Acórdão nº 03P2606 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 02 de Outubro de 2003 (caso NULL)

Magistrado ResponsávelSANTOS CARVALHO
Data da Resolução02 de Outubro de 2003
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça 1. Sob acusação do Ministério Público foi julgado pelo Tribunal Colectivo de Ourém (Processo Comum n.º 122/01), A, com os sinais nos autos, a quem era imputada a autoria, em concurso real, de 1 crime continuado de violação dos art.ºs 30.º, n.º 2, 164.º, n.º 1, 177.º, n.º 1, al. a) e n.º 4, e de 1 crime continuado de coacção sexual dos art.ºs 30.º, n.º 2, 163.º, n.º 1 e 177.º, n.º 1, al. a) e n.º 4, todos do Código Penal. E foi condenado pela prática de 1 crime continuado de coacção sexual agravado dos art.ºs 30.º, n.º 2, 163.º, n.º 1 e 177.º, n.º 4, na pena de 4 anos de prisão e pela prática de um crime continuado de violação agravado dos art.ºs 30.º, n.º 2, 164.º, n.º 1 e 177.º, n.º 4, do Código Penal, na pena de 10 anos de prisão. Em cúmulo jurídico foi o arguido condenado na pena única de 12 anos de prisão. Mais foi o recorrente condenado a pagar ao demandante B as despesas com a reabilitação ou tratamento psicológico de que necessite, em consequência da actuação delituosa do arguido, e a quantia de € 29.927,87, a título de danos não patrimoniais. 2. Recorreu para a Relação de Coimbra (recurso n.º 1763/2002-9) que, por acórdão de 10.7.2002, lhe negou provimento, confirmando a decisão da 1.ª instância. Dessa primeira decisão da Relação de Coimbra recorreu o arguido para o Supremo Tribunal de Justiça, vindo este, por acórdão de 7 de Novembro de 2002, proc. n.º 3158/02-5, a conceder provimento ao recurso e revogar o acórdão recorrido, devendo a Relação de Coimbra, pelos mesmos juízes, se possível, decidir se as indicações constantes da motivação de recurso são suficientes para conhecer do recurso em matéria de facto, e então dele conhecer, ou, em caso contrário, convidar o recorrente a completar as respectivas conclusões. De novo na Relação de Coimbra, foi o arguido convidado a completar as suas conclusões, o que fez e este Tribunal, por acórdão de 19.3.2003, negou provimento ao recurso e confirmou a decisão da 1.ª instância. 3. Recorre novamente o arguido para este Supremo Tribunal de Justiça e, da sua motivação, apresenta as seguintes conclusões (transcrição): 1) Não foi comunicado ao arguido a alteração qualificação jurídica por parte do tribunal "a quo" de modo a lhe dar possibilidade daquele preparar a sua defesa, nos termos do artigo 358°, n.º 3 do C.P.P.; 2) E no Acórdão recorrido ao não se entender proceder nos termos do artigo 358°, n.º 1 e n.º 3 do C.P.P., apesar de considerar existir uma alteração entre a acusação e a decisão, cometeu-se uma nulidade, nos termos do artigo 379°, n.º 1, al. c) do C.P.P. 3) Não se encontram ainda assim preenchidos os tipos legais de crime pelos quais o arguido foi condenado. 4) Da matéria dada como provada e constante no Acórdão recorrido, não se verifica que o agente tenha usado de violência ou ameaça grave, tenha tornado a vítima inconsciente, ou impossibilitada de resistir. 5) Não se descortina da matéria dada como provada de que modo o agente usou de violência, ou de ameaça grave, ou de que modo impossibilitou a vítima de resistir - nada disto ficou demonstrado. 6) Da matéria indicada no Acórdão recorrido, nomeadamente a transcrição do depoimento do menor, existe insuficiência para a decisão da matéria de facto dada como provada. 7) A verificarem-te estes requisitos era necessário terem-se os mesmos demonstrado na matéria factual dada como provada no Acórdão recorrido. 8) Esta insuficiência da matéria dada como provada ainda se torna mais evidente quando atentamos na motivação e na valoração dos depoimentos das testemunhas. 9) Não existe qualquer indício de ter havido violência, ameaça grave ou impossibilidade de resistir da vítima perante o agente. 10) Em nenhum momento do depoimento transcrito no Acórdão recorrido se verifica que o menor alguma vez tivesse sido alvo de violência, de ameaça grave, ou estivesse impossibilitado de resistir. 11) Em lado nenhum é referido que o arguido usou de violência, ameaça grave, ou que alguma vez colocou o menor impossibilitado de resistir, pelo que nunca se poderiam ter considerado como preenchidos os tipos legais de crime pelos quais o arguido foi acusado. 12) E tal foi devidamente alegado em sede de alegações de recurso perante o Tribunal "a quo". 13) No Acórdão recorrido existe erro notório na apreciação da prova. 14) Houve omissão de pronúncia no Acórdão recorrido, por violação do disposto no artigo 379°, n.º 1, al. c) do C.P.P. "ex vi" artigo 425°, n.º 4 do mesmo diploma. 15) Analisando a matéria dada como provada no Acórdão proferido em primeira instância, a qual, bem como a motivação dos factos se encontra transcrita e considerada no Acórdão recorrido, verificamos que existe erro notório na apreciação da prova, insuficiência para a decisão da matéria dada como provada e contradição entre a fundamentação e a decisão. 16) O depoimento do menor deveria ter sido apreciado com bastante reserva por parte do tribunal, pois, na verdade, atendendo à sua qualidade de ofendido, as suas relações pessoais e familiares com o arguido, a sua idade à data da prática dos factos, o tempo já decorrido após os mesmos, os depoimentos por si já prestados no âmbito do processo a propósito dos factos, são tudo circunstâncias susceptíveis de retirar espontaneidade e credibilidade ao seu depoimento. 17) E o tribunal deveria ter em conta estes aspectos na apreciação do depoimento do menor em julgamento. 18) Analisando a motivação da convicção probatória constante no Acórdão recorrido e comparando-a com a matéria dada como provada verificamos que existe clara discrepância entre uma e outra. 19) Atendendo às regras da experiência, nunca se poderia ter dado como provado os factos constantes nos n.ºs 12), 13), 14), 15) e 16) no Acórdão recorrido, pois atendendo à prova que serviu para assentar a convicção probatória do tribunal nunca poderia resultar a matéria dada como provada naqueles pontos. 20) A matéria dada como provada não é suficiente para condenar o arguido em sede de pedido de indemnização civil, pois da prova produzida referente à matéria civil o tribunal assentou no depoimento do menor, o qual não foi ajuramentado e não deveria ter sido tomado em conta para aquele efeito, na medida em que era parte interessada na condenação do arguido estando ainda o seu depoimento repleto de várias circunstâncias que punham em causa o seu depoimento, conforme já se deixou referido. 21) Não existem fundamentos legais para que se possa condenar o arguido mesmo que se considerasse provada a matéria de facto do Acórdão - no valor fixado. 22) O dano morte fixado pela nossa jurisprudência anda no valor de 3.000.000$00 (€. 14.963,95). 23) Os chamados meios de prova documental e pericial, tidos em conta no Acórdão recorrido, não podiam ser valorados sem serem primeiro apreciados em sede de audiência contraditória. 24) Ficando assim o arguido impossibilitado de poder exercer convenientemente o seu direito de defesa. 25) E esta não é uma questão meramente formal, na medida em que estamos perante uma decisão condenatória que assentou em documentos cuja validade nunca podia deixar de ser valorada e confirmada em julgamento, na medida em que se tratam de exames e relatórios realizados um ano depois do menor deixar de ir dormir a casa do arguido. 26) Apenas pela análise do relatório médico-legal, não descortinamos o que foi o nível do sofrimento sofrido pelo menor, verdade dos factos, e suas consequências. 27) Atendendo à data da realização da prova documental referida no Acórdão recorrido somos levados a concluir que, as eventuais consequências a existirem para o menor, foram criadas depois da data dos factos constantes da acusação - depois do menor deixar de ir dormir a casa do arguido, e não aquando da sua dormida. 28) Ainda que fossem verdadeiros os factos dados como provados no Acórdão recorrido, nunca se poderia ter aplicado a pena que se aplicou ao arguido, por ser manifestamente excessiva ultrapassando largamente a medida da culpa do agente nos factos em análise nos presentes autos. 29) Prova disso, foi o facto do Ex.mo Sr. Procurador junto do Tribunal "a quo" entidade que tinha promovido a acusação contra o arguido, pedir uma pena de prisão entre os 6 e 7 anos de prisão, pena que ainda se assim se discorda por excessiva, mas que apresenta um maior grau de equidade do que o "absurdo" da pena aplicada pelo Tribunal "a quo", isto para no caso se dar qualquer credibilidade ao que consta dos autos ao nível de prova. 30) A própria acusação reconheceu que não havia fundamento suficiente para condenar o arguido na pena em que o foi. 31) Embora não estejamos a falar de um arguido primário, temos que ter em conta que estamos perante um arguido integrado na sociedade, sendo funcionário na Câmara Municipal de Ourém, resultando do processo elementos que apontam no sentido do arguido ser uma pessoa socializável, integrada e respeitada no meio social onde vive. 32) Estamos em crer que, atendendo à personalidade e carácter do arguido, estando-se perante um arguido que já esteve detido, a simples ameaça de prisão efectiva é suficiente para que o arguido se abstenha de praticar qualquer facto ilícito. 33) A medida da pena aplicada ao arguido é desproporcional atendendo às circunstâncias inerentes ao caso em concreto. 34) No Acórdão recorrido houve uma errada interpretação da prova produzida, bem como uma inadequada interpretação e aplicação das normas legais aplicáveis ao caso em concreto. 35) Pelo depoimento das testemunhas da acusação, nomeadamente pais do menor, nunca se poderia condenar o arguido, pois estes muitas vezes dormiam em casa do arguido com o seus filhos, a mãe lavava a roupa, fazia as camas, cozinhava, etc., e nunca deram por nada nem estranharam nenhum comportamento de ambos; 36) Passados 1,5 ano, é que foi iniciado o inquérito, que por sinal, por um vizinho e conhecido que é Comissário da PSP de Fátima, e fez o requerimento inicial da participação, como um "simples cidadão do mundo" sem se identificar em...

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