Acórdão nº 04B3868 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 21 de Abril de 2005 (caso NULL)
Magistrado Responsável | NEVES RIBEIRO |
Data da Resolução | 21 de Abril de 2005 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: I Razão da revista 1. A autora "A. "A", Limitada" demandou, em 12 de Março de 1998, (esta data é relevante) na Comarca de Vila Real, a "B", S.A., pedindo a sua condenação no pagamento das quantias a seguir indicadas, ambas acrescidas dos juros moratórios à taxa legal, desde a citação da ré, e até integral pagamento: a) 86.688.636$00, a título de indemnização de clientela ou, subsidiariamente, a titulo de compensação por enriquecimento sem causa; b) 48.845.675$00, como compensação pelos prejuízos causados por via da cessação inesperada do contrato celebrado com a ré, adoptando esta uma conduta abusiva e enganosa na denúncia do mesmo contrato (1).
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Fundamentando as pretensões de pagamento deduzidas em juízo, a autora alegou, em síntese, a seguinte factualidade, que importa expor, por inteiro, para a economia da análise: A) Foi, até 21 de Junho de 1996, concessionária da ré para a área de Vila Real, abrangendo os concelhos de Alijó, Boticas, Chaves, Mondim de Basto, Montalegre, Murça, Ribeira de Pena, Sabrosa, Valpaços, Vila Pouca de Aguiar e Vila Real, tendo tal concessão por objecto a venda de veículos automóveis e peças da marca FORD, bem como a prestação de serviço de vendas e pós-venda, nomeadamente assistência técnica e reparações.
Por contrato celebrado em 1 de Junho de 1957, reduzido a escrito, intitulado "Contrato de Concessionário", a ré declarou nomear o Sr. C como "concessionário autorizado", nos termos e nas condições constantes dos documentos de fls. 31 a 42 dos autos; por contrato celebrado em 19 de Outubro de 1971, reduzido a escrito, a ré e o Sr. C acordaram as condições de comercialização de veículos usados «A-1», nos termos e cláusulas constantes de documento de fls. 43 a 46 verso.
No dia 22 de Agosto de 1980, faleceu C, tendo-se habilitado, como seus sucessores, D, E e F.
Por escritura pública lavrada no Cartório Notarial de Vila Real, em 31 de Dezembro de 1980, E e F declararam constituir entre si uma sociedade que adoptou a firma de "A. "A", Limitada", com o objecto social constante na compra e venda e reparações de automóveis e camiões.
Por contratos celebrados em 1 de Setembro de 1981 e 30 de Junho de 1986, reduzidos a escrito, intitulados, respectivamente, "Contrato de Concessionário" e "Contrato de Concessionário Ford", a ré nomeou como concessionário, para a área supra referida, a firma A. "A", Limitada, ora autora, nos termos e condições constantes dos documentos de fls. 56 a 91 verso.
Por carta registada, enviada com aviso de recepção, datada de 21 de Junho de 1995, a ré fez saber à autora que "... no uso da faculdade que à B é conferida pela cláusula C e pela alínea a) da Cláusula 26 das Cláusulas Gerais do Contrato de Concessionário celebrado com V. Exas. em 30/06/86, o referido Contrato de Concessionário é denunciado com efeito no termo do prazo de 12 meses contado a partir da data de recepção da presente carta.", ou seja, em 21/06/1996.
Cessado o contrato, a ora autora encetou negociações com a ré tendo em vista a devolução dos volumosos stocks de peças que, contratualmente, era obrigada a manter e que a FORD estava obrigada a readquirir; tais negociações revestiram-se de grande dificuldade e morosidade, sendo que só em finais de 1997, a ré acabou de pagar as peças que aceitou readquirir e, ainda assim, recusou-se a readquirir uma parte substancial dos stocks e exigiu numa parte das devoluções um desconto de 20%.
A ré recusou-se a pagar a indemnização de clientela que a autora lhe exigiu, bem como a compensá-la de diversos prejuízos resultantes da sua actuação, ao fazer cessar o contrato de forma abusiva e desleal, agravando de forma injusta as perdas decorrentes dessa cessação, pelo que a autora viu-se então forçada a enviar à ré uma carta, datada de 16/02/1998, interpelando-a para pagar o montante de 75.750.000$00 a titulo de indemnização de clientela e a quantia de 41.256.000$00, a titulo de compensação pelos prejuízos por si sofridos em virtude da cessação, tendo em conta o modo como esta ocorreu.
Em resposta, a ré limitou-se a afirmar que não vê "razão para qualquer litígio".
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Particularmente, quanto ao pedido de indemnização de clientela, (é a matéria que, verdadeiramente, sobra para a revista, como mais tarde se verá) a autora refere que a cessação do contrato é imputável à ré que, unilateralmente, promoveu a denúncia do mesmo, declarando expressamente fazê-lo no uso de uma "faculdade" conferida pela alínea a) da cláusula 26ª das Condições Gerais, que permite que qualquer das partes denuncie o contrato "em qualquer momento que o deseje".
A autora, enquanto concessionária, angariou novos clientes para a marca que representava e de que a ré é fornecedora e concedente, aumentando também, e substancialmente, o volume de negócios realizado pela ré na área da concessão; aquando do início da concessão, em 1957, a ré não dispunha de qualquer clientela na área concessionada, a qual foi desde então angariada pelo concessionário, na íntegra; após a constituição da sociedade autora o número de clientes e o volume de negócios aumentou substancialmente até ao termo da concessão.
A ré continuará a beneficiar consideravelmente, após a cessação do contrato, da actividade até então desenvolvida pela autora, tendo inclusive nomeado novo concessionário para a mesma área de concessão que estava adstrita à autora, para o qual transferiu toda a clientela angariada por esta, a qual deixou de receber quaisquer proventos relacionados com as vendas e serviços destinados a essa clientela.
A ré continuou, por essa forma, a beneficiar da actividade de angariação, promoção, fidelização e assistência aos clientes que a autora havia desenvolvido ao longo dos anos, acrescendo ainda que a FORD é das marcas de automóveis que estatisticamente registam um dos maiores índices de fidelização de clientela, havendo grande tendência para que os proprietários de automóveis FORD voltem a adquirir veículos da mesma marca, quando trocam de carro.
Tal indemnização de clientela deverá ser calculada a partir da média anual das remunerações recebidas pelo concessionário durante os últimos cinco anos, sendo que, no caso de um concessionário, que não aufere comissões, a remuneração corresponde à margem bruta global auferida em cada ano; a indemnização de clientela a pagar pela ré deverá ser fixada em esc.86.688.636$00, valor que corresponde à margem de 13% do volume de negócios médio dos últimos cinco anos relativo à venda de automóveis, somado à margem de 25% do volume de negócios médio relativo à venda de peças e prestação de serviços.
Prevenindo eventual entendimento diverso, a autora alegou que a ré passou a beneficiar, com exclusão da autora, dos benefícios resultantes da actividade desta, registando-se portanto "um enriquecimento do principal" que justifica e legitima uma compensação, tendo ocorrido, assim, um empobrecimento da autora (privada doravante da remuneração resultante das vendas e prestação de serviços à clientela existente) e um correspondente enriquecimento, injusto, da ré (que adquiriu essa clientela sem qualquer contrapartida), valores que se estimam em montante não inferior a um ano de remuneração do concessionário, calculado em termos análogos aos acima enunciados (margens brutas globais, relativas ao volume de negócios médio dos últimos cinco anos), no valor de 86.688.636$00, pelo que, ao abrigo do artigo 473° do Código Civil, sempre deverá a ré ser condenada a pagar à autora uma indemnização a titulo de enriquecimento sem causa.
A autora alegou ainda que a atitude dos responsáveis da ré nos anos que antecederam a denúncia do contrato, e até depois da sua comunicação à autora, sempre foi de molde a criar nesta a convicção de continuidade das relações contratuais, o que a levou a realizar investimentos e a manter stocks elevados para fazer face às necessidades futuras e a cumprir os seus deveres contratuais.
As expectativas assim geradas pelo comportamento da ré condicionaram inequivocamente a conduta e as opções da autora, pois esta mantinha a esperança fundada de continuar a representar a FORD; por via disso, a autora concluiu que sofreu, e sofre ainda, prejuízos avultados que teria evitado ou minorado substancialmente, caso não tivesse sido induzida em erro pela conduta da ré.
Assim, a conduta da ré foi flagrantemente contrária ao dever geral de boa fé pelo que se constituiu na responsabilidade de reparar os danos sofridos pela autora e por esta descritos nos artigos 30º a 53º da sua petição inicial, pagando indemnização que aproxime a situação real da autora daquela que existiria se não fosse a lesão; após ter estabelecido os critérios para o cálculo de tal indemnização (artigos 118º, 119º e 122º da petição inicial), a autora concluiu que a ré deverá ser condenada a pagar-lhe, a tal título, o montante de 48.845.675$00.
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A ré, "B", S.A. contestou (fls. 216 a 308), defendendo, no aspecto que ora releva, o seguinte: A) Quanto à questão da qualificação do contrato em causa nos autos, a ré manifestou o inicial entendimento de que o mesmo se reconduz ao chamado contrato de concessão, concordando, neste aspecto, com o que havia sido alegado pela autora a tal propósito, negando, contudo, a possibilidade de aplicação analógica a tal contrato do regime do contrato de agência na parte em que prevê a atribuição de uma indemnização de clientela.
Com efeito, qualquer tentativa de aplicação analógica do regime da indemnização de clientela será ilegal, já que a norma que prevê a sua existência e aplicação prende-se, exclusivamente, com as características especificas do contrato de agência, devendo, como tal, ser considerada excepcional e, por isso, insusceptível de aplicação analógica, a que acresce o facto da inexistência do grau de similitude necessário entre os casos (agente e concessionário), já que, ao contrário do que se verifica no contrato de agência, em caso de cessação do contrato de concessão, ambas as partes mantêm a possibilidade de usufruir...
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