Acórdão nº 048260 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 18 de Dezembro de 2002

Magistrado ResponsávelJ SIMÕES DE OLIVEIRA
Data da Resolução18 de Dezembro de 2002
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam na Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo, 3ª Subsecção:- I -A... recorre contenciosamente do despacho do MINISTRO DO TRABALHO E SOLIDARIEDADE, de 7.9.01, que rejeitou o recurso hierárquico que interpôs da Gestora de Intervenção Operacional Integrar, nos termos da qual foi determinada a redução do custo total constante do pedido de pagamento de saldo final relativo ao projecto nº 1537/99/2.0/551/00-A, no âmbito da medida 2 financiada pelo FSE no quadro de apoio à formação profissional.

Alega, em substância, que apresentou um pedido de financiamento para a realização de curso de formação profissional no âmbito desta medida, projecto este que foi aprovado. Após a realização de todas as acções programadas, entregou à Gestora da IO-Integrar o pedido de pagamento de saldo final, nos termos do art. 16º da Port. nº 745-A/96, de 16.12, sendo o respectivo valor de Esc. 4.270.358$00.

Depois de, inicialmente, ter sido notificada para efeitos de audiência prévia de decisão que aceitava integralmente o referido saldo, a recorrente recebeu uma notificação de que haviam sido aprovados vários "ajustamentos e recomendações" relativos a despesas efectuadas, a qual foi depois repetida por terem sido detectadas incorrecções na anterior notificação e novamente seguida por outra em que se informava que ia ser reaberto o "pedido de pagamento de saldo" para "regularização das situações detectadas". Dias depois a recorrente tornou a ser notificada para efeitos de audiência prévia, ao que se seguiu outra notificação comunicando que "deve ser modificada" a decisão proferida sobre o pedido de pagamento de saldo". Perante as dúvidas geradas por esta sucessão de notificações, a recorrente solicitou esclarecimentos, ao que foi respondido tratar-se (a última decisão comunicada) da "decisão final da reabertura do pedido de pagamento de saldo".

Interpretando este esclarecimento (ele próprio pouco claro) como estando efectivamente perante a decisão final proferida sobre o pedido de pagamento de saldo, a recorrente interpôs recurso hierárquico para o Ministro do Trabalho e Solidariedade, o qual, por despacho de 7.9.01, aposto no parecer nº 256/2001, de 24.7, rejeitou o recurso hierárquico, com base em dois motivos: na irrecorribilidade graciosa do despacho impugnado, e na extemporaneidade da apresentação do recurso hierárquico.

Quanto à irrecorribilidade, mesmo que se entendesse que o despacho da senhora gestora era já um acto verticalmente definitivo, nem por isso estava excluída a possibilidade de a recorrente interpor um recurso hierárquico (impróprio) facultativo. Confundiu-se, deste modo, a questão da necessidade da interposição do recurso com a da recorribilidade contenciosa do acto que é seu objecto, violando-se o disposto na al. b) do art. 173º do CPA. Mas esse recurso era realmente necessário, porquanto, não existindo competência exclusiva do gestor do programa operacional, há recurso hierárquico necessário para o Ministro do Trabalho.

Com respeito à intempestividade: a notificação efectuada em 23.1.01, através do ofício nº 18301, de 19.1, pela sua deficiente redacção, não proporcionou à recorrente o correcto entendimento de que se tratava da notificação da decisão final do procedimento, e por isso não pode ser considerada data relevante (o dizer-se que a decisão anterior "devia ser modificada" implicava que não se tratava, ainda, da decisão final). Só em 13.2.01, através do ofício nº 18408, respondendo à solicitação da recorrente, é que esta tomou perfeito e integral conhecimento de que a decisão de 8.1.01, referida no ofício nº 18301, de 19.1, era uma decisão final. Tem, assim, de entender-se que o prazo para interposição do recurso se iniciou apenas no dia 14.2.01, pois só na véspera é que a recorrente teve conhecimento de que fora tomada a decisão final. Nestas circunstâncias, não seria exigível ao administrado que adoptasse conduta diversa, e não pode ser ele a sofrer as consequências do deficiente cumprimento do dever de notificar por parte da Administração Pública, e além disso o princípio do favor actione postula uma interpretação restritiva das causas de inadmissibilidade do recurso hierárquico, e favorece o exame de mérito das pretensões deduzidas nesta sede. Ao rejeitar o recurso, a entidade recorrida violou o disposto na al. d) do art. 173º do CPA.

Tendo sido liminarmente promovida, pelo Ministério Público, a notificação da recorrente para precisar a data em que foi notificada do acto recorrido, veio a mesma informar ter sido notificada em 14.9.01, acrescentando que a petição de recurso foi remetida ao tribunal por correio registado em 14.11.01.

Seguidamente, o Ministério Público levantou a questão da extemporaneidade do recurso contencioso, sobre a qual a recorrente foi mandada ouvir, tendo respondido nos termos de fls. 66. Relegado para final o conhecimento da excepção (despacho do relator de fls. 68), o Ministério Público veio depois a reconsiderar, dando por abandonada a mesma questão prévia, em virtude da alteração do regime processual aplicável à transmissão por telecópia, introduzida pelo D-L nº 183/00, de 10.8.

Entretanto, a autoridade recorrida respondeu ao recurso, reiterando a ideia de que não cabia recurso hierárquico para o Ministro do acto do gestor do programa, em si já um acto definitivo, em virtude de o Dec. Reg. nº 15/96 ser completamente omisso sobre a existência de tal hipótese de recurso e da inexistência de subordinação hierárquica ou tutelar entre o gestor e o membro do Governo competente. Gozando do estatuto de encarregado de missão, o gestor (que não consta da estrutura orgânica do Ministério em causa) detém competência própria e exclusiva.

Mesmo que assim não se entendesse, o recurso hierárquico era extemporâneo, e por isso teria sido bem rejeitado. A recorrente foi notificada através do ofício nº 18301, recebeu-o em 23.1.01, mas só veio a interpor recurso hierárquico em 27.3.01, ou seja, fora de prazo, já que o mesmo tinha findado em 6.3.01.

Em alegações, recorrente e recorrido mantiveram as suas anteriores posições, tendo a primeira enunciado as seguintes conclusões: "1. O Decreto Regulamentar n.º 15/96, de 23 de Novembro nada refere sobre a necessidade de um recurso administrativo (hierárquico ou tutelar) dos actos dos Gestores dos Programas Operacionais para o membro do Governo competente; 2. Porém, essa circunstância nunca determinaria que o recurso hierárquico (próprio ou impróprio, tanto faz) interposto pela ora recorrente em 27 de Março de 2001 devesse ser rejeitado com fundamento no disposto na alínea b) do artigo 173º do Código do Procedimento Administrativo; 3. Uma coisa é a eventual desnecessidade da interposição do recurso administrativo para efeitos da abertura da via contenciosa; outra, bem diferente, é sustentar que o acto impugnado (o despacho de 8 de Janeiro de 2001 da Senhora Gestora) é insusceptível de qualquer recurso administrativo, ou seja, que tal despacho é graciosamente irrecorrível; 4. A decisão, de 8 de Janeiro de 2001, da Senhora Gestora seria sempre susceptível de recurso hierárquico impróprio facultativo; 5. Não podia por isso o recurso (mesmo que se considerasse ser facultativo) ter sido rejeitado com fundamento na irrecorribilidade do acto seu objecto; 6. A autoridade recorrida confundiu totalmente a questão da necessidade da interposição do recurso hierárquico com a da recorribilidade graciosa do acto seu objecto; 7. O ora recorrido despacho do Senhor Ministro do Trabalho e da Solidariedade é por isso ilegal por violação do disposto na alínea b) do artigo 173º do CPA; 8. A notificação efectuada (em 23 de Janeiro de 2001) através do ofício n.º 18301, de 19 de Janeiro, em virtude da sua deficiente e pouco clara redacção, não proporcionou à ora recorrente um correcto entendimento de que se tratava da notificação da decisão final do procedimento; 9. Não podia, consequentemente, ser considerada relevante para efeito de desencadear a contagem do prazo de interposição do recurso hierárquico; 10. O seu texto, pouco claro, originou legítimas dúvidas sobre se o acto de 8 de Janeiro de 2001 seria já ou não a decisão final do procedimento; 11. Até porque essa notificação se insere num longo e nem sempre linear conjunto de notificações (cfr. Docs. n.ºs 2, 3, 4, 5 e 6 junto com a petição inicial), em que a Senhora Gestora da IO Integrar foi titubeando sobre o sentido da decisão e simultaneamente ouvindo o particular em sede de audiência prévia, isto é, notificando-o de meros projectos de decisão; 12. Não é de aceitar que uma notificação que, por falta de clareza, induz em erro ou provoca a dúvida ao interessado, se volte contra este impedindo de exercer atempadamente as suas garantias graciosas; 13. Só através do ofício n.º 18408, recebido em 13 de Fevereiro de 2001, é que a ora recorrente tomou perfeito e integral conhecimento de que a decisão de 8 de Janeiro de 2001, referida no ofício n.º 18301 de 19 de Janeiro se tratava da decisão final; 14. O princípio do favor actione postula uma interpretação restritiva das causas de inadmissibilidade do recurso hierárquico, visando privilegiar, sempre que seja processualmente possível, o conhecimento da questão de fundo, assim se assegurando uma tutela mais efectiva das posições subjectivas dos interessados, possibilitando o exame de mérito das pretensões deduzidas em sede de recurso hierárquico; 15. O prazo para a interposição do recurso gracioso iniciou-se pois apenas no dia 14 de Fevereiro de 2001, pois só na véspera (dia 13) é que a ora recorrente teve conhecimento de que, em 8 de Janeiro de 2001, fora tomada a decisão final do procedimento administrativo em causa; 16. Foi por isso tempestivo o recurso hierárquico que dessa decisão foi interposto em 27 de Março de 2001; 17. Ao perfilhar entendimento diverso - rejeitando o recurso hierárquico com fundamento em intempestividade - o ora recorrido despacho é ilegal por violação do disposto na alínea d) do artigo 173º do CPA".

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