2, da CRP, e no nº 1 do artº 5º do CPA, uma vez que o Conselho Ético e Profissional de Odontologia valorou como prova admissível em relação a determinados odontologistas, documentos (declarações) cujo valor probatório foi desconsiderado em relação ao recorrente; - É também inválido por violação do princípio da boa fé e da tutela da confiança, previsto no artº 266º, nº 2, da CRP, e no artº 6º-A do CPA; - É ainda inválido por erro sobre os pressupostos de facto, uma vez que o recorrente reúne todos os requisitos necessários para a acreditação como odontologista: antiguidade relevante e formação profissional; - Finalmente é inválido porque o artº 2º da Lei nº 4/99, de 27.01, ao condicionar retroactivamente a liberdade de acesso à profissão de odontologista, conforme é garantida pelo artº 47º da CRP, viola a regra da não retroactividade das restrições de direitos, liberdades e garantias, estabelecida no artº 18º, nº 3, da CRP, bem como o princípio da confiança subjacente ao princípio do Estado de Direito Democrático.

  1. Vejamos: 2.1.

    No entender do recorrente, o Senhor Ministro da Saúde e, por delegação, o Senhor Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Saúde, não são competentes para a prática do acto impugnado, já que a Lei não lhes confere tal poder, pois os poderes administrativos originados pela Lei nº 4/99, de 27.01, foram atribuídos a uma autoridade...

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